Bem-vindo ao Brasil, Battisti
Battisti reconquista a liberdade depois de viver mais de 30 anos como foragido.
Colunista faz um retrospecto da luta pela libertação de Cesare
Battisti, da qual ele foi um valoroso guerreiro enfrentando gente como Mino Carta e Gilmar Mendes.
A decisão do STF negando a extradição de Cesare Battisti, apesar do ministro Gilmar Mendes, reconhece nossa soberania e conclui com justiça um longo processo. É a vitória de muitos companheiros, como Celso Lungaretti e Carlos Lungarzo, que lutaram com insistência e denunciaram a ilegalidade de se manter preso alguém já reconhecido como não extraditável pelo então ministro da Justiça, Tarso Genro.
É igualmente a vitória de políticos como Eduardo Suplicy e Fernando Gabeira, dos primeiros a defenderem Battisti, quando a esquerda brasileira, confundida pela revista Carta Capital e Mino Carta, não sabia se apoiava ou rejeitava o apelo de militantes europeus, entre eles com destaque para a escritora Fred Vargas.
Mas é também uma vitória do Direto da Redaçao e do Correio do Brasil, pois logo depois da prisao de Battisti no Rio de Janeiro, publicávamos aqui a primeira coluna contra a extradição do combatente italiano, da qual lembramos alguns trechos:
Existem momentos em que uma decisão da Justiça brasileira pode transmitir ao mundo uma mensagem de serenidade, equilíbrio e ponderação. Esta coluna hoje quer ter mais uma função de manifesto para propor às personalidades brasileiras, muitas das quais viveram o exílio político, uma mobilização para pedir ao nosso Supremo Tribunal a rejeição do pedido de extradição do antigo militante da extrema-esquerda Cesare Battisti, preso no Rio de Janeiro.
Condenado à revelia à prisão perpétua, na Itália, por quatro crimes dos quais nega ser o autor, Cesare Battisti tinha se beneficiado, na França, de uma decisão do presidente Mitterrand contrária à extradição de antigos militantes revolucionários italianos. Julgando-se em lugar seguro, depois de ter fugido para o México, onde sobreviveu com pequenos empregos, Battisti começou ali a escrever livros policiais, talvez obcecado pela sua própria história de foragido – uma espécie de Jean Valjean italiano perseguido todo tempo por um obsessivo Javert.
Para ter com o que sustentar a esposa e as duas filhas, se tornou zelador de um prédio em Paris. Zelador-escritor, o antigo militante italiano do PAC, Proletários Armados pelo Comunismo, esperava viver na França o resto de sua vida.
Entretanto, o fim do governo Mitterrand, pos fim à sua anistia política. Um novo pedido de extradição pela Itália foi acatado pelo governo francês de Jacques Chirac. Não querendo passar o resto da vida na prisão, Cesare Battisti retomou sua vida de foragido. Na sua defesa, no julgamento da extradição, Battisti, além de negar os crimes, destacou a desumanidade da pena – “o que será de minha mulher e minhas filhas, que não poderei mais ver e nem sustentar ? Na verdade, serão elas também condenadas comigo”.
Por que o Brasil não deve extraditar Cesare Battisti ?
Além da questão humanitária, pois os crimes dos quais é acusado ocorridos no começo dos anos 70 normalmente já estariam prescritos, os crimes dos quais é acusado fazem parte de uma outra época da história política européia – o das Brigadas Vermelhas, cujas manifestações ocorreram tanto na Alemanha como na Itália.
Essa página política foi encerrada e revista, tanto os envolvidos em atos de violência como os ideólogos se reconverteram em partidários de uma lenta mas pacífica evolução social pelo mecanismo democrático.
Todos nós viramos as páginas. O Cesare Battisti de hoje nada tem a ver com o dos anos 70. Além disso, o Brasil anistiou todos quantos participaram dessa época, durante a ditadura militar. Uma anistia que beneficou também os profissionais da tortura, mesmo se não eram movidos por nenhum ideal de mudar o mundo e justiça social. Fazer exceção a esse princípio já adotado no nosso País seria um contrasenso e uma injustiça.
Mesmo porque o governo brasileiro de hoje tem muitos militantes desse passado, cuja vida não é de foragidos. Se a Justiça brasileira quiser aplicar o tratado de extradição com a Itália, caberá ao presidente Lula, com seu senso de equilíbrio, já demonstrado, anistiar Cesare Battisti e permitir-lhe viver no nosso país com sua família. Será um decisão humana.
O caso Battisti teve lances estranhos, como de jornalistas, políticos e juízes do STF defenderem a intromissão de outro país, a Itália, mas a Itália neofascista de Berlusconi, na nossa soberania. Porém, relendo esse trecho escrito em março de 2007 me surpreendo com a premonição de imaginar, com mais de três anos de antecedência, que caberia a Lula a principal decisão e, depois dos deslizes e dos comprometimentos de togados como Mendes e Peluzo, a retomada da consciência de nossa independência pelo STF.
Sim, porque houve momentos em que se temia mesmo um comportamento golpista do STF, querendo se sobrepor, como bem gostaria Gilmar Mendes, à decisao de Lula. Assim, o caso Battisti poderia ser o pretexto para se submeter ao STF todas as decisões da presidência da República. A esse respeito, escrevíamos em setembro de 2009 -
Extraditar Cesare Battisti não é o alvo principal da direita brasileira e de seus representantes no Supremo Tribunal Federal. O objetivo é o de criar uma situação de impasse que, de uma ou outra forma, leve a um desgaste e a uma dimuição da imagem e do poder do governo do presidente Lula.
Em outras palavras, uma versão jurídica de golpe institucional, pela qual se possa questionar a real competência do poder executivo e, aberta essa brecha, se submeter todas as importantes decisões governamentais, envolvendo interesses estrangeiros, à aprovação pelo STF.
A importância atual dada à questão da extradição de Battisti confirma se estar submetendo o governo a um teste que, pelo visto, poderá dar resultado. Na análise do relator do processo Battisti surgiu, por diversas vezes, a intepretação jurídica de que uma decisão favorável do STF à extradição de Battisti, será definitiva, e, diante do acordo bilaterial de extradição entre Brasil e Itália, obrigará nosso país a um rápido cumprimento, sem a possibilidade legal de uma intervenção do presidente Lula suspender a extradição.
Terá assim sido criada a jurisprudência de que, pelo menos em casos bilaterais de direito internacional, a última palavra não será mais a do presidente da República mas do STF. E, mais rápido do que se pensa, o STF assumirá o poder de estatuir o que o executivo pode ou não fazer no país.
Nossa soberania não dependerá mais do executivo eleito pelo povo, mas de um grupo de juristas togados que, segundo a tendência de grupos dominantes, assumirá feições de junta decisória, e, no momento, o verdadeiro presidente brasileiro passaria a ser Gilmar Mendes. Tudo isso no estilo light e clean, sem tropas na rua e sem edição de atos institucionais.
Apesar de derrotado, Mendes não abandonou sua interpretação de que nosso judiciário e nossa presidência teriam de se sujeitar a um antigo colonizador europeu, como se fôssemos uma Abissínia.
Foi na defesa de nossa soberania que, em fevereiro de 2009, aqui no DR esrevíamos :
Existe uma maneira, Senhor Presidente, para se resolver de maneira rápida a questão Battisti, evitando-se que, com tantas mentiras e imprecisões espalhadas por setores entreguistas da imprensa, ela envenene a opinião pública e provoque uma gangrena.
O Brasil não pode aceitar que um premiê italiano, mal visto e tantas vezes acusado de corrupto, numa Itália cujo prefeito de sua capital, Roma, é conhecido por sua antiga militância neofascista, assim como são neofascistas confessos deputado e membros do governo pertencentes à Liga separatista do Norte, nos diga que medidas devem ser tomadas com relação ao ex-militante italiano Cesare Battisti.
Berlusconi é o pai da Diretriz do Retorno, que tanto mal tem causado aos nossos emigrantes na Europa, e acaba de instituir a delação, a deduragem como lei para os médicos italianos, obrigados a denunciarem todo emigrante clandestino que for ao consultório ou hospital, para ser rapidamente expulso. É com ele, que muitos de nossos jornalistas, alguns de renome, decidiram colaborar, mesmo se o clima já é mal cheiroso na Europa.
Não podemos simular surdez diante das palavras do deputado neofascista Ettore Pirovano, da Liga do Norte, de que “o Brasil é mais conhecido por suas dançarinas (putas) do que por seus juristas” numa ofensa a nossos advogados, magistrados e ao nosso povo, nem podemos tolerar a petulância do partido Aliança Nacional de levar ao Conselho da Europa a questão Battisti, com o apoio do Grupo Europa de Nações de direita e extrema-direita, num gesto digno da época colonial.
Nem podemos aceitar que um país estrangeiro tente criar conflitos e incompatibilidades entre órgãos institucionais brasileiros, numa clara intervenção na nossa política interna, fomentando divergências, fazendo ameaças e chantagens, utilizando-se de jornais, revistas e jornalistas que, por interesses políticos e pessoais, reforçam as pressões italianas com o objetivo de provocar uma crise política no Brasil e atingir seu prestígio de Presidente do País.
Silvio Berlusconi representa hoje a Europa próxima da extrema-direita, num clima que faz pensar nos anos 30 do século passado, quando se fazia a caça a judeus, ciganos e comunistas. Berlusconi reinventa Mussolini e faz a caça aos imigrantes, entre eles os brasileiros, os africanos, os árabes, os ciganos, os rumenos e ainda tem tempo para correr atrás de um antigo militante dos anos 70, de uma época italiana ainda mais podre que a atual, quando os julgamentos e processos era feitos ao interesse do governo, chefiado por um premiê mafioso.
Foi defendendo Battisti, que surgiu o conflito com a revista Carta Capital, considerada por tantos como revista de esquerda, pois Mino Carta defendia a extradiçao de Battisti e exercia influência junto a jovens brasileiros.
Escrevemos uma Carta a Mino Carta, que provocou o fechamento de seu blog, da qual transcrevemos o trecho inicial :
Não sei porquê você, Mino Carta, tomou a peito apoiar a embaixada italiana, desejosa de obter de toda maneira a extradição do ex-militante de um pequeno e inexpressivo grupo armado italiano de uma época já tão distante. Infelizmente, e isso pode acontecer com todos nós jornalistas, você pisou na bola. Não chega a ser tão grave, porque um pequeno grupo decidido de simples cidadãos, juristas e políticos com o apoio do ministro da Justiça resolveu a parada, mas podia ser muito grave.
Foi-me difícil decidir escrever este comentário, porque sua trajetória é praticamente inatacável e sua contribuição ao restabelecimento da democracia no Brasil ficou evidente nas denúncias que corajosamente fazia, como editor de suas revistas, enfrentando os ditadores militares.
Evidentemente respeito sua opinião, talvez baseada num bom informante quanto à decisão do ministro da Justiça de dar refúgio a Battisti, mas péssimo quanto à real participação do Battisti naquele momento político italiano. Você vive felizmente numa democracia no Brasil e eu numa outra democracia exemplar na Suíça, e sabemos que o debate franco como este, é que nutre essas duas sociedades na livre expressão.
Ora, escrevo porque sua influência como editor da revista Carta Capital poderia ter sido bastante nefasta e significar para um homem, batido pela vida, em nada diferente dos “subversivos” brasileiros que você tanto entendeu, o retorno à Itália na condição de um condenado a apodrecer na prisão.
Marina Petrella, também italiana e muito mais envolvida na luta contra o establishement daqueles anos de chumbo, estava morrendo de desgosto e de tristeza num hospital parisiense, já em estado semi-comatoso, sem querer se alimentar, nos dias que precediam sua extradição para a Itália. Depois de trinta anos de vida normal, depois de ter abandonado o extremismo, ia ser separada de suas filhas, do marido, de seus alunos, para ir envelhecer e morrer numa prisão. Porém, foi graças à compaixão da esposa do presidente francês Sarkozy, e sua irmã, atriz conhecida aqui na Europa, ambas italianas, que se decidiu perdoar, porque a nova vida de Marina Petrella, dispensava uma tão tardia punição.
Quando em março, publiquei nos pequenos jornais e sites que escrevo, (proibido que fui e sou de participar da grande imprensa já depois da ditadura), um artigo em favor de Cesare Battisti, contando para os brasileiros a triste sina desse foragido, que quase foi sequestrado, em 2004, pelos italianos, mesmo sendo um simples zelador de prédio e pequeno escritor de romances policiais, alguns amigos, companheiros como se diz, se senbilizaram.
Entretanto, quando Carta Capital publicou aquela reportagem tendenciosa e nada imparcial, tudo se comprometeu. Porque sua revista, que se poderia dizer de centro-esquerda, as vezes mesmo bem de esquerda, serve de orientação para muitos jovens e para muitos militantes de esquerda. E ficaram na dúvida. Quem sou eu, simples jornalista expatriado, que como um Joris Ivens terá de sobreviver com seus frilas, enquanto lúcido e não enfartado por não ter mais lugar na grande imprensa, para competir com Carta Capital ? Como ganhar a confiança de meus amigos e companheiros com minhas colunas benévolas diluídas na selva da imprensa brasileira ?
Enfim, Cesare Battisti vai ser um homem livre no Brasil. foi uma longa luta, uma bela vitória de todos nós. Bem- vindo Cesare Battisti !
(Textos publicados originalmente no Direto da Redação)
Rui Martins, jornalista e escritor, correspondente
em Genebra.
*correiodoBrasil
Itália tem poucas chances de reverter decisão em Haia
luisnassif Chances de reverter decisão sobre Battisti em Haia são mínimas, dizem juristas
A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de não extraditar o ex-ativista italiano Cesare Battisti tem poucas chances de ser revertida no Tribunal Internacional de Justiça, em Haia (Holanda), segundo afirmam juristas ouvidos pela BBC Brasil.
Em nota divulgada nesta quinta-feira, o ministro italiano do Exterior, Franco Frattini, disse ter recebido "com profundo pesar" a decisão do Supremo pela soltura de Battisti, e afirma que o país deverá recorrer ao Tribunal de Haia. "A Itália pretende ativar imediatamente todos os mecanismos junto às instituições multilaterais pertinentes, em particular o Tribunal Internacional de Justiça, em Haia, para proceder a uma revisão de uma decisão que não é coerente com os princípios gerais do direito e suas obrigações sob o direito internacional", disse o comunicado.
O professor de Direito Internacional da Escola de Direito de São Paulo (Direito GV) Salem Nasser, no entanto, vê poucas chances da Itália efetivamente recorrer a Haia para obter a extradição de Battisti.
"Não parece que o que está em jogo seja suficiente para a Itália ir à corte", diz Nasser. "O processo é muito desgastante, caro e longo."
Para o professor, a Itália só faria isso se tivesse razões políticas relevantes, para, por exemplo, responder a questões internas, criando junto à população um "senso de patriotismo e de união nacional", dando ainda uma mensagem contra o terrorismo.
Além disso, segundo Nasser, dois países vão a julgamento em Haia somente se ambos aceitarem igualmente a jurisdição do Tribunal Internacional, algo que ele vê como pouco provável.
Esta aceitação seria compulsória caso o tratado de extradição entre Brasil e Itália previsse Haia como foro de arbitragem sobre conflitos envolvendo este acordo. No entanto, segundo o Itamaraty, o tratado não confere jurisdição ao Tribunal.
'Cumprimento de agenda'
Segundo o jurista Wálter Fanganiello Maierovitch, o máximo que o Tribunal de Haia pode fazer é emitir uma declaração de que o Brasil descumpriu o tratado de extradição, caso assim o entenda - o que não obrigaria a entrega de Battisti à Itália.
"A Itália vai à Corte para cumprir uma agenda", afirma o jurista. "Isso pode gerar um acordo entre os países, ou um pedido de desculpas por parte do Brasil, mas pra ter uma decisão com efeito vinculante, seria necessária uma aceitação pelo Brasil", diz.
"Agora, será que o governo brasileiro está disposto a sujeitar à Corte Internacional uma decisão tomada pelo seu presidente, referendada pelo Supremo? Acho pouco provável."
Mesmo que o Brasil aceite ir a Haia e acabe derrotado pela Itália, ele pode descumprir a decisão e não entregar o ex-ativista. No entanto, Nasser vê esta hipótese muito difícil, devido às consequências políticas disto no âmbito internacional.
"O Brasil é consciente de suas obrigações, é um país que respeita o direito internacional", afirma o professor.
Criado em 1945, o Tribunal Internacional de Justiça é o principal órgão judicial das Nações Unidas. Ele é formado por um grupo de 15 juízes, escolhidos pela Assembleia Geral da ONU e pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas.
O Tribunal de Haia tradicionalmente resolve disputas entre países envolvendo questões de fronteiras e sobre descumprimentos de tratados internacionais.
Decisão do STF
Nessa quarta-feira, o STF determinou, por seis votos a três, a libertação de Battisti, cuja extradição é requisitada pela Itália.
Com a decisão, o STF confirmou medida tomada pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia de seu mandato, em 31 de dezembro de 2010, quando rejeitou extraditar o italiano.
Para a maioria dos ministros da corte, a decisão de Lula é um "ato de soberania nacional" que não poderia ser revisto pela corte.
"Se o presidente assim o fez (negou a extradição) e o fez motivadamente, acabou o processo de extradição", alegou em seu voto o ministro Joaquim Barbosa.