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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, outubro 30, 2011

Cuba na Unesco

Discurso de Miguel Diaz-Canel, Ministro da Educação Superior de Cuba na Assembleia Geral da Unesco:
“O mundo vive indignado. Os povos se rebelam contra as injustiças e as promessas vazias. Se indignam pelas frustrações acumuladas e pela ausência de esperanças. Se rebelam contra um sistema devastador que já não pode seguir enganando com um falso rosto humano. Um sistema que continua marginalizando as maiorias excluídas, em benefício de um punhado de privilegiados que possuem tudo. Que não repara no resgate de banqueiros corruptos que multiplicam seus lucros, enquanto diminuem os recursos para a educação, a saúde ou a criação de empregos.
A crise do sistema capitalista é sistêmica e multisetorial. É crise financeira, econômica e social e também ética. Os poderosos apostam na guerra como recurso de sua salvação. Repartem o mundo entre si impunemente e encarregam a tarefa à belicosa OTAN. Ainda não terminaram de destruir a Líbia e já ameaçam a Síria. Quem de nós irá segui-los?
São as guerras de novo tipo com armas que se chamam “inteligentes” mas que matam e destroem indiscriminadamente. São guerras de conquista para se apropriar dos recursos energéticos e minerais com os quais oxigenar suas vorazes economias. Com a cumplicidade de seus empórios midiáticos, que agem também como armas no combate, pretendem convencer-nos da “mudança de regime” e da “responsabilidade de proteger”. É a nova filosofia colocada em prática para o mesmo objetivo de continuar explorando-nos.
A única ofensiva que não podem livrar suas armas nem suas vorazes empresas, a única contenda legítima que não estão dispostos a empreender, é a necessária contra a fome, o analfabetismo, a incultura e a pobreza para, efetivamente, democratizar a democracia, proteger os excluídos e mudar a atual ordem mundial.
A UNESCO, que na sua carta constitutiva declarou; “dado que as guerras nascem na mente dos homens, é na mente dos homens que devem se erigir os baluartes da paz˜, está chamada a desempenhar um papel de vanguarda na incansável luta por um mundo melhor, em que os seres humanos possam viver livres do temos e da ignorância.
É na UNESCO onde devem levantar-se as armas da educação, da ciência e da cultura para lutar pela paz e pela compreensão mútuas, para que as bombas deixem de matar e mutilar os seres humanos, para que não se destruam as escolas, nem os museus, para que a ciência progrida nos laboratórios e a cultura enriqueça o mundo espiritual. Para que as gerações presentes e futuras possas desfrutar da beleza única e irreprodutível do sistema e seus mais de 900 lugares de patrimônio mundial.
Para isso é preciso refundar a Organização e será necessário fazê-lo com maios pressa e decisão. A reforma em curso, que empreendeu nossa ativa e enérgica Diretora Geral, necessita chegar até os próprios cimentos da instituição. Deve ser profunda e radical. Deve reposicionar e tornar mais visível nossa ação. Deve sair dos escritórios burocráticos para chegar às pessoas comuns e atender suas necessidades elementares, aquelas que temos como mandato.
A educação tem que ser a verdadeira prioridade das prioridades, tanto no compromisso político como no financeiro. É inadmissível que no mundo existam quase 800 milhoes de analfabetos, dos quais 2/3 são mulheres. É inadmissível que quase 70 milhões de crianças não tenham uma escola onde receber a luz da educação.
Cuba, pobre e bloqueada, com seu método de alfabetização “Eu Posso, Sim”, conseguiu em pouco tempo e com escassos recursos, mas com enorme paixão solidária, alfabetizar 5.706.082 pessoas em 28 países da América Latina e Caribe, África, Europa e Oceania. Agradecemos à Diretora Geral seu reconhecimento à eficácia deste programa como método de cooperação Sul-Sul, assim como sua disposição reiterada de acolher as boas práticas no âmbito da educação.
A 36 Conferência Geral deve deixar estabelecidas as pautas da mudança e do reposicionamento da UNESCO no sistema multilateral.
A Conferência deve se pronunciar ademais, e esperamos que o faça de maneira clara e inequívoca, em relação a um tema de transcendental importância: a admissão da Palestina como Estado membro da UNESCO. Não se trata de uma opção. Resulta uma obrigação ética e moral diante da cruel e prolongada injustiça que sofre o povo palestino. Cuba deseja reiterar seu firme e decidido apoio à solicitação da Palestina e espera que a decisão de seu ingresso à UNESCO contribua aos objetivos da paz e da universalidade que animam à nossa organização.
Não devo concluir minhas palavras, sem reclamar e exigir, em nome do povo cubano, a libertação de nossos cinco heróis, quatro deles injustamente prisioneiros em prisões do império e um, René, cumprindo uma pena adicional des três anos falsamente denominada “liberdade vigiada”.
Cuba, que segue firmemente comprometida com a UNESCO e com os valores que esta representa, confina na liderança da Diretora Geral, para o fortalecimento e refundação da Organização.
Emir Sader 
* Carta Maior

Pega, Mata e Come

E já se foram seis. Pelas mãos da imprensa, os titulares da Casa Civil, Transportes, Defesa, Agricultura, Turismo e Esporte deixaram suas pastas apenas neste ano. Sinal de pujança da mídia ou de execração pública desenfreada? A verdade está no meio do caminho.
Não há como negar o bom trabalho de jornais e revistas - especialmente o da Folha e o da “Veja”- na revelação de falcatruas com o dinheiro público, de enriquecimento suspeito ou de vaidade extremada (caso de Nelson Jobim). De motel pago com diárias do governo federal a convênios-fantasmas para atender crianças carentes, apareceram vários motivos para a “faxina” de Dilma Rousseff.
O último varrido do poder foi Orlando Silva, que, na quarta-feira, depois de 11 dias seguidos de protagonismo no noticiário político, sucumbiu. Não há dúvida de que, no mínimo, uma série de irregularidades germinava no Ministério do Esporte, o que pode ser considerado motivo suficiente para trocar o titular.
Mas, no afã de dar o último tiro, atropelou-se várias vezes o bom jornalismo. No dia 18, na esteira do UOL, a Folha e seus concorrentes publicaram reportagens sobre a compra de um terreno em Campinas pelo ex-ministro. Ressaltou-se o montante pago à vista: R$ 370 mil, o que não é uma cifra astronômica para um funcionário público no topo da carreira e que afirma não ter outros imóveis.
Levantava-se também a suspeita de que a Petrobras viesse a favorecer Orlando Silva, retirando da área dutos de gás que passam por ali. A estatal nega qualquer intenção desse tipo. Nada havia, portanto, a denunciar - ou seja, nada que merecesse ser publicado. A praga do “linchamento midiático” atacou de novo quatro dias depois, quando a manchete da Folha trazia mais uma acusação: “Esporte cobrou 10% de propina, afirma pastor”. O denunciante, filiado ao PP, dizia que funcionários do Ministério do Esporte o procuraram para pedir propina depois que um convênio da sua ONG foi aprovado.
O entrevistado não apresentou provas e tinha muitos motivos para ter raiva: as contas de sua entidade foram rejeitadas, e a renovação do contrato com o governo, indeferida. O mesmo poderia ser dito do policial João Dias, que desencadeou a fritura de Orlando Silva, mas ele tinha acesso à cúpula do ministério, citava vários nomes e apresentou depois gravações.
Se dependessem de fontes idôneas, os repórteres estariam em maus lençóis. A maioria dos malfeitos emerge de interesses contrariados, quase sempre de aproveitadores do erário em surtos momentâneos de cidadania. Isso não pode ser álibi, porém, para estender o microfone a qualquer um que levante a voz contra os políticos.
Anteontem, a precipitação ”denuncista” se manteve com a história de que Apolinário Rebelo, irmão do novo ministro, Aldo Rebelo, foi citado como beneficiário de um suposto esquema de desvio de dinheiro. Era outra acusação, sem provas, do policial falastrão, que merecia um registro, mas nunca o destaque dado: foi o texto principal em uma página de Poder e ocupou, por horas, a manchete da Folha.com.
É preciso cuidado com a cultura do escândalo. Acusação baseada em uma só fonte, sem documentos, é o início do trabalho do repórter, não o seu fim - mesmo no noticiário político, onde, infelizmente, se atira a esmo e se acertam mais corpos do que se esperava.
Suzana Singer, jornalista de 44 anos, é a décima profissional a ocupar o cargo de ombudsman na Folha.
No Falha 
*com textolivre

Economia brasileira pode superar todos os europeus até 2020

Daniel Marenco - Folhapress
SÍMBOLO DA EXPANSÃO: Vista de Suape 
Brasil deve ser neste ano a 6ª maior economia mundial
Consultorias e FMI estimam que país vai ultrapassar o PIB do Reino Unido

Economia brasileira pode superar todos os europeus até 2020; crise nos desenvolvidos justifica o novo ranking


A crise dos países desenvolvidos ajudará o Brasil a ganhar posições com mais rapidez no ranking de maiores economias do mundo. Em 2011, o Produto Interno Bruto brasileiro medido em dólares deverá ultrapassar o do Reino Unido, segundo projeções do Fundo Monetário Internacional e das consultorias EIU (Economist Intelligence Unit) e BMI (Business Monitor International).

A estimativa mais recente, da EIU, prevê que o PIB do Brasil alcance US$ 2,44 trilhões, ante US$ 2,41 trilhões do PIB britânico. Com isso, o Brasil passará a ocupar a posição de sexta maior economia do mundo. Em 2010, ao deixar a Itália para trás, o país já havia alcançado o sétimo lugar.

Como a economia brasileira cresce em ritmo menor que a de outros emergentes asiáticos, em 2013, o país deverá perder a sexta posição para a Índia. Mas voltará a recuperá-la em 2014, ano da Copa do Mundo, ao ultrapassar a França, segundo a EIU.

Até o fim da década, o PIB brasileiro se tornará maior do que o de qualquer país europeu, de acordo com projeções da EIU. Depois de passar Reino Unido e França, a economia brasileira deverá deixar a alemã para trás em 2020.

“O fato de que a economia brasileira ultrapassa as de países desenvolvidos reflete os efeitos da entrada de grandes segmentos pobres da população na classe média”, afirma Robert Wood, analista sênior da EIU. Segundo Wood, isso ajuda a impulsionar o consumo doméstico.

A tendência de ascensão dos emergentes já era esperada por especialistas há anos, mas tem ganhado velocidade devido à crise global. Quando o banco Goldman Sachs inventou o acrônimo Brics (que se refere a Brasil, Rússia, Índia e China) em 2003, previa que a economia brasileira ultrapassaria a italiana por volta de 2025 e deixaria os PIBs francês e britânico para trás a partir de 2035.

Desde então, não só a expansão da economia brasileira ganhou fôlego – em grande medida, a reboque do apetite chinês por commodities – como também o crescimento de nações desenvolvidas afundou desde 2008.

Embora a EIU tenha reduzido recentemente as projeções de crescimento do Brasil para 3% e 3,5%, respectivamente, em 2011 e 2012, sua expectativa de expansão do Reino Unido é de apenas 0,7% em ambos os anos.

Segundo especialistas, a principal consequência para o Brasil de galgar lugares no ranking das maiores economias é consolidar uma posição de maior relevância no cenário político mundial.

“O Brasil tende a ganhar maior voz em fóruns internacionais, e é importante que se prepare de forma adequada para assumir esse papel”, afirma o economista Rogério Sobreira, da Ebape/FGV.

*esquerdopata

Dr. Gurgel tratou ministro preto e pobre de forma diferenciada

Ex-ministro Orlando Silva: preto, pobre, comunista, lulista e dilmista, foi mandado direto para o STF "para averiguação".
(Foto de arquivo do encontro com representantes da CUFA - Central Única das Favelas).

Quando o ex-ministro Antônio Palocci foi acusado na imprensa, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, o tratou como se deve tratar a todos os cidadãos: com a devida presunção de inocência.

Não pediu abertura de inquérito no STF imediatamente, como fez com Orlando Silva, tratado como não se deve: com presunção de culpa.

Palocci tornou-se um membro da rica elite paulistana, é branco, e sua consultoria presta serviços ao capitalismo da nata de banqueiros e industriais paulistas (e esse é seu único "crime" provado até agora, de natureza política e não criminal, no episódio da consultoria).

Orlando Silva tem um patrimônio compatível com seu padrão de renda, de classe média (podemos dizer pobre, para os padrões de políticos brasileiros que ocuparam altos cargos),  é negro, socialista, e as denúncias não envolvem grandes bancos nem grandes empresas.

Não vou fazer o que fizeram com Orlando Silva, e não vou enxovalhar a honra do Dr. Gurgel, acusando-o de cometer erros de propósito, por desonestidade. Acredito, de fato, que comete erros, mais por sensibilidade à pressões políticas e ao volume da pressão da imprensa.

Mas quer queira, quer não, essa atitude diferenciada no trato entre os dois ministros, tem em sua raiz o mesmo ranço daqueles policiais mal-treinados para prender preto e pobre apenas "para averiguação".

Também seria demais fazer ilações sobre racismo contra o Dr. Gurgel, pois, justiça seja feita, ele mesmo fez uma bela defesa da política de cotas raciais no STF, contra a ação impetrada pelo DEM (que queria acabar com as cotas).

Mas não custa nada sugerir ao Procurador-Geral refletir um pouco sobre aquela pergunta feita naquela propaganda: "Onde você guarda seu racismo?"

A propaganda e a pergunta não é dirigida à racistas, e sim a quem não é racista, mas acaba reproduzindo, até sem querer, hábitos culturais enraizados na sociedade pela herança da discriminação racial velada no Brasil.

Em tempo: o Dr. Gurgel mandará abrir inquérito no fôro privilegiado do STF para investigar o senador Aécio Neves (PSDB/SP), branco, milionário e capitalista neoliberal,  com base nas investigações do promotor Eduardo Nepomuceno de Sousa, do Ministério Público de Minas Gerais, sobre os contratos com artistas e participação na campanha eleitoral?
*osamigosdopresidentelula

Pepe Escobar dá aula sobre a Líbia


*comtextolivre

Charge do Dia

Fôrça LULA


Chávez manifesta esperança na recuperação do irmão Lula


O presidente venezuelano Hugo Chávez manifestou esperança neste domingo (30) pela recuperação do ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, que foi diagnosticado com câncer na laringe, e prometeu retribuir a atenção recebida durante seu tratamento contra a doença.

"Em nome de todo o povo venezuelano e com base na experiência que vivi ao ter enfrentado uma situação similar, quero expressar, da irmandade que nos une ao companheiro Lula, meu profundo desejo de que o tratamento ao qual se submeterá nas próximas semanas permita sua pronta recuperação", afirma Chávez em um comunicado.

"Sabe Lula que estarei atento ao desenvolvimento de todo seu processo, como ele tem estado junto a mim na circunstância que tenho vivido e que estou superando", completa a nota de Chávez, que foi operado de um tumor maligno em Cuba.

"Lula, irmão, viveremos e venceremos!", acrescentou.

Lula, 66 anos, teve um câncer na laringe diagnosticado e receberá tratamento de quimioterapia.

Chávez, que nunca revelou a localização exata de seu câncer, alega, quatro meses depois da descoberta da doença, que está recuperado.


Fonte: AFP

sábado, outubro 29, 2011

Slavoj Žižek: “Nosso inimigo é a ilusão democrática”

Anne Applebaum escreveu no Washington Post que os protestos em Wall Street e na Catedral de St Paul são parecidos, “na falta de foco, na incoerência e, sobretudo, na recusa a engajar-se nas instituições democráticas existentes”. “Diferentes dos egípcios” – prossegue ela – “com os quais os manifestantes de Londres e New York comparam-se abertamente (e ridiculamente) nós aqui temos instituições democráticas”. [1]
Claro que, se você reduz os protestos da Praça Tahrir a simples demanda por democracia à moda ocidental, como faz Applebaum, torna-se ridícula qualquer comparação entre Occupy Wall Street e os eventos do Egito: como poderiam os que protestam em Wall Street exigir o que já têm? O que a colunista do Washington Post bloqueia e não vê é a possibilidade de haver descontentamento geral com os sistemas capitalistas globais que assumem formas diferentes aqui e lá.
“Mas num sentido” – Applebaum concede – “o fracasso do movimento internacional Occupy, que não consegue apresentar propostas sólidas de novas leis, é compreensível: as fontes da crise econômica global e suas soluções estão, por definição, fora da competência de políticos locais e nacionais”. E acaba forçada a concluir que “a globalização já começou, visivelmente, a solapar a legitimidade das democracias ocidentais”.
Isso, precisamente, é o que os manifestantes estão mostrando e impondo à atenção de todos: que o capitalismo global solapa a democracia. Conclusão óbvia, daí em diante, é que temos de começar a pensar em meios para expandir a democracia para além da forma que tem hoje, baseada em estados-nação e sistemas multipartidários, e que se mostrou incapaz de gerenciar as consequências destrutivas da vida econômica.
Mas, em vez de dar esse passo adiante, Applebaum muda tudo, culpa os próprios manifestantes que protestam nas ruas, listando as seguintes questões:
Se os ativistas “globais” não tiverem cuidado, acabarão por acelerar o declínio daquele modelo. Os manifestantes gritam em Londres: “Queremos um processo!” Ora, eles já têm um processo: chama-se sistema policial britânico. Se não sabem usá-lo, só conseguirão enfraquecê-lo ainda mais...
O argumento de Applebaum, portanto, parece ser que, dado que a economia global está fora do alcance da política democrática, qualquer tentativa para expandir a democracia para que consiga manejar a economia global... acelerará o declínio da democracia. E o quê, então, devemos fazer? A jornalista sugere que continuemos engajados num sistema político que, segundo ela mesma, não é capaz de fazer o que se espera que faça.
Se há o que não falta hoje, é crítica do capitalismo: estamos inundados de histórias sobre o quanto as empresas poluem cruelmente nosso ambiente; de banqueiros que recebem gordos bônus enquanto seus bancos têm de ser ‘resgatados’ e são salvos com dinheiro público, sobre os pardieiros onde o trabalho de crianças é superexplorado para fabricar roupas baratas que são vendidas em bancas.
Mas há um truque escondido aí: todas essas histórias assumem que a luta contra esses crimes tenha de ser feita no quadro bem conhecido da democracia liberal. A meta (explícita ou implícita) é democratizar o capitalismo, ampliar o controle democrático sobre a economia global, mediante a exposição na mídia, os inquéritos parlamentares, leis mais duras, inquéritos e investigações judiciais etc. Mas não se questiona o quadro das instituições do estado democrático burguês. Esse é preservado, sacrossanto, até nas modalidades mais radicais do “anticapitalismo ético” – o Fórum Social Mundial de Porto Alegre, o movimento de Seattle etc. etc.
Aqui, o insight chave de Marx continua tão pertinente hoje quanto sempre foi: a questão da liberdade não deve ser enquadrada, basicamente, na esfera política – quer dizer, em coisas como eleições livres, judiciário independente, imprensa livre, respeito pelos direitos humanos. A verdadeira liberdade reside na rede “apolítica” das relações sociais, do mercado à família, onde a mudança necessária, para melhorar as coisas, não é alguma reforma política, mas uma mudança nas relações sociais de produção.
Os eleitores não votam para decidir quem será proprietário do quê, ou para decidir sobre as relações entre os trabalhadores numa fábrica. Essas coisas são deixadas entregues a processos fora da esfera política, e é ilusão supor que essas coisas possam ser mudadas com, simplesmente, alguma “ampliação” da democracia: por exemplo, criando bancos “democráticos” controlados pelo povo.
Mudanças radicais nesse campo têm de ser feitas fora da esfera de instrumentos democráticos, como direitos humanos e outros. Esses instrumentos democráticos têm um papel positivo, é claro, mas é preciso ter em mente que todos os mecanismos democráticos são parte de um aparelho de estado burguês previsto para garantir, sem perturbações, o funcionamento da produção capitalista.
Badiou acertou ao dizer que o nome do pior inimigo, hoje, não é “capitalismo”, “império”, “exploração” ou coisas do tipo, mas, sim “democracia”. Hoje, o que impede qualquer genuína transformação das relações capitalistas é a “ilusão democrática”, a aceitação de mecanismos democráticos burgueses como únicos meios legítimos de mudança.
Os protestos de Wall Street são só o começo, mas é preciso começar como já começaram lá, com um gesto formal de rejeição, que é mais importante que seu conteúdo propositivo, porque só um gesto desse tipo pode abrir espaço para novos conteúdos.
Assim sendo, não nos deixemos distrair pela pergunta “Mas o que querem vocês?”. É a autoridade masculina interrogando a mulher histérica: “Você só reclama! Você tem alguma ideia do que você realmente quer?” Em termos psicanalíticos, os protestos são uma explosão histérica que provoca o chefe e mina sua autoridade. E a pergunta do chefe (“Mas o que você quer?”) esconde seu subtexto: “Responda em língua que eu entenda, ou cale a boca!”
Até agora, os que protestam em Wall Street e pelo mundo, têm conseguido muito bem escapar à crítica que Lacan fez aos estudantes de 1968: “Como revolucionários, vocês são histéricas clamando por um novo chefe. Conseguirão”.
Nota dos tradutores
[1] Washington Post, 17/10/2011, em: What the Occupy protests tell us about the limits of democracy
Slavoj Žižek
London Review of Books (Blogs)
Democracy is the enemy
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu
*Redecastorphoto

Charge do Dia

Manifestantes ocupam editora Abril para protestar contra jornalismo de esgoto da revista Veja

Ativistas do Anonymous entram no prédio da editora Abril e protestam contra a "Veja"

Cerca de 50 manifestantes dos movimentos Anonymous e Ocupa Sampa entraram por volta de 18h desta sexta-feira (28) no prédio da Editora Abril, na zona oeste de São Paulo, para protestar contra a revista “Veja”, que na edição do último sábado (22) estampou na capa a máscara símbolo do Anonymous para ilustrar uma reportagem sobre combate à corrupção.

Segundo Rafael Vilanova, 25, que participa do protesto, os Anonymous não querem ver a imagem do grupo ligada à revista. “Repudiamos a capa da 'Veja', que usurpou a verdade e manipulou nossa mensagem, nossa ideia". A imagem usada pela revista é a máscara branca, com cavanhaque preto, que representa o soldado inglês Guy Fawkes e foi usada na série em quadrinhos "V de Vingança", de Alan Moore.

No protesto, os ativistas --entre eles malabaristas e artistas circenses-- exibiram cartazes contra a revista, com os dizeres “A Veja não me representa” e “Chega de mentiras”. Eles exigiram que a revista publique, na próxima edição, uma carta do grupo.

A reportagem está tentando localizar representantes da revista. (Faz-me rir...)

*esquerdopata