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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, novembro 01, 2011

Os Estatutos do Homem

 
Thiago de Mello
Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)
A Carlos Heitor Cony
Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II 
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 

Artigo III  
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Artigo IV  
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu. 

        Parágrafo único:  
        O homem, confiará no homem
        como um menino confia em outro menino. 

Artigo V  
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa. 

Artigo VI  
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 

Artigo VII  
Por decreto irrevogável fica estabelecido 
o reinado permanente da justiça e da claridade, 
e a alegria será uma bandeira generosa 
para sempre desfraldada na alma do povo. 

Artigo VIII   
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor. 

Artigo IX  
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.  
Mas que sobretudo tenha 
sempre o quente sabor da ternura. 

Artigo X  
Fica permitido a qualquer  pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco. 

Artigo XI  
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama 
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã. 

Artigo XII   
Decreta-se que nada será obrigado 
nem proibido,
tudo será permitido, 
inclusive brincar com os rinocerontes 
e caminhar pelas tardes 
com uma imensa begônia na lapela. 

        Parágrafo único: 
        Só uma coisa fica proibida:
        amar sem amor. 

Artigo XIII  
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou. 

Artigo Final.   
Fica proibido o uso da palavra liberdade, 
a qual será suprimida dos dicionários 
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre 
o coração do homem.

A VERDADE DA COMISSÃO DA VERDADE

 

 
Assassinados e desaparecidos políticos

Quem controla o passado, controla o futuro: quem controla o presente controla o passado. E, no entanto, o passado, conquanto natureza alterável, nunca fora alterado. O que agora era verdade era verdade do sempre ao sempre. Era bem simples
1984, George Orwell

Reproduzo abaixo o artigo do jornalista Pedro Pomar sobre a aprovação unânime, pelo Senado, do projeto que cria a Comissão da Verdade.

Por Pedro Pomar
O Senado Federal aprovou por unanimidade em 26/10, em regime de urgência e sem emendas, o Projeto de Lei da Câmara (PLC) 88/2011, que cria a Comissão Nacional da Verdade. Agora, a matéria deverá ser sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, a quem caberá nomear os sete membros da nova Comissão.

Durante a audiência pública realizada em 18/10 na Comissão de Direitos Humanos do Senado, e também na votação do relatório do senador Aloysio Nunes (PSDB) na Comissão de Constituição e Justiça, em 19/10, alguns senadores manifestaram a disposição de apresentar emendas ao projeto, atendendo às reivindicações das entidades que representam familiares das vítimas da Ditadura Militar. No entanto, o governo se manteve intransigente e esses senadores recuaram na votação em plenário, desistindo de apresentar emendas.

Na audiência pública, presidida pelo senador Paulo Paim (PT-RS), houve unanimidade em torno de sete emendas de mérito. Elas foram propostas por representantes de ex-presos políticos, de familiares dos mortos e desaparecidos políticos e de grupos de direitos humanos; pelo secretário-geral da OAB, Marcus Vinicius Coelho; e pela procuradora da República Gilda Carvalho. As senadoras Ana Rita (PT-ES) e Lídice da Mata (PSB-BA) e os senadores Pedro Taques (PDT-MT), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Pedro Simon (PMDB-RS) solidarizaram-se com os familiares e deram apoio às mudanças propostas.

Contudo, nem os ministros (Maria do Rosário e José Eduardo Cardozo) nem o relator do projeto compareceram à audiência pública, embora tivessem sido convidados. E já no dia seguinte o tucano Aloysio Nunes apresentava seu relatório, rejeitando, uma por uma, as emendas convalidadas pela Comissão de Direitos Humanos.

A expressão “Ditadura Militar” sequer aparece no texto aprovado. O período a ser investigado é o “fixado no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias” e não 1964-1985. Além disso, o texto atribui à Comissão a finalidade de “promover a reconciliação nacional”, ao invés de fornecer subsídios para que o Ministério Público possa processar os agentes da Ditadura que praticaram atrocidades.

Na audiência pública de 18/10, vários oradores se opuseram a essa ideia de “reconciliação nacional”, lembrando que é (ou deveria ser) outra a natureza da Comissão da Verdade: contribuir para que, uma vez esclarecidos os crimes cometidos, se faça justiça e sejam punidos os criminosos que praticaram o terrorismo de Estado.

A sessão plenária de 26/10 passará a figurar como uma das mais bizarras da história do Senado: no mesmo dia em que mais um ministro (Orlando Silva) foi derrubado por obra da oposição, senadores governistas incensavam o senador Aloysio Nunes por seu “maravilhoso relatório” (assim expressou a senadora Marta Suplicy, que presidiu os trabalhos) e até o senador Demóstenes Torres (DEM), após destacar seu próprio ― suposto ― passado de luta contra a Ditadura, irmanou-se à confraternização geral dos seus pares, todos festejando a “reconciliação nacional” prometida pela Comissão da Verdade.

Os familiares das vítimas ― e todos aqueles que lutaram contra a Ditadura e foram por isso torturados, condenados e presos ― foram profundamente desrespeitados, uma vez mais. Não há nenhuma garantia de que a Comissão que vier a surgir da lei a ser sancionada avance em relação ao que já se sabe.

Vladimir Herzog, assassinado em 75

Assim, enquanto o Senado do Uruguai derruba a Lei da Caducidade e retoma o acerto de contas com a Ditadura que infelicitou o país; enquanto a Argentina condena à prisão perpétua o ex-capitão Alfredo Astiz, covarde torturador e assassino de presos políticos, e encarcera almirantes e generais que cometeram crimes no regime ditatorial… no Brasil o pacto com os chefes militares ainda continua em plena vigência. A ponto de se permitir a participação de militares na Comissão da Verdade. Isso mesmo: a Comissão que terá a tarefa de investigar os crimes da Ditadura Militar poderá ser composta também por membros das Forças Armadas, conforme asseguram dois parágrafos do artigo 7° da lei recém-aprovada.

Espera-se que a presidenta Dilma, ao designar os membros daComissão, não cometa tal desvario. Mas a possibilidade consta da lei (por que será?) e foi expressamente defendida pelo ex-guerrilheiro e ex-deputado José Genoíno, hoje assessor do Ministério da Defesa. E, igualmente, foi admitida pelo relator Aloysio Nunes, que se recusou a acatar emenda que suprimia do texto do projeto os dispositivos citados.

 
Muitos ainda têm saudades desses tempos sombrios  

Na visão do tucano, “essa discriminação contra membros das Forças Armadas me parece absolutamente descabida, num momento em que as Forças Armadas Brasileiras estão perfeitamente integradas à ordem constitucional”. O senador ignora o motim dos comandantes militares e do então ministro da Defesa, Nelson Jobim, contra o Programa Nacional de Direitos Humanos, em 2010? Ignora o Manual de Contra-Inteligência aprovado pelo Exército em 2009, que manda espionar a sociedade civil, conforme denunciado pela revista Carta Capital na edição de 19/10?

Os movimentos sociais pressionarão e fiscalizarão a Comissão da Verdade para que ela produza resultados compatíveis com as expectativas criadas, apesar do formato mesquinho da lei. Amargaram uma derrota, mas seguirão em frente, como sempre fizeram até hoje. Muita gente acompanhará os trabalhos da Comissão, quaisquer que sejam os seus membros. O secretário-geral da OAB, que manifestou otimismo na audiência pública de 18/10, ainda assim mandou um recado ao governo: “Iremos denunciar publicamente se essa Comissão da Verdade vier a ser um faz-de-conta”.


Mãos dadas

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"Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas."


(não poderia deixar de postar algo da autoria de Carlos Drummond de Andrade no dia em que ele aniversaria! E esse é, sem dúvida, um de meus versos prediletos!)
*milfacesdeluiza

Wallerstein e o fim do Sistema

Enquanto os políticos do mundo discutem como temos de gerir e resolver a crise económica do Ocidente, o diagnóstico do sociólogo americano Immanuel Wallerstein está feito: crise sistémica.

Segundo ele, o problema não é curar o Capitalismo, mas acompanhá-lo na viagem para o túmulo e incentivar o surgimento do que o geopolítico belga Philippe Grasset chama de contracultura.

Russia Today entrevistou Wallerstein, segundo o qual a desintegração do sistema é irreversível: estamos a testemunhar o fim, com o declínio começado na década final do século passado e cuja lenta agonia vai durar mais uns vinte ou quarenta anos. O Capitalismo não pode sobreviver como um sistema, por isso vive a etapa final duma crise estrutural de longo prazo. Não é uma crise rápida, mas uma mudança estrutural de grandes proporções.

Wallerstein tem antecipado o fim do modelo neoliberal, mas nunca tinha atravessado o Rubicão com a decisão da sentença de morte do Capitalismo como um sistema.

O que sobra, portanto do axioma segundo o qual o capitalismo, pelo seu carácter multifacetado, é capaz de se adaptar a todas as crises e as circunstâncias?

Wallerstein solicita a substituição do Capitalismo com um mundo mais democrático e igualitário, uma vez que nunca existiu antes na história uma tal sociedade, mas que é possível. A opção contrária seria algo composto por desigualdade, polarização, que não é necessariamente o capitalismo explorador, mas que pode até ser pior do que os mecanismos de controle do Capitalismo, como a activação de psicopolitica.

O historiador britânico Eric Hobsbawm já havia antecipado o retorno gradual do Marxismo como uma opção (era só que faltava...), uma vez que, segundo ele, não há uma maior clareza do que a oferecida pelo Marxismo clássico nas palavras de Marx, o seu fundador, quando afirma que o Capitalismo traz dentro do si o germe da sua própria destruição.

É, mais uma vez, a pobreza da visão bipolar: duma lado o feroz Capitalismo, doutro lado o paradisíaco Comunismo. Uma pobreza incapaz de descrever a nossa realidade: o sistema está a destruir-se, tornou-se o devorador de si mesmo, sem a "vanguarda revolucionária" que Marx acaba de anunciar no Manifesto do Partido Comunista.

Não há nenhuma "luta de classe", não há nenhum "proletariado" que ocupa os meios de produção. Os únicos nas ruas são jovens que aderiram aos movimentos de origem duvidosa como Occupy Wall Street, por exemplo.

Temos que ter a humildade de aceitar uma derradeira simplicidade: estamos perante algo de novo, que foge dos conceitos da política clássica do XIX século.

Por isso, temos que assumir a ideia do processo de auto-destruição que já testemunhamos; a nossa tarefa, eventualmente, pode ser aquela de pôr em salvo os valores da cultura que precedeu o neo-liberalismo, e que Wallerstein não reivindicar.

Povos e classes dominantes

Wallerstein usa o sistema do garfo para explicar o fim do capitalismo e o nascimento dum novo sistema: as suas raízes encontram-se na impossibilidade de continuar o princípio básico do capitalismo, ou seja, a acumulação de capital que tem funcionado maravilhosamente ao longo de 500 anos.
Segundo o sociólogo, era um sistema que teve um estrondoso sucesso, mas que acabou por destruir a si mesmo porque a sua classe dominante e as elites políticas são incapazes de resolver o problema da insegurança na qual mergulhou.

Interessante esta visão, típica não apenas de Wallerstein, porque aqui há o implícito reconhecimento da nossa real situação: o sociólogo não fala de "povos", mas de "classes dominantes e elites". Admite que as vontades das pessoas "normais" não têm alguns peso nos destinos da sociedade: quem escolhe e gere o sistema no qual vivemos são só alguns, a oligarquia.

Quando você chegar num cruzamento de estradas, isso significa que "em algum momento, uma estrada termina e entramos numa nova situação relativamente estável, termina a crise e estamos num novo sistema", diz o entrevistado.

Wallerstein alerta que a transição, aparentemente paralisada, entre a morte do Capitalismo e o nascimento dum novo sistema envolve riscos consideráveis, uma vez que destaca um sistema que entra em colapso com a ausência de perspectivas de mudança a curto prazo.

Uma situação clara na realidade geopolítica: os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e também África do Sul em perspectiva), apesar do enorme potencial e prestígio, revelaram-se inúteis e impotentes para quebrar a moribunda ordem unipolar dos Estados Unidos, que continua a espalhar o caos financeiro.

Quando o sistema for relativamente estável, o sistema tem a capacidade de auto-regulamentar-se e absorve, por assim dizer, as eventuais arestas. No entanto, quando o sistema está em crise e com quebras estruturais, o livre arbítrio e actos individuais tornam-se tão importante quanto nunca foram ao longo de meio milénio, tornam-se estrategicamente perigosos, porque tudo é imprevisível, excepto no curto prazo, como evidenciado pela incerteza científica.

Tudo isso leva à paralisia, evidente na economia quando os investidores já não têm confiança no mercado para investir o dinheiro.

99%

A economia, agora devorada pelos monstros financeiros, está paralisada porque resultou numa aporia, isso é, um insolúvel paradoxo de bloqueio mental, para não dizer que sucumbiu à demência quando a bancocracia Europeia e Transatlântica forçaram a Grécia a escolher o suicídio para ser resgatada financeiramente.

Os Gregos modernos, candidatos ao tratamento forçado (pior de que a morte súbita), simbolicamente representam 99 por cento da Humanidade que quer exterminar o um por cento da plutocracia global, como já foi dito repetidas vezes pelos indignados de Wall Street.

Mas não é tão grave, afirma Wallerstein: num período de aridez de pensamento, na política (quase defunta) e na filosofia (defunta), provocada pela globalização sem regras que esclerotisou os cérebros, precisamos resgatar os poucos pensadores que eventualmente sobreviveram ao naufrágio do intelecto, aquele naufrágio que já infectou as mentes ocidentais.

Eu tenho dúvidas acerca desta afirmação: melhor salvar os últimos ou tentar encontrar os novos?

O Fim do Capitalismo

Sobre a crise do Capitalismo: de acordo com Wallerstein, esta é a crise final e a batalha que está a ocorrer não afecta o destino do próprio Capitalismo, mas o que irá substituí-lo: "O capitalismo moderno chegou ao final de sua carreira. Afirma o sociólogo:
Ele não pode sobreviver como um sistema. O que estamos a ver é a crise estrutural do sistema. A crise estrutural, que começou na década de 70 do século XX e as suas lamentações prolongadas por anos, dez, vinte ou quarenta anos.
Não é uma crise que possa ser resolvida num ano ou num instante. Esta é a maior crise na História. Estamos na transição para um novo sistema e a verdadeira luta política não é na projectação dum novo curso do Capitalismo, mas no sistema que irá substituí-lo.
Um sistema, segundo Wallerstein, que deverá ser relativamente mais democrático e igualitário:
Nunca estivemos numa tal situação no curso da História mundial, mas é possível. A outra perspectiva é a de manter o sistema de exploração, injusto porque polariza a desigualdade. O novo sistema pode não ser o Capitalismo. O Capitalismo é o que nós vemos cair. Mas existem alternativas piores dentro do próprio Capitalismo.

Dúvidas

Eu acho que o pensamento de Wallerstein tem alguns pontos notáveis e outros bastante fracos.
De facto, estamos perante um pensador "de topo" que assume o fim do actual sistema, o Capitalismo, o que por si é facto importante. A análise técnica não e criticável.

Há alguns passos um bocado "ingénuos", como quando afirma estarmos perante da "maior crise da História", Seria interessante poder ouvir o pensamento dum cidadão que viveu a queda do Império Romano, só para fazer um exemplo.

E positivo é o facto de recusar uma marcha atrás, em direcção dum Marxismo que já deu tudo o que tinha para dar. Não podemos esquecer que o Marxismo nasceu como contraposição ao sistema capitalismo: lógico que, com a queda do segundo, também o primeiro fique ultrapassado.

Todavia há uma contradição: Wallerstein reconhece a existência duma elite que geriu o sistema ao longo de 500 anos. Mas o mesmo sociólogo não cita quais poderiam ser a futuras escolhas desta mesma elite.

Temos de assumir que a classe dominante possa ficar atropelada pela ruína do sistema que geriu? Tão simples como isso? Ou, pelo contrário, não será que as elites, conscientes da condição de irremediável fraqueza do actual sistema, prefiram organizar já o que será amanhã?

E teremos uma passagens directa, embora lenta, dum sistema para outro ou haverá sistemas intercalares?
E o papel dos povos? Bem faz Wallerstein a não considerar em demasia os povos, pois até agora o papel deles foi secundário: mas hoje falamos de 7 biliões de pessoas.
E se é verdade que o número neste caso não reflecte o real poder, podemos excluir a priori um "estremecimento" do tal "99%" farto do "1%"?

Talvez não, talvez não podemos esperar nada disso. E a actual letargia parece o sintoma mais evidente.
Mas já abriu-se uma época dominada por grandes incertezas.

O velho mundo entrou na derradeira fase de decadência.
E no horizonte ainda não se vislumbra nada de novo.  


Ipse dixit.

Fonte: Voltairenet
*InformaçãoIncorreta

Charge do Dia

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Cidade do México hoje é a
SP de amanhã. Uma obra prima tucana

Mercado de la Merced, cidade do México (foto de Geórgia Pinheiro)

O ansioso blogueiro pega um táxi no Zócalo, a monumental praça central da cidade do México.

Tinha acabado de rever os murais de Diego Rivera, no Palácio Nacional, e pretendia conhecer o Mercado de la Merced, que fica a uns 5 quilômetros dali.

Pegou o táxi de Sanchez Castro Primitivo, que trabalha 12 horas por dia e se reveza com Martin Cruz Angeles.

Era sábado, às 13h30.

Gastou 55 minutos para percorrer os 5 quilômetros, sem qualquer acidente nas ruas.

Algo anormal ?, perguntei.

- Normal. Assim é, sempre, respondeu Sanchez, impassível.

Um calor infernal.

E ele nem suar suava.

O trânsito caótico.

Não existe mão ou contra-mão no centro velho da Cidade do México.

É a lei do mais forte.

Ou destemido.

Sanchez diz que passa entre três ou quatro horas por dia trancado no trânsito.

O problema maior é o engarrafamento provocado por ambulantes que estreitam as ruas.

Ouvi de outro motorista que, para ele, o que distingue um candidato a Presidente de outro – a eleição é ano que vem – é ser mais ou menos condescendente com o comércio ambulante.

O litro da gasolina corresponde a R$ 2.

Só que a gasolina sobe todo mês, de forma quase imperceptível: centavo a centavo.

A PEMEX tem o monopólio total sobre o petróleo e a distribuição.

Mas, Sanchez me explica que há alguns anos está em curso o que ele chama de “estratégia diabólica, super diabólica”.

Consiste em fatiar a PEMEX em pequenos pedaços, tirar a musculatura dela.

E não deixar o Estado – que Sanchez chama de “nós, os mexicanos” – nem empresários mexicanos investirem em petróleo, petroquímica, fertilizantes ou distribuição.

Aos poucos, diz Sanchez, a PEMEX “dos mexicanos” fica do tamanho de uma cebola.

E a outra, “de los gringos”, floresce.

(Pensei com meus botões: não era essa a “estratégia diabólica” para transformar a Petrobrax numa cebola ?)

(Não foi o Fernando Henrique quem quase entregou toda a indústria petroquímica à Odebrecht, financiada pela Petrobrax, a Petrobrecht  ?)

(Com o Cerra seria mais simples: entregava logo o pré-sal à Chevron.)

Nas ruas, carros novíssimos e velhíssimos.

A certa altura parece que você está em Havana, entre modelos GM de 1950.

E carros que estalam de novos, reluzentes, montados nas maquiladoras, a prestações de perder de vista.

Tudo empacotado entre barracas que vendem de tudo: vestido de noiva, sorvete, pimenta de variadas espécies e flores para el dia de los muertos.

Só que a cidade do México tem uma diferença crucial em relação a São Paulo: o transporte público.

A passagem do metrô corresponde a R$ 0,50.

Há onze linhas de metrô e a décima segunda está em construção.

São Paulo tem quatro linhas que correm sobre um mar de suspeitas de corrupção.

(O Ministério Público tem sérias duvidas sobre a probidade do presidente do metrô de São Paulo.)

E São Paulo constrói um quilômetro de metrô por ano.

A cidade do México ainda tem um metrô de superfície.

Imagine o que seria a cidade do México sem um sistema de transporte público !

O cidadão paulistano gasta de duas a duas horas e meia por dia para chegar e voltar do trabalho.

Uma espécie de “Escravidão Neolibelês (*)”.

O ansioso blogueiro chega finalmente ao Mercado de la Merced.

Inacreditável !

Impossível passar entre as ruelas.

Cada barraca anuncia seus produtos aos gritos.

Além do sistema de som do Mercado, que opera tão alto quanto num forró.  

La Merced é, digamos, cem vezes a rua 25 de março em São Paulo.

Mil vezes o Saara, no Rio.

Não tem comparação.

(E se houver um incêndio aqui dentro, como se escapa ?)

O ansioso blogueiro procurou a área de comedores, de restaurantes, vivamente recomendada pelo caderno “Paladar”, do Estadão.

Como tudo o que o Estadão recomenda, não é bem assim.

Quem manda ler o Estadão.

Se mente sobre o Brasil, imagine, amigo navegante, sobre o México !

A cidade do México, hoje, é o que a cidade de São Paulo será em breve.

Com um obstáculo adicional: a cidade do México tem transporte público e São Paulo, uma obra-prima malúfica-tucana, não tem.

Mario Vargas Llosa chamou o reinado do Partido Revolucionário Institucional, que ficou 70 anos no poder no México, de “a ditadura perfeita”.

É São Paulo, nos últimos 17 anos: uma ditadura perfeita.

Cinco quilômetros em 55 minutos !

Clique aqui para ler “O que o FHC queria para o Brasil: a ALCA. Você me dá a sua soberania e em troca eu compro a tua cocaína”.


Paulo Henrique Amorim



Mercado de la Merced (fotos de Geórgia Pinheiro)









(*) “Neolibelê” é uma singela homenagem deste ansioso blogueiro aos neoliberais brasileiros. Ao mesmo tempo, um reconhecimento sincero ao papel que a “Libelu” trotskista desempenhou na formação de quadros conservadores (e golpistas) de inigualável tenacidade. A Urubóloga Miriam Leitão é o maior expoente brasileiro da Teologia Neolibelê.
*PHA

Saúde, educação, cultura e outra lição de Cuba, o esporte

Sanguessugado do Solidários
Max Altman
Encerrados os Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, os resultados dos cinco primeiros países colocados exibem o seguinte:
EUA     92 de ouro,  79 de prata, 65 de bronze, total 236
Cuba      58 de ouro,  35 de prata, 43 de bronze, total 136
Brasil         48 de ouro,  35 de prata, 58 de bronze, total 141 
México      42 de ouro,  41 de prata, 50 de bronze, total 133
Canadá     30 de ouro,  40 de prata, 49 de bronze, total 119
Cumpre inicialmente ressaltar que a ODEPA – Organização Desportiva Panamericana - inflou a competição, sabe-se lá por que razão, com esportes praticados por poucos países e dentro desses países por pouca gente, geralmente endinheirada, e, fundamentalmente, esportes de pouca ou nenhuma tradição olímpica, mas que garantem preciosas medalhas: badminton, squash, boliche, raquetebol, softbol, pelota basca, karatê, boxe feminino, esqui aquático, patinagem, ciclismo de montanha, ciclismo BMX, vela I 24, vela laser radial, vela RSX feminino, vela RSX masculino, vela sunfish, ginástica de trampolim, rugby. Para se ter uma idéia, o México, país anfitrião, de suas 42 medalhas de ouro, uma terça parte foi assegurada por esses esportes: 4 no squash, 5 no raquetebol, 5 na pelota basca.

A cobertura da nossa imprensa escrita e televisionada foi basicamente distorcida em relação à essência dos resultados e patrioteira ao ressaltar apenas as medalhas de ouro dos atletas brasileiros sem atentar para a análise da qualidade do desempenho. A cobertura da TV Record, que deteve os direitos de transmissão, pecou pelos mesmos motivos, embora diante das evidências das imagens tivesse que esboçar críticas e observações com algum critério técnico.
À parte os Estados Unidos, grande e tradicional potência desportiva e olímpica, que de resto não enviou a Guadalajara seus principais atletas, a grande vencedora foi a equipe de Cuba. Muitos mais uma vez se perguntam como um país de apenas 11,2 milhões de habitantes, com parcos recursos econômicos, bloqueado há mais de 50 anos pelo poderoso vizinho do norte, consegue tão destacadas resultados essencialmente nas modalidades tradicionalmente olímpicas nas quais concentra seus esforços.
Em primeiro lugar, a educação física é realmente um direito do povo e maciçamente praticada em Cuba. Dezenas de milhares de treinadores observam e peneiram na prática diária dos exercícios físicos na rede de ensino básico, médio e universidades crianças e jovens com talento para a prática deste ou daquele esporte. Levam-nos posteriormente para a iniciação e formação numa dada modalidade. Observados, os melhores são conduzidos para os centros de alto rendimento onde são burilados, recebem treinamento específico e são cercados de atenção adequada.
Outro aspecto a destacar é que absolutamente todos os atletas se preparam e se exercitam no próprio território cubano com treinadores, técnicos, professores de educação física, fisioterapeutas, médicos desportivos, árbitros, nutricionistas, massagistas, administradores desportivos e chefias cubanos. Cuba chega até a exportar técnicos para outros países, como é o caso do próprio Brasil. Não há um único atleta nascido em Cuba, que treine e more no exterior, sob os cuidados de técnicos estrangeiros e membro de equipes locais. Todo e qualquer resultado atlético, positivo ou não, é fruto autenticamente cubano dos esforços da própria nação, nunca de um isolado talento individual ou de esforços individuais.
Para se ter uma idéia estatística do valor da performance cubana, deixando de lado os Estados Unidos que não levaram sua principal força, comparemos os resultados do segundo, terceiro e quarto colocados em relação à população e ao poderio econômico. Cuba tem 11,2 milhões de habitantes e 70 bilhões de dólares de PIB; Brasil, 193 milhões e 1,7 trilhão; México, 112 milhões e 900 bilhões. Desse modo, cada medalha dourada de Cuba corresponde a 193 mil habitantes e 1,2 bilhões de dólares; Brasil a 4,021 milhões de habitantes e 35,4 bilhões de dólares; México a 2,660 milhões de habitantes e 21,4 bilhões de dólares. 
Finalmente, dois comentários mais sobre o boxe e o atletismo, duas modalidades olímpicas tradicionais. Quando no Pan do Rio em 2007, os boxeadores Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara desertaram de sua equipe, atraídos pelos acenos pecuniários de empresários alemães, a grande mídia brasileira exultou. As manchetes estampavam: pugilistas fogem para a liberdade. Localizados, foram deportados para Cuba. Os meios de comunicação locais estrebucharam: os boxeadores foram devolvidos pelo governo brasileiro para serem vítimas da vingança dos Castro. Pouco tempo depois, Rigondeaux e Lara saíram normalmente de Cuba e foram para Miami em busca de riqueza e glória. Hoje lutam muito pouco. Dependem de inescrupulosos empresários. A fama e o dinheiro se esvaem. Mais adiante, com o passar do tempo, quando não mais puderem lutar, serão jogados fora como laranjas chupadas. Teófilo Stevenson e Félix Savón, tricampeões olímpicos de boxe, jamais abandonaram suas equipes nem o seu país, apesar dos milionários convites para se profissionalizar. Quando encerraram a carreira, passaram a treinar e formar novos campeões. Têm a admiração e a amizade dos seus pupilos e do povo de seu país. Em Guadalajara, com equipe totalmente renovada e muito jovem, o boxe cubano de 10 categorias disputadas participou de nove – não levou o super-pesado. Ganhou 8 medalhas de ouro e só perdeu uma luta, a de mosca.
Quanto ao atletismo, o esporte olímpico por excelência, o único que pode ostentar o dístico “citius, altius, fortius’ – mais rápido, mais alto, mais forte – em que raramente um só atleta consegue levar mais de duas medalhas, jamais, 5, 6 ou 7, Cuba de 47 provas disputadas conquistou 19 medalhas de ouro e o Brasil, 10. Ainda que se leve em conta que os Estados Unidos não mandaram sua equipe principal nem a Jamaica seus extraordinários velocistas, os atletas cubanos realizaram em 7 provas marcas que os colocariam no pódio olímpico: vara feminino com Yarisley Silva; 400 com barreiras com Omar Cisneros; vara masculino com Lázaro Borges; dardo masculino com Guillermo Martinez; 110 c/barreiras com Dayron Robles; martelo feminino com Yipsi Moreno e disco feminino com Yarelis Barrios.
Se o Brasil, país de população jovem, seguir a lição de Cuba: massificação da prática desportiva nas escolas de todos os graus, construção de instalações adequadas nos colégios e universidades, formação de milhares de profissionais do esporte com a missão básica de buscar e peneirar talentos, para mais tarde formá-los e burilá-los em centros de treinamento de alto rendimento, certamente será também uma potência olímpica e das mais poderosas.
Max Altman
*GilsonSampaio

Quem não é o maior pode ser o melhor?


Lendo um artigo de Fidel Castro, publicado hoje, saudando os atletas de Cuba e comparando os resultados da delegação cubana aos das de outros países, lembrei-me da discussão – que reproduzimos aqui – entre o escritor Fernando Morais e o jornalista Fernando Mitre, Band – sobre a mortalidade infantil em Cuba.
Aí, resolvi fazer uma conta original, segundo aquele raciocínio, e calcular o número de medalhas obtidas por cada país dividido pelo número de habitantes, em mlhões.
Veja, aí no gráfico, que conta curiosa e impressionante.
Mesmo sabendo que resultado esportivo não tem uma ligação mecânica com o tamanho da população – senão, a China levava tudo nas Olimpíadas – é claro que quanto maior a quantidade, mais se encontrará qualidade.
Essa comparação mostra que nós podemos, com um pouco mais de esforço, chegar bem alto nas Olimpíadas de 2016.
E que os detratores dos avanços sociais alcançados pela ilha caribenha não passam sequer pelas eliminatórias.
*Tijolaço

segunda-feira, outubro 31, 2011

EUA castigam Unesco por aceitar palestinos

 

Deu agorinha na Reuters:
EUA cortam financiamento da Unesco após aprovação aos palestinos
Os Estados Unidos informaram nesta segunda-feira que interromperam seu financiamento para a Unesco, agência cultural da Organização das Nações Unidas, após a aprovação dos palestinos como novo membro pleno da entidade.
A porta-voz do Departamento de Estado norte-americano Victoria Nuland disse a repórteres que os EUA não tinham escolha a não ser suspender os financiamentos por causa da lei norte-americana, dizendo que Washington não faria a transferência de 60 milhões de dólares planejada para novembro.
A Unesco é a primeira entidade da ONU à qual os palestinos buscaram adesão como membro pleno desde que o presidente Mahmoud Abbas fez o pedido à ONU para ser um Estado-membro completo da organização, em 23 de setembro.
Estados Unidos, Canadá e Alemanha votaram contra o pedido dos palestinos na Unesco. Brasil, Rússia, China, Índia, África do Sul e França votaram a favor. A Grã-Bretanha se absteve da votação.
É inacreditável que a comunidade internacional tenha que conviver com isso. Um país que se diz campeão das liberdades castigar programas internacionais de educação por conta de suas alianças políticas de natureza discriminatória.
Mas contra isso, infelizmente, não haverá reações indignadas.



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Comissão da Verdade. Por que tanto medo dela?

Ontem, o jornal O Tempo, de Belo Horizonte, publicou entrevista que concedi sobre a Comissão da Verdade. Transcrevo abaixo  as perguntas do repórter Telmo Fadul, da sucursal de Brasília – a quem agradeço o interesse  e o trabalho – e as minhas respostas.

“A verdade nos libertará”

“O parlamentar parte do versículo do Evangelho para exaltar a Comissão da Verdade, cujo projeto foi apreciado em caráter de urgência graças a um requerimento dele. Brizola defende o papel conciliatório do grupo e ressalta que julgamento é papel exclusivo da Justiça.”

Como o senhor avalia o texto final do projeto de lei que institui a Comissão da Verdade?
Antes de mais nada, como uma vitória para a democracia e para a história brasileira. Fiz a minha parte na Câmara dos Deputados, com o pedido de urgência para a instalação da Comissão da Verdade. Preferia o texto original, enviado por Lula, mas não creio que as emendas apresentadas pelo DEM e pelo PSDB serão um problema. O mais importante é que se levante, apure e comprove os fatos que este país tem o direito de conhecer, enquanto estão aqui as testemunhas que podem ajudar a desvendá-los.
Quais os reais objetivos da Comissão?
O objetivo está no seu nome: a verdade. Trazer à tona o que aconteceu de fato, as violações de direitos humanos que foram empurradas para baixo do tapete. Esconder a verdade é uma forma de permitir que coisas que, continuando desconhecidas, possam se repetir.
Por isso é importante a revelação da história nacional?
Sim. Porque a história é a estrada que conduz um povo, uma nação. É o caminho por onde viemos, que nos ensina a caminhar para onde queremos ir. Quem não sabe de onde veio, não sabe onde pode chegar. Queremos chegar à verdade e por ela seguimos os conselhos dos versos de Thiago de Melo: “quem sabe onde quer chegar escolhe. O caminho certo e o jeito de caminhar”.
Pelo texto, a Comissão da Verdade não terá um caráter persecutório. O que significa isso?
Eu acho que essa obsessão de, antes de saber o que se passou, querer garantir que nada do que foi feito terá consequências, me parece coisa de quem está preocupado que se revelem as atrocidades que foram cometidas. Uma comissão do Executivo, nem que o quisesse, poderia ter papel judicante. Se caberão ou não ações do Ministério Público ou do Judiciário, é decisão que não cabe nem à comissão, nem ao Legislativo ou ao Poder Executivo. Pelo projeto, a comissão terá o papel de esclarecer os fatos, trazer a verdade para as famílias, para o povo brasileiro. Mas temos uma democracia e, na democracia, o Ministério Público e as pessoas são livres para entrar na Justiça, não é? A menos que se pretenda revogar a democracia, ninguém pode deixar qualquer fato fora do exame judicial, mesmo que esse seja, como já se manifestou, contrário à punibilidade.
Quer dizer que a Comissão poderá ensejar ações na Justiça contra aqueles que praticaram crimes durante a ditadura?
Não é a comissão que pode ensejar ações judiciais, são os fatos. Diz a nossa Constituição – e o próprio fundamento do Estado de Direito – que nada está imune ao exame do Poder Judiciário, mesmo que este, adiante, possa reconhecer que não lhe caiba apreciar. Quem tem que definir se aqueles crimes – que o Brasil, por acordos internacionais, considera imprescritíveis – estão fora do alcance da lei penal é a Justiça, ninguém mais. Até porque admitir que se possa decidir que tal ou qual fato não pode ser questionado judicialmente é um pensamento autoritário.
O senhor acredita que a Comissão poderá desempenhar um bom trabalho?
Sim, embora vá exigir muito de seus integrantes e dos que lhe devem cooperação. É uma corrida contra o tempo. Será preciso resgatar as memórias ainda vivas que não podem continuar a desaparecer com os que as guardam. A Comissão da Verdade poderá requisitar documentos e depoimentos, e fazer, mesmo com 30 anos de desvantagem, com que os fatos sejam esclarecidos.
Não poderá haver reações dos militares?
Não acredito. Os militares brasileiros estão permeados do senso democrático que faltou naqueles momentos de 1964. O povo brasileiro sempre teve uma imensa admiração por nossas Forças Armadas. Foram elas que nos deram a República. Foram elas que verteram seu sangue combatendo as atrocidades do nazifascismo nos campos da Itália, como é, aliás, símbolo o Brigadeiro Ruy Moreira Lima, herói da FAB e um dos injustiçados pelas cassações. Ao contrário, creio que será benéfico aos militares, pois os fantasmas do passado devem ser exorcizados para irem, finalmente, para longe das nossas vidas. Eu sou adepto do sentido contido na frase bíblica: “a verdade nos libertará”.
Com a Comissão da Verdade, estará feita, enfim, a conciliação nacional?
Só pode haver entendimento se houver sinceridade e conhecimento dos fatos. Não pode haver, seja numa sociedade, seja mesmo em relações pessoais, conciliação baseada em segredos, em tabus, em mentiras. O Brasil é um país maduro, tem uma vida institucional que não precisa temer essas sombras. Vamos lançar luz sobre os fatos, iluminar os porões da história. Estamos na era da comunicação instantânea, do debate, do conhecimento. Não mais, graças a Deus, na da censura, do obscurantismo, do “sabe com quem você está falando”. Somos todos cidadãos e a cidadania é um direito pleno ou não existe.
*Tijolaço

La nave va…para o abismo

Paulo Moreira Leite

Quem imaginou que as coisas começarim a se acertar depois que a União Européia anunciou um calote de 50% nos papéis da divida da Grécia já teve um primeiro choque de realidade.

A situação da Itália voltou a piorar. Para financiar-se, a terceira economia do Continente voltou a pagar juros mais altos. Isso coloca o país mais perto do precipício.

A decepção só impressiona pela rapidez mas não é uma supresa. Os tubarões que costumam ser chamados de mercados são vorazes. Não respeitam países, nações nem direitos.

Enxergaram a fraqueza italiana e querem mais, até porque a Grécia já foi exaurida após sucessivos planos de austeridade que eles próprios montaram, inviabilizando qualquer recuperação num prazo visível.

Por trás da tragédia grega e do drama italiano encontra-se a irracionalidade dos mercados, que se alimenta da falencia política dos governos europeus. O Velho Mundo avista uma catástrofe cada vez mais medonha logo ali no horizonte, como aqueles passageiros enlouquecidos do filme de Fellini, La nave va…

Não estou sendo radical demais ao dizer que a busca irracional pelo lucro faz parte cultura da economia de mercado. Esse comportamento constrói e destroi riquezas.

Pode promover o progresso social mas também pode dizimá-lo. É isso que ocorre na Europa, hoje.

Os bancos mantém-se à espreita. Gerentes da riqueza social, acumulada pelas empresas, pelos trabalhadores, pelas famílias, não emprestam para ninguém. Não estimulam o consumo, nem o crescimento, nem a criação de empregos. Chegam ao máximo de pedir dinheiro emprestado para o Brasil, para a China. Mas não colocam a mão no próprio bolso. Dá vontade de responder com palavrões, concorda?

Atuam como aves rapina: enxergam uma oportunidade de lucro e aterrisam para apanhá-la. Em seguida, voltam para seu ninho para repartir ganhos exclusivos.

O protesto das ruas européias mostra que a população não pretende assistir o espetáculo de braços cruzados. É sua riqueza que está em jogo, seu patrimonio e seus direitos.

La nave va…mas está na cara que nem todos os passageiros estão conformados com seu destino.

*esquerdopata