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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, novembro 01, 2011

Cidade do México hoje é a
SP de amanhã. Uma obra prima tucana

Mercado de la Merced, cidade do México (foto de Geórgia Pinheiro)

O ansioso blogueiro pega um táxi no Zócalo, a monumental praça central da cidade do México.

Tinha acabado de rever os murais de Diego Rivera, no Palácio Nacional, e pretendia conhecer o Mercado de la Merced, que fica a uns 5 quilômetros dali.

Pegou o táxi de Sanchez Castro Primitivo, que trabalha 12 horas por dia e se reveza com Martin Cruz Angeles.

Era sábado, às 13h30.

Gastou 55 minutos para percorrer os 5 quilômetros, sem qualquer acidente nas ruas.

Algo anormal ?, perguntei.

- Normal. Assim é, sempre, respondeu Sanchez, impassível.

Um calor infernal.

E ele nem suar suava.

O trânsito caótico.

Não existe mão ou contra-mão no centro velho da Cidade do México.

É a lei do mais forte.

Ou destemido.

Sanchez diz que passa entre três ou quatro horas por dia trancado no trânsito.

O problema maior é o engarrafamento provocado por ambulantes que estreitam as ruas.

Ouvi de outro motorista que, para ele, o que distingue um candidato a Presidente de outro – a eleição é ano que vem – é ser mais ou menos condescendente com o comércio ambulante.

O litro da gasolina corresponde a R$ 2.

Só que a gasolina sobe todo mês, de forma quase imperceptível: centavo a centavo.

A PEMEX tem o monopólio total sobre o petróleo e a distribuição.

Mas, Sanchez me explica que há alguns anos está em curso o que ele chama de “estratégia diabólica, super diabólica”.

Consiste em fatiar a PEMEX em pequenos pedaços, tirar a musculatura dela.

E não deixar o Estado – que Sanchez chama de “nós, os mexicanos” – nem empresários mexicanos investirem em petróleo, petroquímica, fertilizantes ou distribuição.

Aos poucos, diz Sanchez, a PEMEX “dos mexicanos” fica do tamanho de uma cebola.

E a outra, “de los gringos”, floresce.

(Pensei com meus botões: não era essa a “estratégia diabólica” para transformar a Petrobrax numa cebola ?)

(Não foi o Fernando Henrique quem quase entregou toda a indústria petroquímica à Odebrecht, financiada pela Petrobrax, a Petrobrecht  ?)

(Com o Cerra seria mais simples: entregava logo o pré-sal à Chevron.)

Nas ruas, carros novíssimos e velhíssimos.

A certa altura parece que você está em Havana, entre modelos GM de 1950.

E carros que estalam de novos, reluzentes, montados nas maquiladoras, a prestações de perder de vista.

Tudo empacotado entre barracas que vendem de tudo: vestido de noiva, sorvete, pimenta de variadas espécies e flores para el dia de los muertos.

Só que a cidade do México tem uma diferença crucial em relação a São Paulo: o transporte público.

A passagem do metrô corresponde a R$ 0,50.

Há onze linhas de metrô e a décima segunda está em construção.

São Paulo tem quatro linhas que correm sobre um mar de suspeitas de corrupção.

(O Ministério Público tem sérias duvidas sobre a probidade do presidente do metrô de São Paulo.)

E São Paulo constrói um quilômetro de metrô por ano.

A cidade do México ainda tem um metrô de superfície.

Imagine o que seria a cidade do México sem um sistema de transporte público !

O cidadão paulistano gasta de duas a duas horas e meia por dia para chegar e voltar do trabalho.

Uma espécie de “Escravidão Neolibelês (*)”.

O ansioso blogueiro chega finalmente ao Mercado de la Merced.

Inacreditável !

Impossível passar entre as ruelas.

Cada barraca anuncia seus produtos aos gritos.

Além do sistema de som do Mercado, que opera tão alto quanto num forró.  

La Merced é, digamos, cem vezes a rua 25 de março em São Paulo.

Mil vezes o Saara, no Rio.

Não tem comparação.

(E se houver um incêndio aqui dentro, como se escapa ?)

O ansioso blogueiro procurou a área de comedores, de restaurantes, vivamente recomendada pelo caderno “Paladar”, do Estadão.

Como tudo o que o Estadão recomenda, não é bem assim.

Quem manda ler o Estadão.

Se mente sobre o Brasil, imagine, amigo navegante, sobre o México !

A cidade do México, hoje, é o que a cidade de São Paulo será em breve.

Com um obstáculo adicional: a cidade do México tem transporte público e São Paulo, uma obra-prima malúfica-tucana, não tem.

Mario Vargas Llosa chamou o reinado do Partido Revolucionário Institucional, que ficou 70 anos no poder no México, de “a ditadura perfeita”.

É São Paulo, nos últimos 17 anos: uma ditadura perfeita.

Cinco quilômetros em 55 minutos !

Clique aqui para ler “O que o FHC queria para o Brasil: a ALCA. Você me dá a sua soberania e em troca eu compro a tua cocaína”.


Paulo Henrique Amorim



Mercado de la Merced (fotos de Geórgia Pinheiro)









(*) “Neolibelê” é uma singela homenagem deste ansioso blogueiro aos neoliberais brasileiros. Ao mesmo tempo, um reconhecimento sincero ao papel que a “Libelu” trotskista desempenhou na formação de quadros conservadores (e golpistas) de inigualável tenacidade. A Urubóloga Miriam Leitão é o maior expoente brasileiro da Teologia Neolibelê.
*PHA

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