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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, novembro 24, 2011

O MOVIMENTO ESTUDANTIL E AS LIÇÕES DA HISTÓRIA

Dialogando com estudantes da USP -- não chegaria ao ponto de dizer que ministrei uma  aula pública, conforme eles anunciaram --, reparei em como estavam ansiosos para discutir sua condição atual, de revoltados com a permanência no campus da tropa invasora, depredadora  e provocadora da Polícia Militar, bem como com a extrema tendenciosidade da mídia.

Acompanharam até com interesse minha explanação sobre episódios semelhantes do passado. Surpreenderam-se ao saber que no mítico 1968 a grande imprensa atuava com idêntica parcialidade e o engajamento no movimento estudantil se restringia quase que exclusivamente aos alunos de Humanas, enquanto os de Exatas e Biológicas oscilavam entre a omissão e a hostilização. Tudo como dantes no quartel de Abrantes.

Mas, queriam ser protagonistas, falar sobre o que estão fazendo e sofrendo, de preferência a reflexões mais amplas a respeito da permanência do passado no presente.

Lembrei-me de uma extraordinária criação coletiva do Teatro Oficina, Gracias, Senhor (1972), que tinha esta como uma das suas muitas falas marcante: 
"Cada geração tem, num curto espaço de tempo e dentro de uma relativa escuridão, de descobrir sua missão, cumpri-la ou traí-la".
Eu acrescentaria que, embora as lições do passado sejam pertinentes e possam ajudá-las a entender tal missão, as novas gerações parecem estar condenadas a sempre repetirem o aprendizado, com seus acertos e erros.

A regra, claro, tem lá suas exceções.

E eu era uma: quando dava meus primeiros passos nas lutas sociais, procurava avidamente extrair dos veteranos o conhecimento que haviam acumulado ao longo dos vários momentos históricos; interessavam-me os paralelos entre a ditadura getulista e a dos generais, p. ex.

Boa parte do que obtive com estas testemunhas oculares da História ficou registrada no meu livro Náufrago da Utopia. Memória não morrerá.

Agora, a internet traz a mim jovens genuinamente interessados em saber como era o Brasil dos anos de chumbo -- e também muitos que apenas querem colher meia dúzia de frases para seus trabalhos escolares. Dentro das minhas possibilidades, atendo a ambos com a mesma cortesia.

Mas, fico sempre matutando com meus botões: será que os novos recrutas aprenderão o que precisam saber com a rapidez necessária? Poucos parecem dar-se conta de quanto o mundo sofrerá nas próximas décadas em função dos descalabros capitalistas.

Um dos motivos (menores) de nossas desventuras nos  anos de chumbo  foi termos demorado demais para optar pelo caminho que acabaria se demonstrando o único possível nas circunstâncias.

Falamos em guerrilha e luta armada ao longo do ano de 1968 inteiro, mas só levamos a teoria à prática quando nada mais restou para fazermos, a partir do fechamento total do regime.

Mesmo assim, surpreendemos o inimigo em 1969 e lhe encaixamos alguns golpes certeiros.

Quando a ditadura se capacitou para o combate à guerrilha urbana -- lições de tortura ministradas pelos mestres estadunidenses inclusas --, ficamos com a impressão de que desperdiçáramos um tempo precioso com discussões políticas bizantinas.

Mas, claro, a razão maior de nossa derrota foi a terrível desigualdade de forças. Poderíamos, provavelmente, ter obtido mais alguns êxitos; não havia, contudo, como ganharmos a guerra.
*Naufrtagodautopia

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