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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, novembro 23, 2011

NOVO COMANDANTE DA ROTA É RÉU DO MASSACRE DO CARANDIRU

A Folha de S. Paulo noticia, com estardalhaço, que Novo chefe da Rota atuou em massacre do Carandiru.

Segundo o jornal, o tenente-coronel Salvador Modesto Madia é um dos 116 acusados de exterminarem 111 detentos da Casa de Detenção, em 1992. A ilação óbvia: o governador Geraldo Alckmin teria colocado à frente da unidade mais truculenta da Polícia Militar paulista, frequentemente acusada de responsável por mortes desnecessárias (Rota 66 e tantas outras), um comandante assassino.

É bem provável que, desta vez, a Folha esteja certa; afinal, Madia "integrava um grupo de PMs que entrou no segundo andar do rebelado pavilhão 9, onde 78 presos foram mortos".

Mesmo assim, é um péssimo hábito expor pessoas ao opróbrio midiático antes que tenham sido condenadas por um tribunal. Há sempre o risco de linchamento de inocentes -- moral ou mesmo físico, pois não faltam turbas dispostas a fazerem justiça pelas próprias mãos. O episódio da Escola Base parece não ter ensinado nada a ninguém.

Diz Madia que as mortes foram "resultado do confronto entre detentos e policiais" e alega cumprimento de dever.

Eu trabalhava em 1992 na Coordenadoria de Imprensa do Palácio dos Bandeirantes e cheguei a conversar com oficiais envolvidos. No papo informal, eles confessavam que a situação fugira do seu controle e, nem que quisessem, conseguiriam conter a sanha assassina dos seus comandados.

É o que ocorre frequentemente nas guerras: há momentos nas quais a tropa é tomada por tal furor homicida que os oficiais correm risco de vida se tentarem evitar a matança.

Algum tentou, no Carandiru? Aparentemente, não.

O certo é que o julgamento de policiais militares acusados pelo  massacre do Carandiru  jamais deveria tardar quase duas décadas; e eles jamais deveriam estar exercendo funções que possibilitem a execução sumária de suspeitos.

Nem, como é o caso de Madia, de ordenar ou fechar os olhos à execução sumária de suspeitos.

Numa nação civilizada, a Justiça seria rápida e eles ficariam restritos a atividades burocráticas nesse meio tempo.

Como o Brasil não é um país sério (a frase atribuída a De Gaulle cai como uma luva), a lengalenga provavelmente se prolongará até a prescrição.

E o maior responsável jamais será julgado: foi o governador Luiz Antonio Fleury Filho quem ordenou a invasão, contra a opinião das autoridades da área.

Depois, o secretário de Segurança Pública Pedro Franco assumiu a culpa (por lealdade ou qualquer outro motivo...), isentando o amigo de longa data, que pôde continuar governando e descendo a ladeira como político, até a irrelevância atual.

Bastaria cortar-se água, luz e entrada de alimentos que a revolta definharia. Foi o que propuseram os especialistas no assunto. Mas, o governador que havia sido promotor fazia questão de mostrar seu muque. Deu no que deu.

Mais do que pessoas, urge extirpar-se da PM e da Rota a tradição de truculência que remonta aos tempos nefandos da ditadura militar.

A segunda até ontem ostentava orgulhosamente na sua página virtual a informação de que ajudara a derrubar um presidente constitucional, sendo obrigada a retirá-la, sob vara, pela ministra dos Direitos Humanos Maria do Rosário.

E a PM está protagonizando as mais grosseiras intimidações e provocações na USP -- novamente, como no  massacre do Carandiru, por culpa de quem a colocou onde nunca deveria estar.

Se queres um monumento à Rota, olha o bordão do comandante que acaba de aposentar-se, Paulo Telhada: "ladrão bom é ladrão morto".

A redemocratização deixou muito a desejar no Brasil.
*NaufragodaUtopia

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