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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, novembro 28, 2011

Um mundo hipócrita e perigoso 

 

“… podemos concluir que o mundo parece haver ingressado naqueles tipos de hipocrisia e perigo que antecederam as duas grandes guerras mundiais”.
Wladimir Pomar
A situação mundial está se tornando cada vez mais hipócrita e perigosa. Os Estados Unidos, por exemplo, utilizam seu poder de emissão monetária para desvalorizar artificialmente sua moeda e dar maior competitividade aos produtos de suas indústrias. Ao mesmo tempo, sem pudor algum, exigem que a China e outros países valorizem suas moedas em relação ao dólar, insinuando a possibilidade de guerras comerciais e outros tipos de retaliação.
A OTAN destruiu toda a infra-estrutura da Líbia para garantir a vitória de seus aliados internos contra Kadafi, apesar das atrocidades que as forças desses aliados cometeram contra minorias étnicas e desafetos políticos. Agora, a OTAN saúda o novo governo provisório por estar implantando a democracia, sobre a qual não existem dados concretos, ao mesmo tempo em que oferece financiamentos para reconstruir o país que ela própria destruiu.
A Liga Árabe decidiu punir a Síria pela repressão militar contra os opositores ao governo e pela falta de democracia no país. Mas não deixa de ser uma demonstração de desfaçatez que reis, emires e potentados de países árabes, aliados dos Estados Unidos e de países europeus, defendam a democracia na Síria, ao mesmo tempo em que mantêm seus próprios povos sob o tacão de ditaduras que não admitem sequer a existência de opositores.
Na mesma linha de pressões articuladas contra o governo sírio, os Estados Unidos e vários países europeus prometem novas medidas de retaliação, ao mesmo tempo em que nada diziam sobre o Iêmen, nem sobre as ações evasivas dos militares egípcios. A democracia e os direitos humanos se tornaram apenas armas ofensivas contra os desafetos, enquanto sequer devem ser mencionadas quando tratam de aliados, ou mesmo de situações internas. A proibição dos movimentos de “ocupação” nos Estados Unidos, a pretexto de que ameaçam a segurança nacional, é o exemplo mais recente da funcionalidade unilateral dessas bandeiras políticas.
Os Estados Unidos e Israel, por sua vez, continuam articulando medidas de retaliação contra o Irã, a pretexto de que esse país está se preparando para produzir a bomba atômica. A sabotagem contra instalações iranianas, provavelmente praticada pelo serviço secreto de Israel, o Mossad, segundo diferentes fontes de informação, mostra o grau de perigo a que tais medidas chegaram, colocando o mundo diante do imponderável.
A hipocrisia dos Estados Unidos e de Israel, no caso, é emblemática. Ambos não são contra a existência de armas atômicas, já que os dois as têm, embora Israel não diga nem que sim, nem que não. Ambos também não se propõem a um acordo mundial de proibição total dessas armas de destruição em massa, o que significaria o desmantelamento de seus arsenais atômicos, e também os da Rússia, China e França. Eles simplesmente são contra sua posse por outros países, em especial se tais países fazem parte dos inimigos declarados, como Irã e Coréia do Norte.
Se juntarmos a esses fatos a situação problemática da Palestina, o aprofundamento da crise econômica nos Estados Unidos e na zona do euro, o ressurgimento de movimentos neonazistas na Europa, a repressão contra os imigrantes nos países capitalistas em crise, as guerras inacabadas no Afeganistão e no Iraque, a persistência de ações terroristas, de fundamentalistas não só islâmicos, mas também de outras confissões religiosas, podemos concluir que o mundo parece haver ingressado naqueles tipos de hipocrisia e perigo que antecederam as duas grandes guerras mundiais.
É evidente que também há sinais crescentes de que os povos dos países desenvolvidos voltam a despertar e a lutar, inclusive nos Estados Unidos. O crescimento e o aprofundamento dessas lutas talvez sejam os principais antídotos para desmascarar a hipocrisia reinante e superar os perigos existentes. Embora no momento elas ainda estejam restritas à indignação contra os políticos e contra o sistema financeiro, essa ainda é a melhor escola de aprendizado.
Wladimir Pomar é escritor e analista político.

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