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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quinta-feira, novembro 24, 2011

Brasil:Privatização e militarização da USP

Texto dos professores Francisco Alambert,Francisco de Oliveira,Jorge Grespan,Lincoln Secco, Luiz Renato Martins e Marcos Soares analisa razões da militarização do campus da USP.
Privatização e militarização
As razões da militarização do campus da Universidade de São Paulo transcendem os limites e dados recentes a partir dos quais tem sido discutida. Por que não propor a mudança do teor ermo e rural do campus por sua urbanização efetiva, o aumento de cursos noturnos etc.?Em vez disso, a reitoria traz coturnos, controles e revistas, rasantes de helicópteros, que rasgam o pensamento e a escuta (que atenção resiste à rotação das hélices?), e bombas; logo virão cães… Insiste em ações de respostas e sequelas imprevisíveis. Já se tem os vultos cauta e justamente encapuzados dos nossos estudantes contra a reitoria ditatorial e policialesca.
Por que a insistência no trauma, na indignidade, no modo custoso e descabido? A verdade é que a militarização, ou terceirização da segurança, deriva da privatização em curso da USP.
Combina-se ao sucateamento, no campus, do hospital, da moradia estudantil e do transporte, aos cursos pagos e escritórios externos. Com que fim? Recordemos.
O primeiro ato da gestão Serra foi criar a Secretaria de Ensino Superior, englobando as universidades estaduais e a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), com orçamento de grande estatal, superior ao de Estados.
O pacote privatista cindia pesquisa e ensino, sediava a pesquisa em ilhas, associando-a a empresas, substituía o ensino presencial por telecursos e submetia o todo a critérios empresariais.
Resultou em greves por todo o Estado, na primeira ocupação da reitoria da USP (maio-junho, 2007) e na demissão do secretário Pinotti.
O governo, porém, não desistiu. Passou a priorizar a liquidação do movimento que obstou o primeiro carro-chefe da campanha de Serra à Presidência. Fez a reitoria nomear um investigador de polícia como diretor de segurança da USP no final do ano de 2007.
Os furtos no campus seguiram, mas o alvo era outro: em 2008, a reitoria demitiu um dirigente sindical, apesar da imunidade constitucional do cargo, e implantou a estratégia de processos administrativos e penais seriais contra os sindicalistas e estudantes.
À rádio Bandeirantes, o reitor afirmou, em 2010, que a USP era como os “morros do Rio” e que requeria uma intervenção como a do Haiti. Hoje, cinco dirigentes sindicais encontram-se em vias de demissão, até por “crime de opinião”, e 25 estudantes, às portas da expulsão, com base em artigo que proíbe a difusão de ideias políticas no campus; com as prisões recentes dos 73, ascende a quase cem a lista dos estudantes perseguidos.
De fato, a USP, sem acesso universalizado — ao contrário de universidades públicas da Argentina e do México—, ainda não se pôs, como deve, a serviço da sociedade como um todo.
Está, no entanto, a sociedade ciente do processo em curso e disposta a prosseguir na dilapidação e cessão a grupos privados do enorme potencial da universidade?
O reitor Rodas acelera vertiginosamente a fratura social e política da USP. É preciso caminhar para uma estatuinte, sem o que não haverá concórdia e paz.
Os problemas da USP, inclusive os de malversação e de uso obscuro de bens, são em sua raiz políticos, e se reproduzem por um regimento herdado do autoritarismo, que fere toda ordem democrática.
Sua solução passa, como a do país, pelo sufrágio universal, pela abertura social, pela preservação da gratuidade, pela multiplicação de cursos noturnos e pelo incentivo a pesquisas em diálogo real com as necessidades nacionais.Francisco Alambert é professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP).
Francisco de Oliveira é professor emérito da FFLCH-USP.
Jorge Grespan é professor da FFLCH-USP.
Lincoln Secco é professor da FFLCH-USP.
Luiz Renato Martins é professor da Escola de Comunicações e Artes da USP.
Marcos Soares é professor da FFLCH-USP.

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