Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, novembro 25, 2011

Quem está na roda?


Brincadeira de roda

Roda de capoeira, roda de chimarrão, roda de samba, roda de ciranda, roda de caipiririnha, lual, dança na tribo e em alguns passos o círculo se forma. Nos jardins de infância, sentadas no chão em rodas, as crianças aprendem brincando. Algumas escolas usam as carteiras em forma de círculo para ensinar, com o professor no papel de interventor e mediador dos temas debatidos. Nas ruas, quando se vê muita gente reunida, a forma geométrica é uma roda. Aliás essa é uma das cenas mais comuns em nossas cidades. E todos sabem que quando há um círculo de pessoas, normalmente dois ou três estão trabalhando e vários outros em volta palpitando. E não raro desses palpites surgem as soluções. 

Rodas são cuidadosamente planejadas por especialistas de alto nível para rodarem movidas por um motor e seus dentes engancharem tão perfeitamente uns nos outros que o produto sai prontinho, são as engrenagens.

Mas há outras rodas. Há os círculos fechados que ao contrário das rodas de ciranda, de dança ou trabalho, não se abrem às novidades. Quem está neles está, quem não está, de fora fica.


O governo brasileiro tem me parecido um destes. Uma máquina que está com engrenagens gastas, muito por culpa de óleo de péssima qualidade que foi usado até bem pouco tempo, mas a roda principal, aquela por onde a polia move todo o resto, está com problemas. E com isso as outras estão rodando em falso. Algumas estão até paradas e o produto final está sendo comprometido.

A economia, com toda a crise internacional, está sofrendo muito pouco, é verdade. Ainda. Os programas sociais estão sendo tocados, o projeto que vem sendo desenvolvido desde 2003 está andando, a miséria diminuiu, os índices de analfabetismo baixaram, o desemprego é mínimo.  Enfim temos muitas razões para estar felizes. Por que não estamos, então?

Porque ao mesmo tempo em que as planilhas nos mostram uma realidade boa, estamos vendo algumas áreas fundamentais sendo deixadas ou - espero que seja distração e não projeto - postas propositadamente em segundo plano. A cultura é uma delas.

Por outro lado, várias pessoas que atuam e têm história de luta em áreas fundamentais em que o nosso país é rico, porém miserável em termos de suporte oficial para seu desenvolvimento e difusão,  reportam dificuldade em conversar com os representantes do governo, apresentar projetos que beneficiariam grupos marginalizados historicamente, aos quais devemos incluir como forma de beneficiar a todos.

Então talvez a resposta ao por que não estejamos mais felizes seja essa: criamos muitas expectativas, elegemos uma pessoa que durante anos esteve no comando da casa civil -  que portanto conhece todas as engrenagens do governo - e representa um partido que nasceu de bases sociais onde a democracia, a roda, era uma prática cotidiana. Assim, o que esperávamos era que a roda fosse aberta, que todos tivessem a sua vez de jogar. E o que temos é uma roda fechada, quase uma caixa preta.

A comunicação é falha, os projetos apresentados já vêm prontos e passaram pelo crivo de umas poucas mãos. O debate, o palpite que até na semeadura de um canteiro de horta é sempre bem vindo, está sendo negado.  Além de comprometer o produto final – o objetivo, quero crer é uma sociedade mais igualitária, pois não? – está sendo implementado um sistema que contraria tanto a cultura histórica do partido da nossa presidenta, quanto, e pior, a rica cultura brasileira.

Seria bom voltar a brincar de roda e na brincadeira ir inventando as regras e talvez assim a roda não se feche.  
Samba de roda*Tecedora  

Nenhum comentário:

Postar um comentário