“É Pentágono/OTAN versus BRICS”
Poucos prestaram atenção, quando, semana passada, a porta-voz do Departamento de Estado dos EUA Victoria Nuland anunciou, em linguagem cifrada, que Washington “deixará de atender a alguns dos dispositivos do Tratado das Forças Militares Convencionais na Europa [ing. Conventional Armed Forces in Europe (CFE) Treaty], no que tenha a ver com Rússia”. [1]
Tradução: Washington deixará de informar a Rússia sobre deslocamentos de sua armada global. A estratégia de “reposicionamento” planetário do Pentágono virou segredo.
BRICS cada vez mais cautelosos com as “intervenções humanitárias dos EUA-OTAN |
Na Parte I, esse Tratado CFE estabelecia significativa redução no número de tanques, artilharia pesadíssima, jatos e helicópteros de guerra, e dizia também, aos dois lados, que todos teriam de nunca parar de falar do Tratado CFE.
A Parte II do Tratado CFE foi assinada em 1999, no mundo pós-URSS. A Rússia transferiu grande parte de seu arsenal para trás dos Montes Urais, e a OTAN nunca parou de avançar diretamente contra as fronteiras russas – movimento que aberta e descaradamente descumpria a promessa que George Bush-Pai fizera, pessoalmente, a Mikhail Gorbachev.
Em 2007, entra Vladimir Putin, que decide suspender a participação da Rússia no Tratado CFE, até que EUA e OTAN ratifiquem a Parte II do CFE. Washington nada fez, nada de nada; e passou quatro anos pensando sobre o que fazer. Agora, decidiu que nem falar falará (“Washington deixará de atender”, etc. etc.).
Não se metam na Síria
Moscou sempre soube, há anos, o que o Pentágono quer: Polônia, República Checa, Hungria, Lituânia. Mas o sonho da OTAN é completamente diferente: já delineado num encontro em Lisboa há um ano, o sonho da OTAN é converter o Mediterrâneo em “um lago da OTAN”. [2]
Em Bruxelas, diplomatas da União Europeia confirmam, off the record, que a OTAN discutirá, numa reunião chave no início de dezembro, o que fazer para fixar uma cabeça-de-praia muito próxima da fronteira sul da Rússia, para dali turbinar a desestabilização da Síria.
Para a Rússia, qualquer intervenção ocidental na Síria é caso resolvido de não-e-não-e-não absoluto. A única base naval russa em todo o Mediterrâneo Ocidental está instalada no porto (sírio) de Tartus.
Não por acaso, a Rússia instalou seu sistema de mísseis de defesa aérea S-300 – dos melhores do mundo, comparável ao Patriot, dos EUA – em Tartus. E é iminente a atualização para sistema ainda mais sofisticado, o S-400.
Mais importante: pelo menos 20% do complexo industrial militar russo enfrentaria crise profunda, no caso de perder seus assíduos clientes sírios.
Em resumo, seria suicídio, para a OTAN – para nem falar em Israel – tentar atacar a Síria por mar. A inteligência russa trabalha hoje sobre a hipótese de o ataque vir via Arábia Saudita. E vários outros países também sabem, com riqueza de detalhes, dessa estratégia de “Líbia remix”, da OTAN.
Vejam o caso, por exemplo, da reunião da semana passada, em Moscou, dos vice-ministros de Relações Exteriores dos países do grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) [3].
Os BRICS não poderiam ter sido mais claros: esqueçam qualquer tipo de intervenção externa na Síria; disseram, exatamente que “não se deverá considerar qualquer interferência externa nos negócios da Síria, que não esteja perfeitamente conforme o que determina a Carta das Nações Unidas”. [4] Os BRICS também condenam as sanções extras contra o Irã (são “contraproducentes”) e qualquer possibilidade de algum ataque. A única solução – para os dois casos, Síria e Irã – é negociações e diálogo. Esqueçam a conversa de um voto da Liga Árabe levar a nova resolução, do Conselho de Segurança da ONU, de “responsabilidade de proteger” (responsibility to protect - R2P). Esqueçam.
O que temos aí é um terremoto geopolítico. A diplomacia russa coordenou, com outros países BRICS, um murro tectônico na mesa: não admitiremos qualquer tipo de nova intervenção dos EUA – seja “humanitária” ou a que for – no Oriente Médio. Agora, é Pentágono/OTAN versus os BRICS.
Brasil, Índia e China estão acompanhando tão de perto quanto a Rússia, o que a França – sob o comando do neonapolêonico Libertador da Líbia, Nicolas Sarkozy – e a Turquia, os dois países membros da OTAN, estão empenhados e fazer hoje, sem qualquer limite ou contenção, contrabandeando armas e apostando em uma guerra civil na Síria, ao mesmo tempo em que tudo fazem para impedir qualquer tipo de diálogo entre o governo de Assad e a oposição síria, essa, em frangalhos.
Alerta máximo nos gargalos
Tampouco é segredo dos BRICS que a estratégia de “reposicionamento” do Pentágono implica mal disfarçada tentativa de impor, no longo prazo, uma “negativa de acesso” à marinha chinesa expedicionária [ing. blue-water navy, capaz de operar em alto mar], em acelerada expansão.
Agora, o “reposicionamento” na África e na Ásia tem a ver, diretamente, com os gargalos. Não surpreende que três dos gargalos mais cruciais do mapa do mundo é questão de alta segurança nacional para a China, em termos do fluxo do suprimento de petróleo.
Estreito de Ormuz |
O Estreito de Malacca é elo crucial entre o Oceano Índico e o Mar do Sul da China e o Oceano Pacífico, a rota mais curta entre o Golfo Persa e a Ásia, com fluxo de cerca de 14 milhões de barris de petróleo/dia.
E o Bab el-Mandab, entre o Chifre da África e o Oriente Médio, passagem estratégica entre o Mediterrâneo e o Oceano Índico, com fluxo de cerca de 4 milhões de barris/dia.
Thomas Donilon, conselheiro de segurança nacional do governo Obama tem repetido, insistentemente, que os EUA têm de “reequilibrar” a ênfase estratégica – do Oriente Médio, para a Ásia.
Assim se explica boa parte do movimento de Obama, de mandar Marines para Darwin, no norte da Austrália, movimento já analisado em outro artigo para Al Jazeera [5]. Darwin é cidade bem próxima de outro gargalo – Jolo/Sulu, sudoeste das Filipinas.
Estreito de Malacca |
Mas o que os movimentos do Pentágono/OTAN – todos inscritos na doutrina da Dominação de Pleno Espectro [ing.Full Spectrum Dominance] – estão realmente fazendo é manter Rússia e China cada vez mais próximas – não apenas dentro dos BRICS mas, sobretudo, dentro da Organização de Cooperação de Xangai expandida , que rapidamente se vai convertendo, não só em bloco econômico mas, também, em bloco militar.
A doutrina da Dominação de Pleno Espectro implica centenas de bases militares e agora também de sistemas de mísseis de defesa (ainda não testados). O que também implica, crucialmente, a ameaça mãe de todas as ameaças: capacidade para lançar o primeiro ataque.
Pequim, pelo menos por hora, não tomou a expansão do Comando dos EUA na África, Africom, como ataque aos seus interesses comerciais, nem tomou o posicionamento de Marines na Austrália como ato de guerra.
Mas a Rússia – tanto no caso da expansão dos mísseis de defesa posicionados contra Europa e Turquia, como na atitude de “sem conversas” sobre o Tratado CFE, e posicionada já contra os planos da OTAN para a Síria – está-se tornando bem mais incisiva.
Esqueçam a conversa de Rússia e China, “competidores estratégicos” dos EUA, serem tímidos na defesa da própria soberania, ou dados a pôr em risco a própria segurança nacional. Alguém aí tem de avisar aqueles generais no Pentágono: Rússia e China não são, não, de modo algum, Iraque e Líbia.
Notas dos tradutores
[1] 23/11/2011, RIA NOVOSTI – “United States halts coopertion with Rússia on CFE arms treaty”
[2] 25/11/2010, Pepe Escobar, “EUA: como criança em loja de doces da OTAN”.
[3] Sobre a mesma reunião e o mesmo Comunicado Conjunto, ver 25/11/2011, MK Bhadrakumar, “BRICS bloqueiam os EUA no Oriente Médio”.
[4] “Comunicado Conjunto à Imprensa” (em inglês).
[5] 22/11/2011, Pepe Escobar, “Obama projects Pacific power” (em inglês).
Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
*Redecastorphoto
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
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