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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, dezembro 02, 2011

A REY MUERTO, REY PUESTO.O ENTERRO DA “IBEROAMERICA” E O BATISMO DA CELAC.

Não faz mais de um mês, em Assunção, no Paraguai, foi sepultado, sem choro e sem velas, o projeto neocolonial que embalou os sonhos da Espanha, nos anos 90, de voltar a exercer, com a ajuda de conhecidos neoliberais de plantão, algum poder real na América Latina.
Naqueles anos nefastos, de submissão e desnacionalização da economia, os espanhóis, do alto da ilusão conquistada pelo dinheiro recebido a fundo perdido dos países mais ricos da Comunidade Européia - e graças aos baixos juros cobrados pelos bancos europeus, quando comparados com o preço do dinheiro na América Latina - compraram dezenas de nossas empresas, e tentaram institucionalizar o termo “iberoamérica” para referir-se a este pedaço do planeta. Acreditavam que eram a oitava economia do mundo e que iriam sentar-se à mesa do G-7.
Hoje, o G-7, substituído de fato pelo G-20 - clube do qual a Espanha não faz parte - é uma ficção estratégica. O grupo do qual mais se fala, na mídia internacional, atende pelo nome de BRICS. Consolidaram-se, na América do Sul, o Mercosul, a UNASUL e o Conselho de Defesa Sulamericano. A Espanha está a dois passos de falir, com uma dívida externa de 165% do PIB e mais de 22% de desemprego.
Foi nessa situação, de duro aprendizado histórico, que os espanhóis insistiram em organizar, nos últimos dias de outubro, na capital paraguaia, mais uma cúpula “iberoamericana”.
Para a reunião, trouxeram o então primeiro-ministro José Luis Zapatero, e o Rei Don Juan Carlos, que ficaram – como bons navegantes – a ver navios, já que os presidentes da Argentina, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Honduras, Nicarágua, República Dominicana, Uruguai e Venezuela não compareceram.
Trinta dias depois, o Presidente Hugo Chaves (a quem o Rei da Espanha ousou lançar, com arrogância, a ofensa de um por que no te callas ? ) exercita, com prazer, a oportunidade de colocar - com um belíssimo tapa de luvas - sua majestade em seu devido lugar, recebendo, com pompa e circunstância, entre hoje e terça-feira, 32 Presidentes e Chefes de Estado de paises ao sul do Rio Grande, para a reunião de fundação, em Caracas, na Venezuela, da CELAC - Comunidade dos Estados da América Latina e do Caribe.
A organização da CELAC mostra que no início deste século XXI, nós já estamos maduros para discutir nossos próprios assuntos e forjar, com base na cooperação e no respeito mútuo, nosso destino, sem a presença incômoda, quando não constrangedora, dos Estados Unidos, de Portugal e da Espanha.
O slogan da cúpula de Caracas já diz tudo: CELAC - El camino de nuestros Libertadores. O sonho de Simon Bolivar e do brasileiro Abreu e Lima, que foi seu general na gesta libertadora por uma América Latina livre e mais unida, estará, a partir da próxima semana, mais perto de se realizar.

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