A morte do blogueiro
O blog Tijoladas do Mosquito era um fenômeno de audiência. Para se ter ideia, chegou a ter 70 mil acessos num só dia. Os poderosos do Estado, acostumados com um jornalismo medroso, jornalismo puxa-saco, falsamente equilibrado e independente, viram-se na mira de alguém que, acima de tudo, dizia tudo o que tinha para dizer sem medo e sem nenhuma censura.
Exasperado com a maldade e a corrupção, cometeu erros, “passou dos limites”, como ele mesmo reconheceu em seu último post. Seus métodos jornalísticos e seu estilo são passíveis de muitas críticas, mas ninguém pode acusá-lo de covarde. Mosquito era um homem corajoso e levou às últimas consequências a sua missão de denunciar aquilo que considerava errado. Ele não se escondia. Esteve sempre na linha de frente.
Durante a ditadura, como líder estudantil, foi um dos protagonistas da Novembrada, revolta popular ocorrida em Florianópolis, em 1979, contra a visita do então presidente João Batista Figueiredo. Mosquito foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional e preso.
Quarto do poder
Curioso ele ter morrido exatamente 43 anos depois da entrada em vigor do AI-5, o ato institucional que, entre outras coisas, acabou com o que ainda restava de liberdade de expressão no Brasil. Curioso porque a luta por uma sociedade verdadeiramente democrática foi sua maior bandeira. E, contrariando as estatísticas, ele não mudou de lado, não se acomodou em cargos públicos, não se vendeu.
Como se sabe, mas sempre se esquece, não existe democracia sem pluralidade de ideias. E não existe pluralidade de ideias quando se tem um monopólio da comunicação. Em Santa Catarina, a luta de Mosquito era urgente e necessária. A Rede Brasil Sul (RBS), afiliada da Rede Globo, possui 20 emissoras de tevê, 24 emissoras de rádio, oito jornais, além de mais de uma dezena de produtos de plataforma digital.
Diante disso, o jornalismo catarinense não é um quarto poder, mas um quarto do poder. A cumplicidade entre imprensa e poder político, entre poder econômico e imprensa é tão intensa, tão explícita, que chega a parecer normal. Mas Mosquito não achava normal a hipocrisia, a falta de escrúpulos, a corrupção, a impunidade e este monopólio criminoso.
Ameaças e retaliações
Um dos grandes legados deixado pelo blogueiro foi ter escancarado a falência do jornalismo “sério” da grande mídia. A audiência de seu blog provinha, essencialmente, da quantidade de informação de interesse público que ele dava com exclusividade. Interesse público, compromisso social, é um negócio completamente fora de moda no jornalismo praticado pela grande mídia.
Ouvi alguns jornalistas, todos desta imprensa “séria”, lamentando a morte, mas dizendo: “o que ele fazia não era jornalismo”. Tudo bem, mas qual nome se dá ao trabalho realizado por esses jornalistas sérios e responsáveis?
No seu último post, escrito sete dias antes da sua morte, ele disse: “Não tenho mais como enfrentar as ameaças e retaliações. É sensato dar um tempo”. Ele estava acuado. Assumiu, sozinho, uma briga que deveria ser coletiva.
Com esta morte trágica, os corruptos de todas as espécies e de todos os Poderes podem estar se sentindo mais aliviados, mas não esqueçam que ele, o Mosquito, – mesmo involuntariamente – assentou vários tijolinhos ao longo de sua militância e desses tijolinhos, quem sabe, um dia, se construa uma imprensa mais indignada, menos hipócrita e mais comprometida com os interesses da maioria da população.
Fernando Evangelista é jornalista, colunista do NR. Escreve às terças a coluna Revoltas Cotidianas. A coluna faz uma pausa e volta em janeiro do ano que vem.
*Notaderodapé
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