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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, dezembro 21, 2011

Os honoráveis bandidos e o Holocausto brasileiro


Por Cláudio Ribeiro *

Frase tantas vezes dita e repetida, o tempo que passa é o tempo que nos resta. O levantamento histórico e documentado do período ditatorial deve ser efetivado sem mais demora.

Se a anistia destina-se à pacificação de ânimos de pessoas atingidas em certo momento histórico por atos ilegais, perseguições, prisões arbitrárias, torturas generalizadas, assassinatos e desaparecimentos, hoje a luta contra a repetição de violências semelhantes e a busca da verdade e da justiça devem andar de mãos dadas.

A importância de esquecer impõe a necessidade de lembrar. Ninguém pode apagar o que não foi escrito, nem se esquece daquilo que não é lembrado. O esquecimento exige o confronto com o passado.

Por essa razão, a revisita à memória dos anos vividos sob a batuta dos tacões militares (e da concepção de segurança nacional ainda decantada em certos espaços institucionais e meios sociais) possibilita recordar e detectar seus fins e seus meios: A ditadura militar não foi implantada no Brasil (e nos demais países da América do Sul) para derrotar o comunismo ou comunistas. Como Hitler na Alemanha, que içou bandeiras contra judeus e comunistas, no Brasil a bandeira do anticomunismo foi erguida apenas para esconder o verdadeiro holocausto brasileiro, a implementação de uma política econômica de subtração de rendas (e riquezas) das classes trabalhadoras através do confisco salarial e da modernização conservadora do campo para transferi-las à elite patrimonialista brasileira.

Se a ditadura veio para isso, como é possível alguém dizer que ela acabou? A política econômica continua, e agora mais protegida, não mais pelos quartéis, mas pelo Banco Central.

Durante o governo Lula, as rendas da classe média foram em grande parte confiscadas para minimizar o sofrimento dos excluídos, mas não teve forças para por o dedo na ferida, o bolso dos ricos e poderosos.

A dívida pública brasileira beira o abismo dos 3 trilhões de reais e neste ano, com a taxa Selic, alçada aos fantásticos 12%, vai custar ao nosso povo algo no entorno dos 300 bilhões. Os juros afundarão a curto prazo todas as possibilidades de crescimento sustentável e aprofundarão as intoleráveis desigualdades em que naufragamos nossas esperanças.

O Erário está a serviço do banquete de banqueiros e rentistas. O controle de informações é tão brutal que, como povo, não sabemos sequer a origem da dívida pública, quem são os credores, se estamos pagando algo que devemos ou alguma coisa cujo pagamento já se multiplicou.
Enquanto não for desvendado o arquivo deste misterioso saque, não saberemos como enfrentá-lo, nem reconstruiremos um caminho de desenvolvimento nacional se não punirmos, e com rigor, esses honoráveis bandidos que assaltam nossos recursos públicos.

Não há dúvidas, a ditadura militar entregou a essa elite usurária todo o poder de comandar o Estado brasileiro e as burras nacionais. Além da concentração de rendas e riquezas, a essência doutrinária apregoada pela mídia abriu o coração do Brasil para o transplante das novas condições necessárias às transformações do capitalismo para colocar nossa sociedade sob o jugo dos interesses internacionais concentrados do grande capital, mais tarde regulamentados pelo Consenso de Washington.

Os fins impuseram os mecanismos e instrumentos de dominação (novas formas de colonização), demolindo-se, no limiar, os elementos culturais de raízes populares, desde a música e os cânticos, a literatura como um todo, até a degradação da qualidade dos bancos escolares e acadêmicos para impor uma nova escala de valores éticos (?) e morais (?), como a exacerbação do individualismo, a glorificação da competitividade econômica (para reerguer um dos pilares do regime nazista, o indivíduo produtivo), acarretando, como resultado pedagógico, o incentivo às disputas pessoais.

A perseguição feroz, sanguinária em vários exemplos (o caso Rubens Paiva é paradigmático), as prisões, torturas e assassinatos dos opositores (como se todos integrassem organizações comunistas), a imensa maioria dos quais discordava da barbárie cometida em subterrâneos policiais (como os saudosos Sobral Pinto, Alceu Amoroso Lima, Hélio Pelegrino, Frei Tito de Alencar e corajosos, como Cardeal Arns, fervorosos católicos, além de outros), deve ser investigada a fundo; todavia, isto não basta, porque a sádica brutalidade macarthista dos torturadores e seus mandantes serviu submissamente ao enriquecimento dessa elite ultrajante que tomou conta dos cofres da União.

Este quadro deu início e adubou a violência, a impunidade, a marginalização de amplas camadas da população atingidas pelo desemprego e pela brutal redução da remuneração do trabalho.

A censura e a mordaça (sobre o Judiciário inclusive) foram empregadas com todo vigor e, em alguns e raros casos, com prisões e cassações. O levantamento apurado de todos esses acontecimentos e a punição dos responsáveis (sem sanhas marcadas pela vingança ou revanchismo) são indispensáveis para estabelecimento de um alicerce sólido à construção de um Estado Democrático de Direito, onde as pessoas possam conviver com afeto e solidariedade e não, como hoje, com desconfianças recíprocas, um Estado, onde os crimes sejam punidos sem distinguir as classes sociais dos criminosos, onde os Poderes inerentes à Democracia ajam com absoluta transparência em benefício do Povo e não, de privilégios e privilegiados.

Países como a Argentina e o Uruguai, mergulhados em ditaduras brutais já vivem uma realidade menos violenta porque a História está sendo revista e escrita, os responsáveis, os cabeças e os torturadores mais doentios, punidos. Se os ladrões ainda continuam, quase todos, desfrutando dos bens saqueados.

Nós ainda não conseguimos a prestação de contas do passado recente e, por este motivo fundamental, a anistia com todas as suas repercussões deve ser examinada com os olhos presos nesse dever de contribuir para construir a sociedade programada principalmente pelo artigo 3º da Constituição Federal.

Quem barra a apuração desse violento período histórico? Apenas a cúpula das Forças Armadas? Ou, ao contrário, são os honoráveis bandidos brasileiros que se fartaram de enriquecer durante o regime exercido por militares a serviço dessa elite usurária?

A mais recente e triste decisão do Supremo Tribunal Federal não deve sufocar os que defendem um verdadeiro Estado Democrático de Direito. O Brasil e as razões que impuseram a tristeza daquele julgamento foram condenados pela Corte Interamericana de Justiça. A luta contra o velho regime ditatorial deve continuar, para que este País vença a violência e a impunidade que o assolam, sabendo que ambas são heranças do período de concentração de rendas e riquezas, dos ricos que empobrecem nossa nação escondidos no subsolo das sociedades ainda anônimas, comerciais, industriais, usurárias, nacionais e estrangeiras, que se valeram à farta de torturadores, fardados ou não, para saciar a infinita voracidade dos valores criados no entorno do Capital.

Apurar os crimes de prisões ilegais, sequestros, torturas, assassinatos e ocultação de cadáveres cometidos pelos governos militares contra integrantes da oposição democrática e popular e, com mais força ainda, investigar a vida daqueles que se enriqueceram ilicitamente às custas do sacrifico do povo e do Estado brasileiros.

Uma investigação rigorosa levará inevitavelmente à outra. Chega de violência. Chega de impunidade. Por uma auditoria real e transparente da dívida pública. Pela punição dos algozes da sociedade brasileira, dos torturadores e seus mandantes e dessa turba de assaltantes dos recursos públicos da Nação.


* Cláudio Ribeiro é advogado.
*Observadoressociais

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