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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, dezembro 20, 2011

Por um Natal sem neve 

 

Por Laurindo Lalo Leal Filho, na Revista do Brasil:

A televisão no Brasil não dita apenas hábitos, costumes e valores, mas também o ritmo de vida da maioria da população. Nos dias úteis com seus horários para “donas de casa”, crianças e adultos e nos fins de semana com uma programação diferenciada, supostamente mais adaptada ao lazer. A TV organiza também as comemorações das efemérides ao longo do ano, das quais o ponto alto é o Natal. Com muita antecedência saltam da tela canções da época e muita propaganda, criando clima para o “espírito natalino”.



As crianças são o alvo principal. Se já são bombardeadas com apelos de compra o ano todo, no Natal a pressão cresce. Apresentadoras joviais e alegres conquistam a confiança dos pequenos telespectadores com seus dotes artísticos para, em seguida, atraí-los para as compras, no mais das vezes, desnecessárias. Da classe média para cima é comum ver crianças com brinquedos pouco ou nada usados, comprados apenas como resposta aos apelos publicitários.

Mas a TV não está só na casa de quem pode comprar. Hoje ela é um bem universalizado no Brasil, advindo daí a sensação de exclusão sofrida por crianças cujas famílias estão impossibilitadas de satisfazer seus desejos. Esse desconforto resulta da crença de que o consumo é um valor em si, substituto da cidadania. Só é cidadão quem consome.

“O que singulariza a grande corporação da mídia é que ela realiza limpidamente a metamorfose da mercadoria em ideologia, do mercado em democracia, do consumismo em cidadania”, diz o professor Octávio Ianni em “Príncipe eletrônico”, artigo que se tornou referência para a discussão do papel político da comunicação nas sociedade modernas.

No Natal, a metamorfose atinge seu auge e segue até a virada do ano. As mercadorias ganham vida na TV e estão à disposição para satisfazer todos os desejos, o mercado oferece democraticamente a todos os mesmos produtos e, ao consumi-los, exerceríamos nossos direitos de cidadãos. São falácias muito bem embaladas em luz, cores e sons sedutores. As regras do jogo são essas. Quem mantém as TVs comerciais são os anunciantes. Apesar disso, as emissoras poderiam ter um pouco mais de criatividade. Não há Natal na TV brasileira sem a milésima reprise do filme Esqueceram de Mim, com neve em quase todas as cenas, ou sem o indefectível “especial”, sempre com o mesmo cantor.

Nem o jornalismo escapa, com colagens em forma de clipes usadas à exaustão mais para reviver sustos já sofridos pelo telespectador do que para informar. Em determinado ano, que pode ser qualquer um, o apresentador famoso abria a resenha na principal rede de TV exclamando: “Um ano de arrepiar em todo o planeta. Incêndios, terremotos, furacões”. E dá-lhe imagens espetaculares, que de notícia pouco têm.

Podia ser diferente? Claro que sim. Poderíamos ter na TV um Natal mais brasileiro e um final de ano criativo (com a publicidade mais controlada). Realizadores não faltam, o que falta são oportunidades para mostrar seus trabalhos. Mais de 200 deles apresentaram pilotos de programas no Festival Internacional de Televisão, realizado em novembro no Rio. Não haveria ali gente capaz de tirar a televisão da rotina desta época?

Criatividade também não falta na produção audiovisual brasileira. Precisamos é de ousadia para mostrá-la ao público oferecendo bens culturais capazes de enriquecê-lo espiritualmente. Ou como dizia um diretor da BBC, a melhor TV do mundo: “Temos a obrigação de despertar o público para ideias e gostos culturais menos familiares, ampliando mentes e horizontes, e talvez desafiando suposições existentes acerca da vida, da moralidade e da sociedade. A televisão pode, também, elevar a qualidade de vida do telespectador, em vez de meramente puxá-lo para o rotineiro”.

Belo desafio, não? Feliz Natal.

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