Golpe no Paraguai revela nova face da Operação Condor, diz ativista
Em entrevista à Carta Maior, o mais importante ativista dos
direitos humanos paraguaio, Martin Almada, disse que o golpe que
destituiu Fernando Lugo da presidência revela a atualidade da Operação
Condor, a maior ação articulada de terrorismo de estado já imposta ao
povo latino-americano. Para Almada, essa nova Condor é muito mais
abrangente do que a iniciada em 1964, no Brasil: é mais suave, global e
revestida de uma capa pseudodemocrática, por meio da cooptação dos
parlamentos.
Brasília - Em entrevista exclusiva à Carta Maior, o mais importante
ativista dos direitos humanos paraguaio, Martin Almada, disse que o
recente golpe que destituiu Fernando Lugo da presidência do seu país
revela a atualidade da Operação Condor, considerada a maior ação
articulada de terrorismo de estado já imposta ao povo latino-americano.
Prêmio Nobel da Paz alternativo, foi Almada quem descobriu, no Paraguai,
na década de 90, o chamado “arquivo do terror”, que contém os
principais registros conhecidos da Operação Condor, a articulação dos
aparelhos repressivos do Brasil, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai
que, a partir da década de 1960, sob a coordenação dos Estados Unidos,
garantiram o extermínio das forças resistentes à implantação de um
modelo econômico favorável aos interesses das oligarquias locais e das
multinacionais que elas representam.
O ativista está em Brasília justamente para participar, nesta quinta
(5), de um seminário sobre a Operação, promovido pela Comissão
Parlamentar Memória, Verdade e Justiça da Câmara.
Confira a entrevista:
- Como se deu a articulação do golpe que destitui Fernando Lugo da presidência do Paraguai?
Foi uma trama muito bem montada pela direita paraguaia. E quando digo
direita paraguaia, me refiro à oligarquia Vicuna, aos grandes
fazendeiros, me refiro aos donos da terra, os plantadores de soja
transgênica, me refiro às multinacionais, como a Cargil e a Monsanto, e
também aos partidos tradicionais ligados a essas oligarquias. É um caso
muito particular de golpe.
- Mas é possível compará-lo, por exemplo, com o golpe que ocorreu em Honduras?
Ao contrário do que muitos dizem, não se pode comparar. Foram golpes
completamente diferentes. Em Honduras, o exército norte-americano
interviu, junto com as tropas hondurenhas. A embaixada americana teve
uma atuação clara. O presidente caiu em sua cama. No Paraguai, tudo foi
articulado via parlamento, que é a instituição mais corrupta do país. No
fundo, é claro, sem aparecer, também estava a embaixada americana. Mas
sua participação se deu através das organizações não governamentais
(ONGs) e dos órgãos de inteligência. Normalmente, um golpe de estado,
como ocorreu em Honduras, se dá com tiroteio, bomba, pólvora, morte. No
Paraguai, não houve tiroteio, não houve pólvora. O que rolou foi muito
dinheiro, muitos dólares.
- E como se comportou a imprensa paraguaia?
Os meios de comunicação estavam todos a serviço do golpe. É por isso que
digo que foi um golpe perfeito: quando o presidente golpista assumiu,
se cantou o hino nacional com uma orquestra. E uma orquestra de câmara.
Foi um golpe planificado com muita antecipação.
- E onde estava o povo, os movimentos organizados que não saíram às ruas?
O presidente Lugo cometeu muitos erros. Primeiro, quando ocorreu a morte
de sete policiais e onze camponeses, eu penso, como defensor dos
direitos humanos, que tanto a polícia quanto os camponeses eram
inocentes. Aquele conflito foi uma trama. Os policiais usavam colete à
prova de balas, mas os tiros ultrapassaram estes coletes. E nós sabemos
que as armas usadas pelos camponeses são muito artesanais. Não teriam
essa capacidade. O que nós imaginamos é que haviam infiltrados com armas
muito potentes. E Lugo, após o conflito, fez uma declaração péssima:
condenou os camponeses e prestou condolências aos familiares dos
policiais. Isso caiu muito mal. Segundo, Lugo firmou uma lei repressiva,
uma lei de tolerância zero. Outro erro de Lugo foi firmar acordo com a
Colômbia para assessorar a polícia paraguaia.
- Para tentar se manter no poder, ele fez concessões à direita que o desgastaram com as classes populares. É isso?
Exatamente. Então, no momento do golpe, o povo não saiu às ruas. Na
verdade, foram dois motivos. Primeiro, a frustração, a indignação e o
desencanto com Lugo. Segundo, no Paraguai, as pessoas com mais de 40
anos têm muito medo. Porque nós não vivemos 20 anos de ditadura. Nós
vivemos 60. Então, só os jovens saíram às ruas. Aliás sempre, no
Paraguai, as manifestações de ruas são protagonizadas por jovens, que
tem uma coragem admirável.
- Como o senhor avalia a posição dos demais países do Mercosul e da Unasul de condenarem o golpe?
Este golpe foi um golpe ao Mercosul, um golpe à Unasul, porque Lugo
tinha boas relações com o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, com o
presidente da Bolívia, Evo Morales... e isso desagradava. Lugo, com
todos os seus defeitos, melhorou a saúde do povo, melhorou a educação,
deu alimentação nas escolas, comida, merenda. Nem tudo estava mal. Mas
ao invés de premiar Lugo, o castigaram. É por isso que acreditamos que
foi um golpe à unidade regional. Uma conspiração contra a unidade da
região, contra a pátria grande com que sonhou Martin Bolívar para todos
os latinoamericanos. Isso atenta contra todos. Pode ocorrer, amanhã,
aqui, na Argentina... na Bolívia tentam um golpe de estado, no Equador
também.
- Então, como na Operação Condor, é uma ameaça a toda a América Latina?
O golpe no Paraguai é a Condor se revelando. É prova que a Condor está
se revelando com outro método. Uma Condor mais moderna, mais suave e
mais parlamentar.
- E como o campo progressista pode reagir?
Esta reunião aqui no parlamento brasileiro para tratar da Operação
Condor, por exemplo, é de extrema importância. Porque já é possível
identificar três fases desta Operação. A primeira, que começou aqui no
Brasil, em 1964, com a queda do presidente João Goulart, era uma Condor
bilateral: Brasil-Argentina, Brasil-Paraguai, Brasil-Uruguai. A segunda,
em 1975, já era uma Condor multilateral, com um acordo ratificado entre
as ditaduras dos cinco países. Agora, a Condor é global. Depois dos
eventos de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, se revelou que
havia centros clandestinos de tortura americanos até na Europa.
Portanto, há uma Condor global. E nós temos que entender o que é a
Operação Condor, como ela funciona, quem a dirige... porque quem dirige a
Condor é também quem dirige a Organização das Nações Unidas, o
Pentágono, a máfia das drogas...
Najla Passos
*Carta Maior