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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, julho 09, 2012

Cunha expõe as garras
da Condor (e de Geisel)




O Conversa Afiada reproduz importante palestra do jornalista Luiz Claudio Cunha na Câmara dos Deputados sobre a Operação Condor (não deixe de ler tembém “Geisel armou Pinochet“).


Seminário Internacional sobre a Operação Condor

Câmara dos Deputados – Brasília, Brasil – 5/julho/2012


As garras do Brasil na Condor


Luiz Cláudio Cunha *


A mais longa ditadura da maior nação do continente não poderia ficar de fora do clube mais sinistro dos regimes militares da América do Sul. O Brasil dos generais do regime de 1964 estava lá, de corpo e alma, na reunião secreta em Santiago do Chile, em novembro de 1975, que criou a Operação Condor.

Nascia a mais articulada e mais ampla manifestação de terrorismo de Estado na história mundial. Nunca houve uma coordenação tão extensa entre tantos países para um combate tão impiedoso e sangrento a grupos de dissensão política ou de luta armada, confrontados à margem das leis por técnicas consagradas no submundo do crime.

Tempos depois, em 1991, as democracias renascidas da região construíram um difícil pacto de integração política e econômica batizado de Mercosul. Dezesseis anos antes, contudo, os generais das seis ditaduras do Cone Sul — Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia — tinham conseguido realizar, a ferro e fogo, uma proeza ainda mais improvável: um secreto entendimento pela desintegração física, política e psicológica de milhares de pessoas.

A Operação Condor trouxe para dentro do Estado ilegítimo das ditaduras as práticas ilegais da violência de bandos paramilitares, transformando agentes da lei em executores ou cúmplices encapuzados de uma dissimulada política oficial de extermínio.

O envolvimento de efetivos regulares da segurança com as práticas bandoleiras de grupos assassinos explica, de alguma forma, a leniência e depois a conivência com o crime por parte de corporações historicamente fundadas na lei e na ordem. O Esquadrão da Morte, em países como Brasil, Argentina e Uruguai, contaminou o Exército. O Exército perdeu os limites com a obsessão da guerra antisubversiva. A luta contra a guerrilha transbordou as fronteiras da lei e exacerbou a violência. A virulência clandestina e sem controle do esquadrão empolgou o Exército. O Exército apodreceu com o Esquadrão da Morte. O esquadrão confundiu-se com o Exército, o Exército virou um esquadrão.

A Condor, enfim, reconheceu tudo isso e criminalizou os regimes militares do Cone Sul.

Dois policiais resumem este mergulho criminoso do poder no Brasil e no Uruguai. O americano Dan Mitrione era especialista em interrogatórios do Serviço de Segurança Pública (OPS, na sigla em inglês), uma agência americana de fachada da CIA extinta um ano antes do nascimento da Condor. Em 16 anos de vida, treinou um milhão de policiais no chamado Terceiro Mundo. Mitrione desembarcou no Rio de Janeiro um ano antes do golpe de 1964 e ao sair, três anos depois, a OPS tinha adestrado 100 mil agentes brasileiros, 1/6 da força policial do país. Mitrione assumiu a OPS do Uruguai em 1969, quatro anos antes do golpe de Bordaberry, com um lema que definia seus princípios: “A dor precisa, no lugar preciso, na quantidade precisa, para o efeito desejado”.

O brasileiro Sérgio Fleury, delegado do DOPS, era internacionalmente conhecido como líder do clandestino Esquadrão da Morte, de onde importou métodos de combate ao crime comum para uso na repressão política. Seis meses antes do golpe de junho de 1973, o embaixador americano em Montevidéu, Charles Wallace Adair Jr., avisou Washington que oficiais da alta hierarquia militar do Uruguai foram treinados no final de 1971 pelo Brasil para combater a insurgência. Um dos treinadores brasileiro levados aos aprendizes de Mitrione era o experiente Fleury.

O embaixador detalhou a ação de órgãos de segurança da Argentina (Secretaria de Inteligência do Estado, SIDE) e do Brasil (Serviço Nacional de Informações, SNI) no apoio a grupos uruguaios clandestinos: “Os brasileiros reconhecidamente aconselharam e treinaram oficiais militares e policiais uruguaios envolvidos em grupos contra-terroristas que se responsabilizaram por atentados a bomba, sequestros e até mesmo assassinatos de suspeitos de pertencerem à esquerda radical”. Na Argentina, o delegado-chefe da Polícia Federal em Buenos Aires era Alberto Villar, fundador em 1973 da versão local do Esquadrão da Morte, a clandestina Triple A, ou Aliança Anticomunista Argentina, acusada de quase 2 mil mortes em dez anos de crimes.

Quase dois anos antes da formalização da Condor, os seis países da região fizeram uma reunião secreta em Buenos Aires, em fevereiro de 1974. O ‘I Seminário de Polícia sobre a Luta Antisubversiva no Cone Sul’ reunia os chefes da Polícia Federal, alguns deles oficiais do Exército — casos do Brasil, Argentina e Paraguai. Acertaram “novas formas de colaboração transnacional para confrontar a ameaça subversiva”, conforme o general Miguel Angel Iñiguez, chefe da Polícia Federal argentina, anunciando a decisão final de operações conjuntas “contra inimigos políticos em qualquer dos países associados”.

A preocupação anticomunista se aguçou com a revolução castrista em Cuba e entrou na pauta dos quartéis do continente, que se reuniam regularmente na Conferencia dos Exércitos Americanos (CEA). No 10º encontro, realizado em Caracas uma semana antes do golpe de Pinochet em 1973, o general brasileiro Breno Borges Fortes propôs “ampliar a troca de experiências ou informações” na guerra ao comunismo.

Em 1976, na Nicarágua do ditador Somoza, disse o chefe da delegação argentina na CEA:

— A guerra ideológica não respeita fronteiras — avisou o general Roberto Viola, que carregava no sobrenome a crença de quem não reconhece limites no combate à subversão. Quatro anos antes, este desbordamento da violência ficou evidente  no Uruguai.

Em fevereiro de 1972, os guerrilheiros Tupamaros sequestraram um fotógrafo em Montevidéu. Nelson Bardessio era mais do que isso: era também policial, segurança e motorista do americano William Cantrell, o homem da CIA no Uruguai. O policial revelou ser membro do Esquadrão da Morte que agia dentro da DNII, Dirección Nacional de Información y Inteligencia, a central de polícia abastecida pela CIA de Cantrell com equipamento de tortura.

As ordens do ministro do Interior, Santiago de Brum Carbajal, eram repassadas ao esquadrão pelo vice-ministro Armando Acosta y Lara. Bardessio revelou que o próprio secretário pessoal do presidente Pacheco Areco, Carlos Piran, conseguiu junto à SIDE (a Secretaria de Inteligência do Estado argentino) a gelinita explosiva com que o Esquadrão da Morte praticou quatro atentados em Montevidéu. O motorista da CIA contou que ele fizera parte de uma equipe de cinco policiais treinados pela SIDE em Buenos Aires em “atividades antiterroristas” e “técnicas de vigilância”. Outros dois agentes, disse Bardessio, foram enviados ao Brasil para exercitar “operações de Esquadrão da Morte”.

Os futuros quadros da Condor começaram a se formar nesta geleia geral que misturava gelinita com militares, policiais, agentes secretos, torturadores e terroristas paramilitares. Ali mesmo em Montevidéu, três anos depois, a Condor começou a sair do ovo. Em outubro de 1975, nos salões exclusivos do hotel Carrasco, reuniu-se a 11ª CEA, a conferência dos Exércitos. Num encontro prévio, os chefes dos serviços secretos do continente ouviram a proposta de seu camarada chileno, um certo coronel Manuel Contreras, chefe da Dirección Nacional de Inteligência (DINA), a polícia política de Pinochet, para a criação de “um programa repressivo transnacional”.

A proposta foi aprovada, e Contreras não perdeu tempo. Despachou o vice-diretor da DINA, o coronel da Força Aérea Mário Jahn, direto de Montevidéu para Assunção, onde entregou ao general Francisco Brítez, chefe da repressão do Governo Stroessner, o convite para uma reunião “absolutamente secreta” em Santiago do Chile para o mês seguinte, novembro.

O nº 2 da DINA, antes de voltar para casa, fez uma segunda escala, um pouco acima no mapa: Brasília. Aqui, entregou o convite e a agenda de dez páginas da pomposa ‘Iª Reunión de Trabajo de Inteligencia Nacional’ a um fraterno amigo de Contreras: o general João Baptista Figueiredo, o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) do Governo Geisel.


As duas ditaduras tinham muito em comum. O palácio La Moneda ainda fumegava com as bombas de sete ataques da Força Aérea quando o embaixador brasileiro Antônio Cândido Câmara Canto adentrou a Escola Militar de Santiago no instante em que o quarteto da Junta Militar prestava juramento como novo centro de poder.

– Ainda estávamos disparando quando chegou o embaixador e nos comunicou o reconhecimento – registrou o próprio Pinochet, assombrado com a ligeireza que tornou o Brasil o primeiro governo do planeta a estabelecer vínculos formais com a nova ordem.

Dissimulados, os Estados Unidos de Nixon e Kissinger esperaram baixar a poeira das bombas e só reconheceram a ditadura Pinochet treze dias depois do Brasil. O espaço aéreo chileno ainda estava fechado, horas depois do golpe, quando quatro aviões militares brasileiros pousaram na base de Santiago, oficialmente levando apenas remédios e mantimentos.

No Brasil, o apoio encoberto ao golpe foi imediato. Um acordo, articulado no Governo Médici (1969-1974) e executado no Governo Geisel (1974-1979), garantiu fuzis e munição para a repressão interna no Chile, como revelou no domingo (1/julho) a repórter Júnia Gama, de O Globo, com base em documentos inéditos do extinto EMFA (Estado-Maior das Forças Armadas). Um ofício de 17 de janeiro de 1975 revela a ordem secreta do EMFA para raspar o logotipo da República nos fuzis tipo FAL para não permitir a identificação da cumplicidade brasileira nas armas produzidas na fábrica do Exército em Itajubá, Minas Gerais.

O próprio Manuel Contreras afiara suas garras no Brasil. Um interlocutor do coronel, o americano Robert Scherrer, chefe do escritório do FBI em Buenos Aires, diz que o chileno foi treinado em Brasília. O golpe mal completara um mês quando um economista brasileiro da CEPAL foi incorporado aos dez mil prisioneiros reunidos no Estádio Nacional de Santiago. José Serra, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, chegou a ouvir gente fazendo interrogatório em português. Os agentes do SNI foram ao Chile depois do golpe para obter informações de esquerdistas brasileiros, enquanto oficiais chilenos vinham ao Brasil para treinamento na Escola Nacional de Informações, a ESNI – que serviu de inspiração a Contreras na formatação de sua DINA.

Entre os 24 mil documentos da Inteligência americana sobre o Chile, desclassificados no Governo Clinton, existe um memorando secreto que o general Vernon Walters, o vice-diretor da CIA, mandou em julho de 1975 ao assessor de Segurança Nacional do presidente Ford, Brent Scowcroft. Ele retransmitia o apelo que Pinochet, inusitadamente aflito pelo risco de isolamento internacional, mandava para a Casa Branca. No item 3 da nota, Walters mostrava a intimidade brasileira com Pinochet: “Os chilenos sabem que não conseguem obter ajuda direta por causa da oposição do Congresso [americano]. Querem saber se há algum modo de conseguir essa ajuda indiretamente, via Espanha, Taiwan, Brasil ou República da Coréia”.

O general americano nem precisou lembrar. Mas os quatro países, por coincidência, eram ferozes ditaduras anticomunistas.

Dois meses depois, em setembro de 1975, Pinochet e o vice-diretor da DINA, coronel aviador Mario Jahn, discutiram a expansão internacional da repressão chilena. O coronel era o homem encarregado por Contreras de pilotar as incursões além-fronteiras da Condor, desafio que sempre demandava gastos maiores. Na conversa na sala de jantar do general, presenciada por um civil amigo de Pinochet, Jahn explicou:

– Os americanos estão ajudando por meio do Brasil. Este é o momento de se mover, avançar e levar a luta para o nível mundial – propôs o coronel a Pinochet, informado de que treinamento da CIA era fornecido por meio do Brasil. Brasília era definida, na conversa, como o “canal de treinamento” de técnicas de interrogatório e tortura para os agentes da DINA.

Um memorando de 15 de setembro de 1975 de Contreras a Pinochet pede um reforço de US$ 600 mil no orçamento daquele ano da DINA. No item 1 da nota, o coronel justifica ao general: “Aumento do pessoal da DINA ligado às missões diplomáticas do Chile. Um total de dez pessoas: 2 no Peru, 2 no Brasil, 2 na Argentina, 1 na Venezuela, 1 na Costa Rica, 1 na Bélgica e 1 na Itália.”

Em 1999, o jornal O Globo deu outra pista segura sobre a presença da DINA em solo brasileiro. Ele revelou uma destinação adicional ao pedido de verbas feito por Contreras a Pinochet em 1975: o custeio dos oficiais da DINA que, a cada dois meses, faziam um curso de seis semanas no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército brasileiro, em Manaus, no coração da maior floresta tropical do mundo.

Durante algum tempo, um de seus principais instrutores foi o adido militar da embaixada da França em Brasília entre 1973 e 1975. O general Paul Aussaresses, especialista em inteligência, era veterano de duas épicas derrotas francesas em guerras coloniais: a da Indochina (1946-1954) e a da Argélia (1954-1962). Foi herói na Segunda Guerra Mundial, saltando de paraquedas na Normandia para fazer a ligação entre a Resistência francesa e as tropas aliadas do Dia D. Foi vilão no fronte argelino, como mestre da tortura aplicada pelas tropas paraquedistas do general Jacques Massu. Graças a Aussaresses, a França introduziu no seu vocabulário uma deformação paraestatal que só condenava nos outros povos: os macabros ‘esquadrões da morte’.

Quase duas décadas antes do jornalista Vladimir Herzog aparecer “suicidado” no porão do DOI-CODI em São Paulo, Aussaresses mandou “suicidar” em Argel um dos líderes da Frente de Liberação Nacional (FLN), o argelino Larbi Ben M’Hidi, que apareceu enforcado na prisão após um interrogatório pesado, em 1957. Na sequência, outro suicídio: o influente advogado Ali Boumendjel “atirou-se” do sexto andar do prédio onde estava preso. Em 2000, o general reconheceu que nenhum se suicidara. Ambos foram mortos pela tortura executada sob suas ordens. Mas Aussaresses não se arrependia:

– A tortura é um mal menor, mas necessário, que deve ser usado para evitar o mal maior do terrorismo.

O mesmo argumento consolador foi usado pelo general Ernesto Geisel no depoimento que prestou ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, ao dizer:

— Acho que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter confissões. (…) Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior — explicou Geisel.

Apesar da tolerância, o ditador brasileiro ainda simulava espanto com a ousadia da repressão de Pinochet. Em setembro de 1974, uma bomba da DINA explodiu em Buenos Aires o carro do ex-comandante do Exército chileno, Carlos Pratts, matando o general legalista e sua mulher. Quatro meses depois, quando Figueiredo sugeriu uma aproximação entre o SNI e a DINA, Geisel vetou:

— Eles que venham aqui ver a ESNI – disse o presidente, segundo anotação de 10 de janeiro de 1975 do secretário particular Heitor Ferreira, revelada pelo jornalista Elio Gaspari. Exatamente uma semana depois, o EMFA do general Geisel mandaria raspar o logotipo das armas que seu hipócrita governo fornecia clandestinamente à ditadura chilena.

Os chilenos, apesar do fingimento de Geisel, já frequentavam a Escola Nacional de Informações do SNI em Brasília desde o ano anterior, logo após a criação da DINA. O que Geisel não queria, realmente, era misturar suas tropas de repressão com as de Pinochet. Além disso, havia um erro de origem no convite de Contreras a Figueiredo para a reunião no Chile. Por definição, o SNI era um órgão de informação do presidente da República. Assim, o SNI não era o braço operacional no combate à luta armada. A missão em Santiago, por dever de ofício, cabia ao Centro de Informações do Exército.

Era o CIE que guerreava o que o SNI informava.

Esta era a lógica – e Figueiredo repassou o encargo a quem de direito, o general Confúcio Danton de Paula Avelino, o chefe do CIE, com uma recomendação especial de Geisel: reduzir a presença brasileira em Santiago. Em vez de três, como pedia Contreras, o Brasil mandaria apenas dois militares – um coronel e um major, com ordens estritas para escutar mais do que falar.


O Brasil não tinha muitas ideias para uma ação coletiva, mas queria preservar as ações bilaterais, caso a caso, quando ações repressivas fossem necessárias. Uma última recomendação de Figueiredo, repassando a ordem de Geisel: reduzir a participação brasileira à condição de observador, sem autorização para firmar nenhum documento.

Na manhã ensolarada de 25 de novembro de 1975, uma terça-feira, os dois brasileiros se juntaram a outros treze militares disfarçados de terno e gravata que ocuparam o grande salão da mansão da Alameda O’Higgins onde funcionava a Academia de Guerra do Exército, na capital chilena. A voz aguda de Pinochet ocupou um pedaço da sessão de hora e meia da abertura. Depois, Contreras assumiu o controle, pronunciando seu mantra favorito: “A subversão não reconhece fronteiras nem países”.

A repressão que assombrava o Cone Sul desde a década anterior agora tinha uma organização, um código e um método — e a loucura de sempre. A operação clandestina ganhou o nome de Condor, o abutre típico dos Andes, que agora abria suas asas sobre os povos e os países da região sem fronteiras para um terror de Estado sem limites. A velha e informal prática da troca de informações e de prisioneiros entre ditaduras camaradas tinha agora uma grife que ninguém ainda conhecia pelo nome, mas já temiam pelo terror contagiante de quem perdia parentes e companheiros, desaparecidos na treva e na noite sem fim.

A ata de fundação desse clube com licença para matar foi assinada pelos representantes de cinco dos seis países fundadores. O capitão argentino Jorge Demetrio Casas (diretor de operações do Serviço de Inteligência do Estado, SIDE), o coronel uruguaio José Fons (subdiretor do Serviço de Inteligência de Defensa, SID), o coronel paraguaio Benito Guanes Serrano (chefe do Departamento de Inteligência do EMFA), o major boliviano Carlos Mena Burgos (do Serviço de Inteligência do Estado, SIE), além do anfitrião, o coronel chileno Manoel Contreras. Os dois brasileiros dissimulados que lá estavam aprovaram tudo, mas não assinaram nada, cumprindo a ordem de Geisel de presença restrita à condição de ‘observadores’.

Até os documentos desclassificados da CIA, portanto, não conseguiam quebrar o anonimato planejado pela hipocrisia brasileira. Achei estranha esta lacuna e, durante dois anos, enquanto finalizava meu livro sobre a Operação Condor, procurei identificar a dupla enviada por Brasília.  Não localizei documentos, mas os relatos de veteranos da ditadura e da comunidade de informações acabaram decifrando o mistério.

Estes são os nomes dos brasileiros ‘observadores’ que fundaram a Condor:

Flávio de Marco e Thaumaturgo Sotero Vaz.

Dois militares, dois agentes do Centro de Informações do Exército (CIE).

Dois veteranos do combate nas selvas do Araguaia (1972-1974), o maior e mais longo foco guerrilheiro do país, onde 70 combatentes comunistas de linha maoísta foram esmagados por um contingente militar que chegou a oito mil homens.

O coronel De Marco e o major Thaumaturgo estavam lá, na frente de batalha.

Quando De Marco chegou ao Araguaia, outubro de 1973, ainda resistiam 56 guerrilheiros. Quando o coronel foi embora, um ano depois, não restavam mais do que dez combatentes. Suas sepulturas nunca foram encontradas. A falta de investigação do governo sobre a violência no Araguaia levou à condenação do Brasil, em 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

O major Thaumaturgo, oficial paraquedista com curso de guerra na selva na Escola das Américas, no Canal do Panamá, comandava os ‘boinas pretas’ do Destacamento das Forças Especiais do Rio Janeiro, quando foi enviado ao Araguaia em 1972 com um pelotão de 36 homens. Em 1984, já coronel, Thaumaturgo assumiu o comando em Manaus do CIGS, o centro de guerra na selva onde treinaram os agentes da DINA do coronel Contreras, seu anfitrião na fundação da Condor uma década antes.


De Marco e Thaumaturgo estavam em Santiago por delegação expressa de Geisel e seu sucessor na presidência. Quando o coronel Figueiredo comandava no Rio o Regimento de Cavalaria de Guarda, De Marco servia ao seu lado. O general Figueiredo o levou com ele ao assumir a chefia do SNI e, quatro anos após fundar a Condor, De Marco subiu a rampa do poder com o presidente Figueiredo, na condição de diretor administrativo do Palácio do Planalto. O major Thaumaturgo foi cadete na academia militar do general Danilo Venturini, que dirigiu a ESNI, a escola frequentada por Contreras e seus rapazes da DINA, antes de assumir a chefia do Gabinete Militar no Governo Figueiredo.

Os brasileiros da Condor estavam, portanto, entre amigos.

Os observadores e seus chefes integravam uma irmandade.

A irmandade da Condor.

Um abutre carniceiro que via longe. Em 1979, quando a Condor ainda voava alto, um agente da CIA repetiu no Senado dos Estados Unidos uma frase do coronel Contreras:

— Iremos até a Austrália, se necessário, para pegar nossos inimigos.

Em novembro de 1978, a Condor foi até Porto Alegre para pegar seus inimigos.

É a capital brasileira do Cone Sul, no Estado que faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. A repressão uruguaia localizou na cidade dois ativistas da esquerda ‘requeridos’ pela ditadura: Lilian Celiberti e Universindo Rodriguez Diaz. Atravessar a fronteira seca do Rio Grande do Sul parecia ser ainda mais simples do que cruzar o Rio da Prata para sequestrar opositores em Buenos Aires.

— Brasil todavia no es Argentina! — advertiu o coronel Calixto de Armas, o homem mais poderoso da repressão, chefe do Departamento II do Comando Geral do Exército, responsável pelas ações do braço operacional da Condor uruguaia, a secreta Compañia de Contrainformaciones.  O coronel pairava acima das quatro Divisões de Exército do Uruguai e acima até do Organismo Coordenador de Operações Antisubversivas, o temido OCOA, a versão local do DOI-CODI. O coronel só recebia ordens de dois homens: seu chefe imediato, o general Manuel J. Nuñez, chefe do Estado-Maior, e do comandante-geral do Exército, general Gregório ‘Goyo’ Álvarez.

De Armas procurou um velho parceiro da irmandade da Condor no Brasil: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o homem que no Governo Médici formou a máquina de tortura do DOI-CODI da rua Tutoia, em São Paulo, e que no Governo Geisel foi chefe em Brasília do Setor de Operações do CIE, o serviço secreto do Exército. Quando fez o contato, em novembro, De Armas encontrou o camarada de repressão comandando há dez meses um quartel de artilharia em São Leopoldo, nas cercanias da capital gaúcha. A partir das instruções de Ustra, a cadeia de comando acionada na operação de Porto Alegre mostra que a loucura da Condor tinha método e hierarquia.

O Departamento II do coronel De Armas contatou desde Montevidéu o Estado-Maior do III Exército em Porto Alegre, pedindo passe livre da Condor para os homens da Compañia de Contrainformaciones. O CIE gaúcho repassou o pedido ao chefe do CIE em Brasília, general Edison Boscacci Guedes. O coronel uruguaio foi autorizado, então, a pilotar a Condor em solo gaúcho em parceria com o DOPS, a polícia política comandada pelo nome mais famoso da repressão no sul, o delegado Pedro Seelig, que desbaratou a esquerda armada na região.

Comunicando-se pelo sistema codificado criado pela CIA para a DINA do coronel Contreras, a Condortel 3 (base Uruguai)  entrou em linha com a Condortel 6 (base Brasil). Na primeira semana, a cúpula da Compañia uruguaia circulou em Porto Alegre: o comandante, major Carlos Alberto Rossel, seu subcomandante, major José Walter Bassani, e o capitão Eduardo Ramos, chefe da seção técnica. Na segunda semana, foram rendidos pelo chefe da seção administrativa, capitão Glauco Yannone. Na manhã de domingo, 12 de novembro, prenderam Lilian Celiberti na Rodoviária de Porto Alegre. O capitão Yannone e o delegado Seelig estavam lá, pela fraterna camaradagem da Condor. Universindo foi preso horas depois, com os dois filhos de Lilian — Camilo, de 8, e Francesca, de 3 anos.

Lilian e Universindo foram despidos e duramente torturados na sede do DOPS gaúcho.

O delegado Seelig observava, o capitão Yannone espancava.

O casal e as crianças foram levados pela polícia brasileira para o Chuí, na fronteira, onde os militares aplicaram novas torturas. Esperta, Lilian insinuou um encontro em Porto Alegre com o alvo principal da Condor uruguaia — Hugo Cores, o líder do PVP, o partido clandestino do qual faziam parte Lilian e Universindo.  Lilian foi trazida de volta à capital gaúcha pelo chefe do setor de operações da Compañia, o capitão Eduardo Ferro, que armou uma ratonera para capturar sua presa no apartamento da uruguaia, na rua Botafogo.

Mas foi o capitão que caiu na ratonera de Hugo Cores.

Clandestino em São Paulo, e alertado pelo silêncio de seus companheiros, Hugo Cores deu um telefonema anônimo para a sucursal da revista Veja em Porto Alegre, denunciando o desaparecimento. Quando os homens armados de Ferro e Seelig ocultos no apartamento abriram a porta, com pistolas em punho, na tarde chuvosa de 17 de novembro de 1978, não surpreenderam o esperado Hugo Cores. Na verdade, foram surpreendidos pela presença inesperada de um repórter e um fotógrafo, que ficaram ainda mais surpresos com as pistolas apontadas para suas cabeças.

Conto tudo isso porque eu era o repórter, ao lado do fotógrafo JB Scalco.

Eu olhei no olho da Condor.

Encarei a escuridão sem fim do cano da pistola entre meus olhos.

Meu amigo Scalco morreu do coração cinco anos depois, aos 32 anos.

Tenho, assim, o privilégio nada honroso de ser o único repórter do Cone Sul a sobreviver às garras da Condor.

Assumi então o desafio de contar essa história e identificar seus responsáveis, na série de reportagens que produzi ao longo de dois anos na revista Veja e no livro que publiquei, 30 anos depois do sequestro.

A inesperada aparição de dois jornalistas, algo inédito no território da Condor, obrigou os chefes uruguaios e brasileiros a abortarem a operação de Porto Alegre, voltando às pressas a Montevidéu. Dessa vez, portanto, a praxe de sangue da Condor não se cumpriria: os sequestrados sobreviveram, apesar das torturas, e não puderam ser simplesmente ‘desaparecidos’.

A denúncia do sequestro dos uruguaios em Porto Alegre virou um escândalo internacional, que mobilizou a imprensa, os partidos, os advogados, as entidades de direitos humanos.

O sequestro de Universindo, Lilian e as duas crianças é uma das 81 ações reabertas na Justiça pelo presidente José Pepe Mujica contra crimes de tortura, desaparecimento forçado e sequestro nos anos da ditadura (1973-85). No próximo dia 16 de julho, segunda-feira, estarei no tribunal da calle Missiones, em Montevidéu, depondo como testemunha do sequestro a pedido da juíza Mariana Motta. Foi ela que, em fevereiro de 2011, condenou o ex-presidente Juan María Bordaberry a 30 anos de prisão por liderar o golpe de Estado de 1973 que dissolveu o Congresso e a democracia do país. Bordaberry morreu no ano passado, aos 83 anos.

O fiasco da rua Botafogo expôs ao ridículo as ditaduras do Uruguai e do Brasil, no contexto de uma operação repressiva que nunca dava errado, que nunca deixava sobreviventes.

Em 1978, a Condor deixara para trás, vivos, quatro sequestrados e duas testemunhas para contarem como era a Condor, como agia a Condor.

Como avisara o coronel Calixto de Armas, Brasil todavia no era Argentina!.

Afinal, por que fracassou a Condor em Porto Alegre?

Por duas razões principais, que desconcertaram simultaneamente brasileiros e uruguaios por detalhes que não eram comuns em seus países.

As crianças desordenaram a rotina de eficiência do delegado Seelig e seus agentes do DOPS.   Ao contrário dos uruguaios, que roubavam os bebês de suas vítimas para entregá-los às famílias de seus algozes, a repressão brasileira não registra o desaparecimento de crianças, muito menos sua presença nas ações de busca e captura de guerrilheiros.

Os jornalistas abalaram a disciplina militar do capitão Ferro e seus parceiros da Compañia de Contrainformaciones. Ao contrário dos brasileiros, mais acostumados à insistente cobertura de uma imprensa mais incômoda sobre os excessos do regime, apesar da censura, a repressão uruguaia não concebia a presença inoportuna de jornalistas no seu local de trabalho clandestino.

De um lado e outro da fronteira, a Condor piscou, sem esconder a visível hesitação que impediu o assassinato que antes tudo resolvia, tudo desaparecia, tudo apagava.

No crepúsculo de seu governo, um mês após o sequestro de Porto Alegre, o general Geisel ordenou que o general Figueiredo, que assumiria a presidência em março de 1979, resolvesse o fiasco da Condor. Foi enviado ao sul o novo chefe do SNI, general Octávio Aguiar de Medeiros, que fracassou outra vez, na frustrada tentativa de simular uma explicação para o sumiço dos uruguaios.

Assim, num único episódio da Condor, envolveram-se sem sucesso os três generais mais influentes da ditadura brasileira tentando juntar as penas da Condor depenada em Porto Alegre.

Em uma entrevista que fiz em 1993 com o autor do telefonema anônimo, Hugo Cores, ele me dizia: “Todos os uruguaios sequestrados no exterior, algo em torno de 180, estão desaparecidos até hoje. Os únicos que estão vivos são Lilian, as crianças e Universindo. O sequestro de Porto Alegre foi o único realizado no Brasil e o último praticado pelo Uruguai. Depois dele, nunca mais houve outro”, festejava o líder do PVP.

A Condor voou com intensidade entre 1975 e 1980. E matou intensamente antes, durante e depois, com o método e a loucura das ondas sucessivas de governos militares que afogaram a democracia e a razão durante quase um século de arbítrio no Cone Sul. Nos cinco maiores países da região, foram exatos 92 anos somados de ditaduras que eram de um e eram de todos nós: Paraguai (1954-89), Brasil (1964-85), Chile (1973-90), Uruguai (1973-85) e Argentina (1976-83).

Nos tempos da Condor desatinada, a força matava pessoas e palavras, mas também inventava um novo léxico para tentar traduzir sua violência. No Chile da Condor emergiu uma nova palavra no dicionário da repressão, coalhado de presos e mortos. Surgiu a figura intermediária e angustiante do “desaparecido” – que quase sempre era uma coisa e outra, preso ou morto, sequência e consequência um do outro, e que tinha sobre eles a vantagem de isentar o Estado de explicações e justificativas.

Um “desaparecido” era uma dúvida, quem sabe um equívoco, talvez uma fatalidade, sempre um mistério que não incriminava ninguém e absolvia a todos – com exceção dos familiares da vítima, condenados ao desespero, subjugados pelo luto iminente, esmagados pela dor incessante. Um “desaparecido” só levantava suspeitas e mais perguntas, sem a garantia de certezas ou possíveis respostas. O “desaparecido” disseminava o medo. Do medo brotava o terror – e novas palavras.

O dicionário de terror da Condor fabricava uma expressão ainda mais assustadora, mais aflita: os no-nombrados, os N.N., cadáveres sem nome, sem cara, sem história, exumados no ninho da Condor por regimes de força sem coragem, sem caráter, sem futuro, sem passado. As pessoas com nomes desapareciam separadamente e, de repente, emergiam do solo covas coletivas apinhadas de mortos sem nome. No auge de seu poder, em 1979, o general argentino Jorge Videla fez uma contorcida exegese do que seria esta estranha criação dos regimes onde voava a Condor:

— O que é um desaparecido? Como tal, o desaparecido é uma incógnita… Enquanto desaparecido, não pode ter nenhum tratamento especial: é uma incógnita,  é um desaparecido, não tem identidade. Não está nem morto, nem vivo. Está desaparecido… — consolava o general da mais sangrenta ditadura do Cone Sul.

Os tiranos que caçam os opositores da tirania começam subvertendo o idioma e o sentido lógico das coisas. Carimbam como ‘subversivo’ ao resistente que ousa desafiar a opressão. Combatem o ‘terrorista’ indefeso e manietado com o aparato pesado do terror de Estado. Pregam a defesa da lei pela ação ilegal e clandestina de seus agentes. Alegam defender a democracia impondo o arbítrio. Chamam de ‘ditabranda’ o que não passa de ditadura. Revogam Constituições para aplicar Atos Institucionais. Impõem a insegurança dos cidadãos em nome da Segurança Nacional. Torturam e matam invocando a paz e a tranquilidade.  Fabricam ‘suicídios’ ou ‘atropelamentos’ quando os presos cometem o desatino de morrer sob tortura em suas masmorras. Concedem autoanistia para perdoar seus crimes imperdoáveis. Clamam pelo esquecimento para abafar a impunidade. E condenam como revanchismo o que não passa de memória.

No paraíso da Condor, os generais e seus serviçais conseguiram subverter o significado de duas das palavras mais valiosas da civilização: dignidade e liberdade.

Dignidad, no Chile da Condor, era o nome de uma colônia agrícola, 335 km ao sul de Santiago, criada por um ex-enfermeiro da  Luftwaffe nazista. Era frequentada por Pinochet e pelo coronel Contreras. Era um centro de torturas e de treinamento para interrogatórios da DINA.

Libertad, no Uruguai da Condor, 5o km a oeste de Montevidéu, era o maior presídio político do país. Abrigava 600 presos políticos. Desde junho de 1980, um deles atendia pelo nome de Universindo Rodriguez Díaz, o uruguaio sequestrado em Porto Alegre.

Dignidad virou sinônimo de tortura no Chile da Condor.

Libertad virou endereço de presídio no Uruguai da Condor.

Quando veio o golpe de 11 de setembro no Chile, um dos primeiros presos foi um general da Força Aérea, Alberto Bachelet. Ficou preso seis meses no Cárcere Público de Santiago, mas o coração não resistiu às torturas, nele e em velhos camaradas. Morreu de infarto em março de 1974, um mês antes de completar 51 anos. Foi poupado de uma forte emoção da história, 32 anos depois, quando o mesmo Partido Socialista derrubado à bala por Pinochet voltou ao poder pelo voto em 2006 elegendo como presidente uma médica pediatra de 56 anos – a filha de Alberto, Michelle Bachelet.

Em janeiro de 1975, dez meses antes do nascimento da Condor, Michelle e sua mãe foram presas e levadas vendadas para Villa Grimaldi, um famoso centro clandestino da DINA em Santiago. Lá, aos 24 anos, Michelle foi torturada.

É de Michelle Bachelet esta frase que nos inspira e consola:

— Só as feridas lavadas cicatrizam.

Passados tantos anos de tanto horror, este encontro de hoje, aqui em Brasília, na capital do país que é um envergonhado sócio fundador da Condor, mostra que começamos a lavar nossas feridas com esta forte manifestação da memória coletiva.

Todos, aqui, temos uma só mensagem a quem fez e a quem tenta esquecer tudo aquilo:

Nós sabemos, nós lembramos, nós contamos.


Brasília, 5/julho/2012


Luiz Cláudio Cunha, jornalista, é autor de Operação

Condor: o Sequestro dos Uruguaios (ed. L&PM, 2008)

cunha.luizclaudio@gmail.com


Charge do Dia

Jornalista chilena defende investigação sobre morte de Jango


A morte do ex-presidente brasileiro João Goulart durante seu exílio na Argentina “tem a marca” da Operação Condor, esquema repressivo coordenado das ditaduras sulamericanas e, por isso, só será esclarecida se investigada coordenadamente em vários países, defende a jornalista chilena Mônica González.
“Há elementos suficientes para supor que o presidente João Goulart (deposto em 1964) foi vítima da Operação Condor e considero que são estes casos emblemáticos que merecem ser tratados prioritariamente no Brasil, disse González a jornalistas ao participar de um debate sobre a Condor, em Brasília.
Para que essa investigação chegue perto da verdade, defendeu ainda a jornalista chilena que já investigou muitos casos envolvendo a Operação Condor, é preciso que haja uma colaboração de vários países e que o Brasil receba os documentos que já foram encontrados no Uruguai, no Chile e na Argentina.
Os familiares de João Goulart já disseram que o ex-presidente representava uma ameaça para o ex-ditador brasileiro Ernesto Geisel e não descartam a possibilidade que sua morte foi resultado de um processo de envenenamento implementado por agentes de inteligência da ditadura.
Mônica González considera essa hipótese plausível, embora não disponha de provas para afirmar que aconteceu de fato. Mas ela lembrou que o envenenamento era um método aplicado naqueles anos. A jornalista realizou investigações no Chile e revelou como e onde se produziram substâncias tóxicas utilizadas para assassinar dirigentes políticos.
Ela não descarta que João Goulart tenha sido morto com uma dessas “armas químicas”. A jornalista chilena está investigando agora o uso de uma toxina para assassinar o ex-presidente chileno Eduardo Frei morto em 1981.
*GilsonSampaio

domingo, julho 08, 2012

A farsa do 9 de julho: a rebelião oligárquica


São Paulo entre 5 e 9 de julho
As comemorações de 9 de julho em São Paulo exaltam uma rebelião oligárquica de oito décadas atrás. Curiosamente, outra revolta, deflagrada em 5 de julho de 1924, que contou com forte componente popular, passa em brancas nuvens nos calendários oficiais.
por Gilberto Maringoni*

Os dias 5 e 9 de julho condensam caminhos pelos quais a história paulista poderia seguir. São dois tabus no estado. Um é esquecido, o outro é exaltado.
A primeira data marca uma violenta reação ao poder do atraso, tendo por base setores médios e populares. E a segunda representa a exaltação do atraso, capitaneada pela elite regional.
Dia 5 de julho, há 88 anos, uma intrincada teia de tensões históricas desaguou no episódio que ficaria conhecido como Revolução de 1924. Suas raízes estão no agravamento de problemas sociais, no autoritarismo dos governos da República Velha e em descontentamentos nos meios militares, que já haviam gerado o movimento tenentista, dois anos antes.
Naquele duro inverno, em meio a uma crise econômica, eclodiu uma nova sublevação. Tropas do Exército e da Força Pública tomaram quartéis, estações de trem e edifícios públicos e expulsaram da cidade o governador Carlos de Campos. No comando, em sua maioria, camadas da média oficialidade. Quatro dias depois, era instalado um governo provisório, que se manteria até 27 de julho. O país vivia sob o estado de sítio do governo Arthur Bernardes (1922-1926).
Entre as reivindicações dos revoltosos estavam: “1º Voto secreto; 2º Justiça gratuita e reforma radical no sistema de nomeação e recrutamento dos magistrados (...) e 3º Reforma não nos programas, mas nos métodos de instrução pública”. No plano político, destaca-se ainda “A proibição de reeleição do Presidente da República (...) e dos governadores dos estados”.
Várias guarnições de cidades próximas aderiram ao movimento. Apesar da falta de um programa claro, setores do operariado organizado apoiaram os revolucionários e exortaram a população a auxiliá-los no que fosse possível.
Bombas, tiros e mortes

As ruas da capital foram palco de intensos combates, com direito a fuzilaria, granadas e tiros de morteiros. Cerca de trezentas trincheiras e barricadas foram abertas em diversos bairros.
A partir do dia 11, o governador deposto, instalado nas colinas da Penha, seguindo determinações do presidente da República, decidiu lançar uma carga de canhões em direção ao centro. O objetivo era aterrorizar a população e forçá-la a se insurgir contra os rebelados.
De forma intermitente, os bairros operários da Mooca, Ipiranga, Belenzinho, Brás e Centro sofreram bombardeio por vários dias. Casas modestas e fábricas foram reduzidas a escombros e cadáveres multiplicavam-se pelas ruas.
Sem conseguir dobrar a resistência, o governo federal decidiu bombardear a cidade com aviões de combate.
O fim da rebelião

Três semanas depois de iniciada, a rebelião foi acuada. Dos 700 mil habitantes da cidade, cerca de 200 mil fugiram para o interior, acotovelando-se nos trens que saiam da estação da Luz. O saldo dos 23 dias de revolta foi 503 mortos e 4.846 feridos. O número de desabrigados passou de vinte mil. No final da noite do dia 28, cerca de 3,5 mil insurgentes retiraram-se da cidade com pesado armamento em três composições ferroviárias. O destino imediato era Bauru, no centro do estado.
Deixaram um manifesto, agradecendo o apoio da população: “No desejo de poupar São Paulo de uma destruição desoladora, grosseira e infame, vamos mudar a nossa frente de trabalho e a sede governamental. (...) Deus vos pague o conforto e o ânimo que nos transmitistes”.
As tensões não cessariam. No ano seguinte, parte dos revolucionários engrossaria a Coluna Prestes (1925-1927). Mais tarde, outros tantos protagonizariam – e venceriam - a Revolução de 30.
Promovida pelas camadas médias do meio militar, o levante ganhou apoio de parcelas pobres da população. Talvez por isso seja chamada de “a revolução esquecida”.
A revolução que não foi
A segunda data, 9 de julho, é marcada pelo estopim de uma revolução que não faz jus ao nome. É exaltada e cultuada como uma manifestação de defesa intransigente da democracia, ela faz parte da criação de certa mitologia gloriosa para São Paulo.
O evento, em realidade, representa a sublevação da oligarquia cafeeira contra a Revolução de 30, que a retirou do governo e se constituiu no marco definidor do Brasil moderno.
Aquele processo não pode ser visto apenas como uma tomada de poder por um punhado de descontentes. Suas causas envolvem as contrariedades nos meios militares e tensões do próprio desenvolvimento do país. A crise de 1929 acabara de chegar, colocando em xeque o liberalismo reinante.
A Revolução consolidou a expansão das relações capitalistas, que trouxe em seu bojo a integração ao mercado – via Estado – de largos contingentes da população. O mecanismo utilizado foi a formalização do trabalho.
As novas relações sociais e a intervenção do Estado na economia – decisiva para a superação da crise e para o avanço da industrialização - implicaram uma reconfiguração e uma modernização institucional do país. A conseqüência imediata foi a perda da hegemonia da economia cafeeira, centrada principalmente em São Paulo e parte de Minas Gerais. Percebendo as mudanças no horizonte, as classes dominantes locais foram à luta em 1932.
A locomotiva e os vagões
Explodiu então a rebelião armada das forças insepultas da República Velha e da elite paulista, querendo recuperar seu domínio sobre o país.
Tendo na linha de frente a Associação Comercial e a Federação das Indústrias (FIESP), o levante tinha entre seus líderes sobrenomes importantes do Estado, como Simonsen, Mesquita, Silva Prado, Pacheco e Chaves, Alves de Lima e outros. O movimento contou com expressivo apoio popular, uma vez que os meios de comunicação (rádio, jornais e revistas) reverberaram as demandas das classes altas.
A campanha que precedeu a sublevação exacerbou uma espécie de nacionalismo paulista, incentivado por grupos separatistas. Entre esses, notabilizava-se o escritor Monteiro Lobato. A síntese da aversão local ao restante do país expressava-se na difundida frase, que classificava o estado como “a locomotiva que puxa 21 vagões vazios”, em referência às demais unidades da federação.
Contradição em termos
O objetivo do movimento, derrotado militarmente em 4 de outubro, era derrubar o governo provisório de Getulio Vargas e aprovar uma nova Constituição. Daí a criação do nome “revolução constitucionalista”, uma contradição em termos. Revolução é uma ação decidida a destruir uma ordem estabelecida. A expressão “constitucionalista” expressava uma tentativa recuperação do status quo, regido pela Carta de 1891. Se é “constitucionalista”, não poderia ser “revolução”.
Os sempre proclamados “ideais de 1932” são vagas referências à constitucionalidade e à democracia. Mas não existia, por parte da elite, nenhuma formulação que fosse muito além da recuperação da hegemonia paulista (leia-se, dos cafeicultores).
Exatos oitenta anos depois, o 9 de julho segue comemorado como a data magna do estado, uma espécie de 7 de setembro local. E os acontecimentos de 5 de julho de 1924 continuam como páginas obscuras de um passado distante.
A elite paulista voltaria ao poder em 1994, pelas mãos de Fernando Henrique Cardoso e do PSDB. Seu mote foi dado no discurso de despedida do senado, em 1994: “Um pedaço do nosso passado político ainda atravanca o presente e retarda o avanço da sociedade. Refiro-me ao legado da Era Vargas, ao seu modelo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”.
Os objetivos desse setor continuaram os mesmos, décadas depois: realizar a contra-Revolução de 30.
As tensões entre as datas – 5 e 9 de julho – expressam duas vias colocadas até hoje nos embates políticos paulistas: a saída conservadora e a saída antielitista.
*Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).


Deleite Piazzolla



Educação especial em Cuba: uma tarefa de amor infinito (+ Video)



Quase 200 delegados de Angola, Argentina, México, Costa Rica, Colombia, Venezuela e Puerto Rico, vão participar desde o 9 até o 13 de Julho em duas conferências educacionais organizadas em Cuba: o Congresso Internacional de Educação e Educação especial, e o X Encontro Internacional de Educação Inicial e pré-escolar.
O debate principal vai ser a inclusão de pessoas que precisam de educação especial. Os principais temas do Congresso incluem o processo de diagnóstico dos alunos com necessidades educativas especiais, atenção a crianças com problemas generalizados na aprendizagem e o suporte que a tecnologia pode oferecer para as pessoas com deficiências.
Os delegados podem discutir a inclusão e a atenção educacional do ensino de crianças com retardo mental, cegueira, baixa visão, surdez, autismo e limitações fisico-motoras e deficiências na comunicação.
Como um complemento para as sessões teóricas os delegados vão visitar cerca de 14 escolas da capital cubana, seis no ensino fundamental nas quais estão integradas crianças com necessidades educativas especiais. Alem disso Vão a assistir a uma exposição dos principais resultados da educação especial cubana, que comemorou 50 anos de existência em Janeiro passado.
Mais acerca de o Congresso AQUI
Mais acerca da Educação Especial em, Cuba AQUI
*Solidários

Alzheimer revertida pela primeira vez


Boas notícias!


Pela primeira vez, foi revertida a doença de Alzheimer em pacientes com a doença, há mais de um ano. 

Os cientistas usaram a técnica de estimulação cerebral profunda, que usa elétrodos para aplicar pulsos de eletricidade diretamente no cérebro.

Investigadores canadianos, da Universidade de Toronto, liderados por Andres Lozano, aplicaram estimulação cerebral profunda em seis pacientes.

Em dois destes pacientes, a deterioração da área do cérebro associada à memória não só parou de encolher como voltou a crescer.

Nos outros quatro, foi parado o processo de deterioração.

Nos portadores de Alzheimer, a região do cérebro conhecida como hipocampo é uma das primeiras a encolher.

O centro de memória funciona no hipocampo, convertendo as memórias de curto prazo em memórias de longo prazo.

Desta feita, a degradação do hipocampo revela alguns dos primeiros sintomas da doença, como a perda de memória e a desorientação.

Durante a investigação, a equipa de cientistas canadianos instalou os dispositivos no cérebro de seis pessoas que tinham sido diagnosticadas com Alzheimer, há, pelo menos, um ano.

Assim, colocaram elétrodos perto do fórnix, conjunto de neurónios que carregam sinais para o hipocampo, aplicando, depois, pequenos impulsos elétricos, 130 vezes por segundo.

Após 12 meses de estimulação, um dos pacientes teve um aumento do hipótalamo de 5% e, outro, 8%

Esta descoberta pode levar a novos caminhos para tratamentos de Alzheimer, uma vez que é a primeira vez que foi revertida a doença.

Os cientistas têm, contudo, ainda de conhecer mais sobre o modo como a estimulação funciona no cérebro.
* TVnetsapo

Davis-Monthan AFB - o maior cemitério de aeronaves do mundo


Em setembro de 1945, terminou a Segunda Guerra Mundial. Seis anos de tragédia e sofrimento para a humanidade finalmente chegaram ao fim. Logo a seguir, milhares de soldados, unidades militares e equipamentos começaram a ser desmobilizados.





                    Vista panorâmica do cemitério de aeronaves militares do AMARG


A aviação tinha desempenhado um papel fundamental durante a guerra, e milhares de aeronaves foram produzidas pelos americanos durante os anos em que estiveram envolvidos na guerra. Subitamente, deixou de haver necessidade de tantas aeronaves, e seus tripulantes estavam retornando à atividade civil. Restava, então, uma imensa tarefa: encontrar um destino adequado para essas aeronaves. Muitas sequer tinham sido entregues pelos fabricantes às forças armadas.


                           
                        Republic F-84 empilhados para venda aos sucateiros, na década de 1960


Antes e durante a guerra, muitas bases aéreas de treinamento foram construídas em lugares remotos, longe da atividade de aeronaves civis e de lugares densamente povoados. Grande parte dessas bases foram construídas nos desertos do sudoeste americano. Uma dessas bases, denominada Davis-Monthan Landing Field, foi construída como aeroporto municipal na cidade de Tucson, Arizona, em 1925. O nome da base homenageou dois pilotos nascidos em Tucson, da época da Primeira Guerra Mundial, que morreram em desastres separados, Samuel H. Davis e Oscar Monthan. Os militares começaram a usar o aeroporto a partir de 1927, e em 1940, o campo foi denominado Tucson Army Air Field. A partir dessa época, o aeroporto civil de Tucson foi realocado para outro lugar. Em 3 de dezembro de 1941, o campo foi rebatizado de Davis -Monthan Army Airfield, às vésperas do ataque japonês a Pearl Harbor.




Davis-Monthan serviu como base de treinamento para, pelo menos, 20 unidades de bombardeiros pesados e muito pesados, que utilizavam, principalmente, aeronaves Boeing B-17 Flying Fortress, Consolidated B-24 Liberator, e Boeing B-29 Superfortress, durante a Segunda Guerra Mundial. No fim da guerra, no entanto, tais unidades foram praticamente desfeitas e a situação da base ficou em um impasse, e considerou-se a hipótese de sua total desativação.



                 Os McDonnell-Douglas F-4 Phanton dominam a paisagem no AMARG


Todavia, como o Exército precisava de locais para armazenar as aeronaves retiradas de serviço ativo, a base foi mantida. O clima seco e de solo alcalino de Tucson era ideal para preservar aeronaves, pois evitava a corrosão das suas estruturas. O solo endurecido possibilitava armazenar aeronaves fora das áreas pavimentadas, mesmo se fossem muito pesadas. Davis-Monthan passou a servir, então, como muitos outros campos no deserto do sudoeste, como cemitério de aeronaves inservíveis, até que se encontrasse um destino final para as mesmas.





Belo exemplar do Convair B-58 Hustler, salvo entre as aeronaves do tipo sucateadas em Davis-Monthan AFB, em 1976.
As atividades de armazenamento e reciclagem das aeronaves militares ficaram a cargo do 4105th Army Air Force Unit. Em setembro de 1945, tais atividades empregavam 11.614 pessoas. Durante essa época, entre junho de 1945 e março de 1946, alguns dos alojamentos da base também serviram como campos de prisioneiros de guerra.


           


                                    Míssil nuclear de médio alcance Thor, desmontado no AMARC


As principais aeronaves armazenadas em Davis-Monthan foram, inicialmente, os Boeing B-29 Superfortress e os Douglas C-47. Como tais aeronaves tinham grandes chances de reaproveitamento posterior, foram preservadas cuidadosamente. Entre os aviões preservados nessa época na base estavam os dois B-29 que lançaram as bombas atômicas sobre o Japão, em agosto de 1945, o Enola Gay e o Bock's Car.





                                                      F/A 18 Hornet armazenados no AMARG


Em 1948, com a criação da United States Air Force (USAF), a base foi redenominada Davis-Monthan Air Force Base (AFB). A unidade que administrava as aeronaves armazenadas foi denominada 3040th Aircraft Storage Depot. Em 1965, o 3040th foi redenominado Military Aircraft Storage and Disposition Center (MASDC), e passou a abrigar todas as aeronaves desativadas das forças armadas americanas. A marinha americana, que tinha mantido, até então, seu próprio cemitério de aeronaves em NAS Litchfield Park, em Goodyear, Arizona. Em fevereiro de 1965, cerca de 500 aeronaves da Marinha, Fuzileiros Navais e Guarda Costeira, fora de serviço, foram deslocadas para o MADSC. A NAS Litchfield Park foi desativada em 1968, e virou um aeroporto civil. Continuou a servir como cemitério de aeronaves, agora civis, e até hoje mantém tal atividade, como destino final de aeronaves comerciais.





                   Aeronaves salvas da destruição e agora expostas no Pima Air & Space Museum


Ao redor da base, foram se estabelecendo, gradativamente, empresas civis de processamento de metais reciclados, assim como um Museu, o Pima Air & Space Museum, aberto ao público em maio de 1976. O Pima Museum tornou-se um dos maiores museus aeroespaciais do mundo, com mais de 300 aeronaves em exposição, muitas delas de grande porte e raras, como os Boeing B-52, Convair B-58 Hustler, Lockheed SR-71A Blackbird, Lockheed Constellation, Boeing KC-97, Convair B-36 Peacemaker e outras igualmente muito interessantes. Na década de 1980, o MASDC passou a servir como centro de reciclagem de antigos mísseis balísticos intercontinentais nucleares (ICBM - Intercontinental Ballistic Missiles), sendo redenominado Aerospace Maintenance and Regeneration Center (AMARC), para refletir sua real função.





                                     Fim da linha para os Lockheed Galaxy C-5, no AMARG


Normalmente, Davis-Monthan armazena somente aeronaves militares. Eventualmente, aeronaves civis aparecem por lá, no entanto. Durante a década de 1980, o Departamento da Defesa iniciou um programa de remotorização dos aviões-tanque Boeing KC-135 Stratotanker, para um modelo denominado KC-135E. Os Boeing KC-135 são originários do mesmo protótipo que originou os Boeing 707, e mostraram ser excelentes aviões-tanques, exceto quanto à motorização. Equipados com motores turbojatos Pratt & Whitney J-57-P59W, que desenvolviam 10.000 lbf de empuxo seco e 13.000 lbf de empuxo "molhado" (com injeção de água), essas aeronaves tinham sérias restrições de peso e de consumo, além de não serem equipadas com reversores de empuxo.





                                   Alguns Boeing 707 civis comprados para o Programa KC-135E


Quando as empresas aéreas passaram a substituir suas frotas de 707 por aeronaves mais modernas, entre o final do anos 70 e começo dos anos 80, a Força Aérea começou a adquirir, agressivamente, todas as células disponíveis no mercado, por preços que variavam de US$ 850.000 A US$ 950.000, dependendo da condição geral do avião.


Entre setembro de 1981 e novembro de 1990, 186 Boeing 707 e 720 foram removidos para o AMARC, acrescidos por mais 102 células quase completas até 1993. No AMARC, esses aviões tiveram seus econômicos e potentes motores Pratt & Whitney JT-3D removidos, para reequipar os KC-135.





                  Pátio do ferro velho da Southwest Alloys, um dos muitos instalados ao redor do AMARC


Uma vez despojados dos seus componentes mais úteis aos KC-135, os aviões tinham suas derivas removidas, para compensar o deslocamento do centro de gravidade pela remoção dos motores, e eram, finalmente, colocados à venda no mercado civil de sucata. Alguns desses antigos Boeing 707 ainda permanecem em poder dos militares. B-52 esperando pela guilhotina Em 31 de julho de 1991, os Estados Unidos e a União Soviética assinaram um acordo de redução de armas estratégicas, o SALT 1 (STrategic Arms Reduction Treaty), que incluiu a eliminação de 365 bombardeiros Boeing B-52. Como tal destruição deveria ser conferida por fotos de satélite pelos soviéticos, os aviões foram cortados por guilhotinas de 13 mil libras, erguidas por guindastes e cabos de aço, e depois por serras circulares elétricas, para melhor eficiência e possibilidade de reaproveitar peças de reposição. A maior parte desses B-52 cortados em pedaços ainda permanece em Davis-Monthan AFB. O número de peças de reposição disponibilizados no AMARC para os B-52 e para os KC-135 contribui, sem dúvida, para que a vida útil dessas aeronaves possa ser prorrogada até a década de 2040.


                         


                       Super Guppy ex-NASA em Davis-Monthan, após o fim do Projeto Apollo


Durante os últimos anos, uma média de 4.500 aeronaves têm permanecido no AMARC, ao mesmo tempo. Se a unidade fosse uma força aérea independente, seria a segunda maior do mundo. Em maio de 2009, o comando do AMARC foi transferido para o 309th Maintenance Wing, e redenominado AMARG - 309th Aerospace Maintenance and Regeneration Group. Existem quatro categorias de armazenamento para aviões dentro do AMARG: 


Longo Prazo: 
As aeronaves são mantidas intactas e cuidadosamente preservadas para uso futuro; 
Recuperação de Peças: 
As aeronaves são armazenadas para desmontagem, sendo utilizadas como fonte de peças de reposição; 
Aeronaves em Stand-by de curto prazo: 
As aeronaves são mantidas intactos para estadias mais curtas do que as de longo prazo, para possível reutilização imediata; 
Aeronaves excedentes do Departamento da Defesa: 
As aeronaves são vendidas inteiras ou em partes, para civis ou governos de nações amigas. 


O AMARG emprega, atualmente, 550 pessoas, quase todas civis. Os 2.600 hectares (11 km2) das instalações estão adjacentes à Davis Monthan AFB . Para cada dólar que o governo gasta funcionamento da estrutura do AMARG, ele recupera ou produz 11 dólares pela recuperação, reutilização ou venda de aeronaves ou peças de reposição no mercado. O Congresso dos Estados Unidos determina quais são os equipamentos que podem ser vendidos, e para quais clientes.



Lockheed C-141 Starlifter, cortado para venda como sucata
Um avião removido para armazenamento sofre os seguintes tratamentos: 


.Todas as armas, cargas de cadeiras de ejecção e hardware (aviônicos) classificados como de uso restrito às Forças Armadas são removidos; 
.O sistema de combustível é protegido por esgotamento, reabastecendo-se com óleo leve, e depois esgota-se novamente. Isso deixa uma película de óleo protetor no interior do tanque; 
.A aeronave é selada e protegida da luz solar, poeira e temperaturas elevadas. Isto é feito utilizando uma variedade de materiais, que vão desde um composto de plástico de vinil em spray, chamado spraylat, fornecido pela Spraylat Corporation, de uma cor opaca branca e pulverizado sobre a aeronave, até simples lonas e sacos de lixo, de material plástico. A aeronave é, então, rebocada por um jipe ou trator até a sua posição de armazenamento.



Destruição de um Grumman F-14, no AMARG
Recentemente, o AMARG esteve envolvido na destruição sumária e total das aeronaves Grumman F-14 Tomcat. Apreensivos com a possível venda de componentes dessas aeronaves à Força Aérea do Irã, no mercado negro, que ainda utiliza o tipo, o Departamento da Defesa ordenou a total destruição desses aviões, retirados de serviço pela marinha americana, sem oferecer sequer um componente intacto para o mercado civil. Até mesmo alguns F-14 cedidos para museus foram confiscados e destruídos.





                                                                Fim de um F-14, no AMARG


O acesso ao AMARG é, obviamente, restrito a empregados civis e militares das forças armadas, ou a pessoas por eles autorizadas. Entretanto, a sua visitação é possível, a bordo de ônibus operados pelo vizinho Pima Air & Space Museum, exceto nos finais de semana. Não é permitido descer do ônibus durante o passeio. O Pima Museum também oferece um passeio ao Titan Missile Museum, um silo de míssil ICBM, com um míssil desarmado Titan II ainda em seu interior, Um passeio no Pima Air & Space Museum, então, é um programa realmente imperdível para o turista que visita o Arizona.  


Fonte: Cultura Aeronautica - Por JONAS LIASCH


do blog HANGAR DO VINNA
*Cutucandodeleve