Cunha expõe as garras
da Condor (e de Geisel)
O
Conversa Afiada
reproduz importante palestra do jornalista Luiz Claudio Cunha na Câmara
dos Deputados sobre a Operação Condor (não deixe de ler tembém “
Geisel armou Pinochet“).
Seminário Internacional sobre a Operação Condor
Câmara dos Deputados – Brasília, Brasil – 5/julho/2012
As garras do Brasil na Condor
Luiz Cláudio Cunha *
A mais longa ditadura da maior
nação do continente não poderia ficar de fora do clube mais sinistro dos
regimes militares da América do Sul. O Brasil dos generais do regime de
1964 estava lá, de corpo e alma, na reunião secreta em Santiago do
Chile, em novembro de 1975, que criou a Operação Condor.
Nascia a mais articulada e mais ampla
manifestação de terrorismo de Estado na história mundial. Nunca houve
uma coordenação tão extensa entre tantos países para um combate tão
impiedoso e sangrento a grupos de dissensão política ou de luta armada,
confrontados à margem das leis por técnicas consagradas no submundo do
crime.
Tempos depois, em 1991, as democracias
renascidas da região construíram um difícil pacto de integração política
e econômica batizado de Mercosul. Dezesseis anos antes, contudo, os
generais das seis ditaduras do Cone Sul — Chile, Argentina, Brasil,
Uruguai, Paraguai e Bolívia — tinham conseguido realizar, a ferro e
fogo, uma proeza ainda mais improvável: um secreto entendimento pela
desintegração física, política e psicológica de milhares de pessoas.
A Operação Condor trouxe para dentro do
Estado ilegítimo das ditaduras as práticas ilegais da violência de
bandos paramilitares, transformando agentes da lei em executores ou
cúmplices encapuzados de uma dissimulada política oficial de extermínio.
O envolvimento de efetivos regulares da
segurança com as práticas bandoleiras de grupos assassinos explica, de
alguma forma, a leniência e depois a conivência com o crime por parte de
corporações historicamente fundadas na lei e na ordem. O Esquadrão da
Morte, em países como Brasil, Argentina e Uruguai, contaminou o
Exército. O Exército perdeu os limites com a obsessão da guerra
antisubversiva. A luta contra a guerrilha transbordou as fronteiras da
lei e exacerbou a violência. A virulência clandestina e sem controle do
esquadrão empolgou o Exército. O Exército apodreceu com o Esquadrão da
Morte. O esquadrão confundiu-se com o Exército, o Exército virou um
esquadrão.
A Condor, enfim, reconheceu tudo isso e criminalizou os regimes militares do Cone Sul.
Dois policiais resumem este mergulho
criminoso do poder no Brasil e no Uruguai. O americano Dan Mitrione era
especialista em interrogatórios do Serviço de Segurança Pública (OPS, na
sigla em inglês), uma agência americana de fachada da CIA extinta um
ano antes do nascimento da Condor. Em 16 anos de vida, treinou um milhão
de policiais no chamado Terceiro Mundo. Mitrione desembarcou no Rio de
Janeiro um ano antes do golpe de 1964 e ao sair, três anos depois, a OPS
tinha adestrado 100 mil agentes brasileiros, 1/6 da força policial do
país. Mitrione assumiu a OPS do Uruguai em 1969, quatro anos antes do
golpe de Bordaberry, com um lema que definia seus princípios: “A dor
precisa, no lugar preciso, na quantidade precisa, para o efeito
desejado”.
O brasileiro Sérgio Fleury, delegado do
DOPS, era internacionalmente conhecido como líder do clandestino
Esquadrão da Morte, de onde importou métodos de combate ao crime comum
para uso na repressão política. Seis meses antes do golpe de junho de
1973, o embaixador americano em Montevidéu, Charles Wallace Adair Jr.,
avisou Washington que oficiais da alta hierarquia militar do Uruguai
foram treinados no final de 1971 pelo Brasil para combater a
insurgência. Um dos treinadores brasileiro levados aos aprendizes de
Mitrione era o experiente Fleury.
O embaixador detalhou a ação de órgãos
de segurança da Argentina (Secretaria de Inteligência do Estado, SIDE) e
do Brasil (Serviço Nacional de Informações, SNI) no apoio a grupos
uruguaios clandestinos: “Os brasileiros reconhecidamente aconselharam e
treinaram oficiais militares e policiais uruguaios envolvidos em grupos
contra-terroristas que se responsabilizaram por atentados a bomba,
sequestros e até mesmo assassinatos de suspeitos de pertencerem à
esquerda radical”. Na Argentina, o delegado-chefe da Polícia Federal em
Buenos Aires era Alberto Villar, fundador em 1973 da versão local do
Esquadrão da Morte, a clandestina Triple A, ou Aliança Anticomunista
Argentina, acusada de quase 2 mil mortes em dez anos de crimes.
Quase dois anos antes da formalização
da Condor, os seis países da região fizeram uma reunião secreta em
Buenos Aires, em fevereiro de 1974. O ‘I Seminário de Polícia sobre a
Luta Antisubversiva no Cone Sul’ reunia os chefes da Polícia Federal,
alguns deles oficiais do Exército — casos do Brasil, Argentina e
Paraguai. Acertaram “novas formas de colaboração transnacional para
confrontar a ameaça subversiva”, conforme o general Miguel Angel
Iñiguez, chefe da Polícia Federal argentina, anunciando a decisão final
de operações conjuntas “contra inimigos políticos em qualquer dos países
associados”.
A preocupação anticomunista se aguçou
com a revolução castrista em Cuba e entrou na pauta dos quartéis do
continente, que se reuniam regularmente na Conferencia dos Exércitos
Americanos (CEA). No 10º encontro, realizado em Caracas uma semana antes
do golpe de Pinochet em 1973, o general brasileiro Breno Borges Fortes
propôs “ampliar a troca de experiências ou informações” na guerra ao
comunismo.
Em 1976, na Nicarágua do ditador Somoza, disse o chefe da delegação argentina na CEA:
— A guerra ideológica não respeita
fronteiras — avisou o general Roberto Viola, que carregava no sobrenome a
crença de quem não reconhece limites no combate à subversão. Quatro
anos antes, este desbordamento da violência ficou evidente no Uruguai.
Em fevereiro de 1972, os guerrilheiros
Tupamaros sequestraram um fotógrafo em Montevidéu. Nelson Bardessio era
mais do que isso: era também policial, segurança e motorista do
americano William Cantrell, o homem da CIA no Uruguai. O policial
revelou ser membro do Esquadrão da Morte que agia dentro da DNII,
Dirección Nacional de Información y Inteligencia, a central de polícia
abastecida pela CIA de Cantrell com equipamento de tortura.
As ordens do ministro do Interior,
Santiago de Brum Carbajal, eram repassadas ao esquadrão pelo
vice-ministro Armando Acosta y Lara. Bardessio revelou que o próprio
secretário pessoal do presidente Pacheco Areco, Carlos Piran, conseguiu
junto à SIDE (a Secretaria de Inteligência do Estado argentino) a
gelinita explosiva com que o Esquadrão da Morte praticou quatro
atentados em Montevidéu. O motorista da CIA contou que ele fizera parte
de uma equipe de cinco policiais treinados pela SIDE em Buenos Aires em
“atividades antiterroristas” e “técnicas de vigilância”. Outros dois
agentes, disse Bardessio, foram enviados ao Brasil para exercitar
“operações de Esquadrão da Morte”.
Os futuros quadros da Condor começaram a
se formar nesta geleia geral que misturava gelinita com militares,
policiais, agentes secretos, torturadores e terroristas paramilitares.
Ali mesmo em Montevidéu, três anos depois, a Condor começou a sair do
ovo. Em outubro de 1975, nos salões exclusivos do hotel Carrasco,
reuniu-se a 11ª CEA, a conferência dos Exércitos. Num encontro prévio,
os chefes dos serviços secretos do continente ouviram a proposta de seu
camarada chileno, um certo coronel Manuel Contreras, chefe da Dirección
Nacional de Inteligência (DINA), a polícia política de Pinochet, para a
criação de “um programa repressivo transnacional”.
A proposta foi aprovada, e Contreras
não perdeu tempo. Despachou o vice-diretor da DINA, o coronel da Força
Aérea Mário Jahn, direto de Montevidéu para Assunção, onde entregou ao
general Francisco Brítez, chefe da repressão do Governo Stroessner, o
convite para uma reunião “absolutamente secreta” em Santiago do Chile
para o mês seguinte, novembro.
O nº 2 da DINA, antes de voltar para
casa, fez uma segunda escala, um pouco acima no mapa: Brasília. Aqui,
entregou o convite e a agenda de dez páginas da pomposa ‘Iª Reunión de
Trabajo de Inteligencia Nacional’ a um fraterno amigo de Contreras: o
general João Baptista Figueiredo, o chefe do Serviço Nacional de
Informações (SNI) do Governo Geisel.
As duas ditaduras tinham muito em
comum. O palácio La Moneda ainda fumegava com as bombas de sete ataques
da Força Aérea quando o embaixador brasileiro Antônio Cândido Câmara
Canto adentrou a Escola Militar de Santiago no instante em que o
quarteto da Junta Militar prestava juramento como novo centro de poder.
– Ainda estávamos disparando quando
chegou o embaixador e nos comunicou o reconhecimento – registrou o
próprio Pinochet, assombrado com a ligeireza que tornou o Brasil o
primeiro governo do planeta a estabelecer vínculos formais com a nova
ordem.
Dissimulados, os Estados Unidos de
Nixon e Kissinger esperaram baixar a poeira das bombas e só reconheceram
a ditadura Pinochet treze dias depois do Brasil. O espaço aéreo chileno
ainda estava fechado, horas depois do golpe, quando quatro aviões
militares brasileiros pousaram na base de Santiago, oficialmente levando
apenas remédios e mantimentos.
No Brasil, o apoio encoberto ao golpe
foi imediato. Um acordo, articulado no Governo Médici (1969-1974) e
executado no Governo Geisel (1974-1979), garantiu fuzis e munição para a
repressão interna no Chile, como revelou no domingo (1/julho) a
repórter Júnia Gama, de O Globo, com base em documentos inéditos do
extinto EMFA (Estado-Maior das Forças Armadas). Um ofício de 17 de
janeiro de 1975 revela a ordem secreta do EMFA para raspar o logotipo da
República nos fuzis tipo FAL para não permitir a identificação da
cumplicidade brasileira nas armas produzidas na fábrica do Exército em
Itajubá, Minas Gerais.
O próprio Manuel Contreras afiara suas
garras no Brasil. Um interlocutor do coronel, o americano Robert
Scherrer, chefe do escritório do FBI em Buenos Aires, diz que o chileno
foi treinado em Brasília. O golpe mal completara um mês quando um
economista brasileiro da CEPAL foi incorporado aos dez mil prisioneiros
reunidos no Estádio Nacional de Santiago. José Serra, ex-presidente da
União Nacional dos Estudantes, chegou a ouvir gente fazendo
interrogatório em português. Os agentes do SNI foram ao Chile depois do
golpe para obter informações de esquerdistas brasileiros, enquanto
oficiais chilenos vinham ao Brasil para treinamento na Escola Nacional
de Informações, a ESNI – que serviu de inspiração a Contreras na
formatação de sua DINA.
Entre os 24 mil documentos da
Inteligência americana sobre o Chile, desclassificados no Governo
Clinton, existe um memorando secreto que o general Vernon Walters, o
vice-diretor da CIA, mandou em julho de 1975 ao assessor de Segurança
Nacional do presidente Ford, Brent Scowcroft. Ele retransmitia o apelo
que Pinochet, inusitadamente aflito pelo risco de isolamento
internacional, mandava para a Casa Branca. No item 3 da nota, Walters
mostrava a intimidade brasileira com Pinochet: “Os chilenos sabem que
não conseguem obter ajuda direta por causa da oposição do Congresso
[americano]. Querem saber se há algum modo de conseguir essa ajuda
indiretamente, via Espanha, Taiwan, Brasil ou República da Coréia”.
O general americano nem precisou lembrar. Mas os quatro países, por coincidência, eram ferozes ditaduras anticomunistas.
Dois meses depois, em setembro de 1975,
Pinochet e o vice-diretor da DINA, coronel aviador Mario Jahn,
discutiram a expansão internacional da repressão chilena. O coronel era o
homem encarregado por Contreras de pilotar as incursões além-fronteiras
da Condor, desafio que sempre demandava gastos maiores. Na conversa na
sala de jantar do general, presenciada por um civil amigo de Pinochet,
Jahn explicou:
– Os americanos estão ajudando por meio
do Brasil. Este é o momento de se mover, avançar e levar a luta para o
nível mundial – propôs o coronel a Pinochet, informado de que
treinamento da CIA era fornecido por meio do Brasil. Brasília era
definida, na conversa, como o “canal de treinamento” de técnicas de
interrogatório e tortura para os agentes da DINA.
Um memorando de 15 de setembro de 1975
de Contreras a Pinochet pede um reforço de US$ 600 mil no orçamento
daquele ano da DINA. No item 1 da nota, o coronel justifica ao general:
“Aumento do pessoal da DINA ligado às missões diplomáticas do Chile. Um
total de dez pessoas: 2 no Peru, 2 no Brasil, 2 na Argentina, 1 na
Venezuela, 1 na Costa Rica, 1 na Bélgica e 1 na Itália.”
Em 1999, o jornal O Globo deu outra
pista segura sobre a presença da DINA em solo brasileiro. Ele revelou
uma destinação adicional ao pedido de verbas feito por Contreras a
Pinochet em 1975: o custeio dos oficiais da DINA que, a cada dois meses,
faziam um curso de seis semanas no Centro de Instrução de Guerra na
Selva (CIGS) do Exército brasileiro, em Manaus, no coração da maior
floresta tropical do mundo.
Durante algum tempo, um de seus
principais instrutores foi o adido militar da embaixada da França em
Brasília entre 1973 e 1975. O general Paul Aussaresses, especialista em
inteligência, era veterano de duas épicas derrotas francesas em guerras
coloniais: a da Indochina (1946-1954) e a da Argélia (1954-1962). Foi
herói na Segunda Guerra Mundial, saltando de paraquedas na Normandia
para fazer a ligação entre a Resistência francesa e as tropas aliadas do
Dia D. Foi vilão no fronte argelino, como mestre da tortura aplicada
pelas tropas paraquedistas do general Jacques Massu. Graças a
Aussaresses, a França introduziu no seu vocabulário uma deformação
paraestatal que só condenava nos outros povos: os macabros ‘esquadrões
da morte’.
Quase duas décadas antes do jornalista
Vladimir Herzog aparecer “suicidado” no porão do DOI-CODI em São Paulo,
Aussaresses mandou “suicidar” em Argel um dos líderes da Frente de
Liberação Nacional (FLN), o argelino Larbi Ben M’Hidi, que apareceu
enforcado na prisão após um interrogatório pesado, em 1957. Na
sequência, outro suicídio: o influente advogado Ali Boumendjel
“atirou-se” do sexto andar do prédio onde estava preso. Em 2000, o
general reconheceu que nenhum se suicidara. Ambos foram mortos pela
tortura executada sob suas ordens. Mas Aussaresses não se arrependia:
– A tortura é um mal menor, mas necessário, que deve ser usado para evitar o mal maior do terrorismo.
O mesmo argumento consolador foi usado
pelo general Ernesto Geisel no depoimento que prestou ao CPDOC da
Fundação Getúlio Vargas, ao dizer:
— Acho que a tortura em certos casos
torna-se necessária, para obter confissões. (…) Não justifico a tortura,
mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a
praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar
um mal maior — explicou Geisel.
Apesar da tolerância, o ditador
brasileiro ainda simulava espanto com a ousadia da repressão de
Pinochet. Em setembro de 1974, uma bomba da DINA explodiu em Buenos
Aires o carro do ex-comandante do Exército chileno, Carlos Pratts,
matando o general legalista e sua mulher. Quatro meses depois, quando
Figueiredo sugeriu uma aproximação entre o SNI e a DINA, Geisel vetou:
— Eles que venham aqui ver a ESNI –
disse o presidente, segundo anotação de 10 de janeiro de 1975 do
secretário particular Heitor Ferreira, revelada pelo jornalista Elio
Gaspari. Exatamente uma semana depois, o EMFA do general Geisel mandaria
raspar o logotipo das armas que seu hipócrita governo fornecia
clandestinamente à ditadura chilena.
Os chilenos, apesar do fingimento de
Geisel, já frequentavam a Escola Nacional de Informações do SNI em
Brasília desde o ano anterior, logo após a criação da DINA. O que Geisel
não queria, realmente, era misturar suas tropas de repressão com as de
Pinochet. Além disso, havia um erro de origem no convite de Contreras a
Figueiredo para a reunião no Chile. Por definição, o SNI era um órgão de
informação do presidente da República. Assim, o SNI não era o braço
operacional no combate à luta armada. A missão em Santiago, por dever de
ofício, cabia ao Centro de Informações do Exército.
Era o CIE que guerreava o que o SNI informava.
Esta era a lógica – e Figueiredo
repassou o encargo a quem de direito, o general Confúcio Danton de Paula
Avelino, o chefe do CIE, com uma recomendação especial de Geisel:
reduzir a presença brasileira em Santiago. Em vez de três, como pedia
Contreras, o Brasil mandaria apenas dois militares – um coronel e um
major, com ordens estritas para escutar mais do que falar.
O Brasil não tinha muitas ideias
para uma ação coletiva, mas queria preservar as ações bilaterais, caso a
caso, quando ações repressivas fossem necessárias. Uma última
recomendação de Figueiredo, repassando a ordem de Geisel: reduzir a
participação brasileira à condição de observador, sem autorização para
firmar nenhum documento.
Na manhã ensolarada de 25 de novembro
de 1975, uma terça-feira, os dois brasileiros se juntaram a outros treze
militares disfarçados de terno e gravata que ocuparam o grande salão da
mansão da Alameda O’Higgins onde funcionava a Academia de Guerra do
Exército, na capital chilena. A voz aguda de Pinochet ocupou um pedaço
da sessão de hora e meia da abertura. Depois, Contreras assumiu o
controle, pronunciando seu mantra favorito: “A subversão não reconhece
fronteiras nem países”.
A repressão que assombrava o Cone Sul
desde a década anterior agora tinha uma organização, um código e um
método — e a loucura de sempre. A operação clandestina ganhou o nome de
Condor, o abutre típico dos Andes, que agora abria suas asas sobre os
povos e os países da região sem fronteiras para um terror de Estado sem
limites. A velha e informal prática da troca de informações e de
prisioneiros entre ditaduras camaradas tinha agora uma grife que ninguém
ainda conhecia pelo nome, mas já temiam pelo terror contagiante de quem
perdia parentes e companheiros, desaparecidos na treva e na noite sem
fim.
A ata de fundação desse clube com
licença para matar foi assinada pelos representantes de cinco dos seis
países fundadores. O capitão argentino Jorge Demetrio Casas (diretor de
operações do Serviço de Inteligência do Estado, SIDE), o coronel
uruguaio José Fons (subdiretor do Serviço de Inteligência de Defensa,
SID), o coronel paraguaio Benito Guanes Serrano (chefe do Departamento
de Inteligência do EMFA), o major boliviano Carlos Mena Burgos (do
Serviço de Inteligência do Estado, SIE), além do anfitrião, o coronel
chileno Manoel Contreras. Os dois brasileiros dissimulados que lá
estavam aprovaram tudo, mas não assinaram nada, cumprindo a ordem de
Geisel de presença restrita à condição de ‘observadores’.
Até os documentos desclassificados da
CIA, portanto, não conseguiam quebrar o anonimato planejado pela
hipocrisia brasileira. Achei estranha esta lacuna e, durante dois anos,
enquanto finalizava meu livro sobre a Operação Condor, procurei
identificar a dupla enviada por Brasília. Não localizei documentos, mas
os relatos de veteranos da ditadura e da comunidade de informações
acabaram decifrando o mistério.
Estes são os nomes dos brasileiros ‘observadores’ que fundaram a Condor:
Flávio de Marco e Thaumaturgo Sotero Vaz.
Dois militares, dois agentes do Centro de Informações do Exército (CIE).
Dois veteranos do combate nas selvas do
Araguaia (1972-1974), o maior e mais longo foco guerrilheiro do país,
onde 70 combatentes comunistas de linha maoísta foram esmagados por um
contingente militar que chegou a oito mil homens.
O coronel De Marco e o major Thaumaturgo estavam lá, na frente de batalha.
Quando De Marco chegou ao Araguaia,
outubro de 1973, ainda resistiam 56 guerrilheiros. Quando o coronel foi
embora, um ano depois, não restavam mais do que dez combatentes. Suas
sepulturas nunca foram encontradas. A falta de investigação do governo
sobre a violência no Araguaia levou à condenação do Brasil, em 2010,
pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.
O major Thaumaturgo, oficial
paraquedista com curso de guerra na selva na Escola das Américas, no
Canal do Panamá, comandava os ‘boinas pretas’ do Destacamento das Forças
Especiais do Rio Janeiro, quando foi enviado ao Araguaia em 1972 com um
pelotão de 36 homens. Em 1984, já coronel, Thaumaturgo assumiu o
comando em Manaus do CIGS, o centro de guerra na selva onde treinaram os
agentes da DINA do coronel Contreras, seu anfitrião na fundação da
Condor uma década antes.
De Marco e Thaumaturgo estavam em
Santiago por delegação expressa de Geisel e seu sucessor na presidência.
Quando o coronel Figueiredo comandava no Rio o Regimento de Cavalaria
de Guarda, De Marco servia ao seu lado. O general Figueiredo o levou com
ele ao assumir a chefia do SNI e, quatro anos após fundar a Condor, De
Marco subiu a rampa do poder com o presidente Figueiredo, na condição de
diretor administrativo do Palácio do Planalto. O major Thaumaturgo foi
cadete na academia militar do general Danilo Venturini, que dirigiu a
ESNI, a escola frequentada por Contreras e seus rapazes da DINA, antes
de assumir a chefia do Gabinete Militar no Governo Figueiredo.
Os brasileiros da Condor estavam, portanto, entre amigos.
Os observadores e seus chefes integravam uma irmandade.
A irmandade da Condor.
Um abutre carniceiro que via longe. Em
1979, quando a Condor ainda voava alto, um agente da CIA repetiu no
Senado dos Estados Unidos uma frase do coronel Contreras:
— Iremos até a Austrália, se necessário, para pegar nossos inimigos.
Em novembro de 1978, a Condor foi até Porto Alegre para pegar seus inimigos.
É a capital brasileira do Cone Sul, no
Estado que faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. A repressão
uruguaia localizou na cidade dois ativistas da esquerda ‘requeridos’
pela ditadura: Lilian Celiberti e Universindo Rodriguez Diaz. Atravessar
a fronteira seca do Rio Grande do Sul parecia ser ainda mais simples do
que cruzar o Rio da Prata para sequestrar opositores em Buenos Aires.
— Brasil todavia no es Argentina! —
advertiu o coronel Calixto de Armas, o homem mais poderoso da repressão,
chefe do Departamento II do Comando Geral do Exército, responsável
pelas ações do braço operacional da Condor uruguaia, a secreta Compañia
de Contrainformaciones. O coronel pairava acima das quatro Divisões de
Exército do Uruguai e acima até do Organismo Coordenador de Operações
Antisubversivas, o temido OCOA, a versão local do DOI-CODI. O coronel só
recebia ordens de dois homens: seu chefe imediato, o general Manuel J.
Nuñez, chefe do Estado-Maior, e do comandante-geral do Exército, general
Gregório ‘Goyo’ Álvarez.
De Armas procurou um velho parceiro da
irmandade da Condor no Brasil: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra,
o homem que no Governo Médici formou a máquina de tortura do DOI-CODI
da rua Tutoia, em São Paulo, e que no Governo Geisel foi chefe em
Brasília do Setor de Operações do CIE, o serviço secreto do Exército.
Quando fez o contato, em novembro, De Armas encontrou o camarada de
repressão comandando há dez meses um quartel de artilharia em São
Leopoldo, nas cercanias da capital gaúcha. A partir das instruções de
Ustra, a cadeia de comando acionada na operação de Porto Alegre mostra
que a loucura da Condor tinha método e hierarquia.
O Departamento II do coronel De Armas
contatou desde Montevidéu o Estado-Maior do III Exército em Porto
Alegre, pedindo passe livre da Condor para os homens da Compañia de
Contrainformaciones. O CIE gaúcho repassou o pedido ao chefe do CIE em
Brasília, general Edison Boscacci Guedes. O coronel uruguaio foi
autorizado, então, a pilotar a Condor em solo gaúcho em parceria com o
DOPS, a polícia política comandada pelo nome mais famoso da repressão no
sul, o delegado Pedro Seelig, que desbaratou a esquerda armada na
região.
Comunicando-se pelo sistema codificado
criado pela CIA para a DINA do coronel Contreras, a Condortel 3 (base
Uruguai) entrou em linha com a Condortel 6 (base Brasil). Na primeira
semana, a cúpula da Compañia uruguaia circulou em Porto Alegre: o
comandante, major Carlos Alberto Rossel, seu subcomandante, major José
Walter Bassani, e o capitão Eduardo Ramos, chefe da seção técnica. Na
segunda semana, foram rendidos pelo chefe da seção administrativa,
capitão Glauco Yannone. Na manhã de domingo, 12 de novembro, prenderam
Lilian Celiberti na Rodoviária de Porto Alegre. O capitão Yannone e o
delegado Seelig estavam lá, pela fraterna camaradagem da Condor.
Universindo foi preso horas depois, com os dois filhos de Lilian —
Camilo, de 8, e Francesca, de 3 anos.
Lilian e Universindo foram despidos e duramente torturados na sede do DOPS gaúcho.
O delegado Seelig observava, o capitão Yannone espancava.
O casal e as crianças foram levados
pela polícia brasileira para o Chuí, na fronteira, onde os militares
aplicaram novas torturas. Esperta, Lilian insinuou um encontro em Porto
Alegre com o alvo principal da Condor uruguaia — Hugo Cores, o líder do
PVP, o partido clandestino do qual faziam parte Lilian e Universindo.
Lilian foi trazida de volta à capital gaúcha pelo chefe do setor de
operações da Compañia, o capitão Eduardo Ferro, que armou uma ratonera
para capturar sua presa no apartamento da uruguaia, na rua Botafogo.
Mas foi o capitão que caiu na ratonera de Hugo Cores.
Clandestino em São Paulo, e alertado
pelo silêncio de seus companheiros, Hugo Cores deu um telefonema anônimo
para a sucursal da revista Veja em Porto Alegre, denunciando o
desaparecimento. Quando os homens armados de Ferro e Seelig ocultos no
apartamento abriram a porta, com pistolas em punho, na tarde chuvosa de
17 de novembro de 1978, não surpreenderam o esperado Hugo Cores. Na
verdade, foram surpreendidos pela presença inesperada de um repórter e
um fotógrafo, que ficaram ainda mais surpresos com as pistolas apontadas
para suas cabeças.
Conto tudo isso porque eu era o repórter, ao lado do fotógrafo JB Scalco.
Eu olhei no olho da Condor.
Encarei a escuridão sem fim do cano da pistola entre meus olhos.
Meu amigo Scalco morreu do coração cinco anos depois, aos 32 anos.
Tenho, assim, o privilégio nada honroso de ser o único repórter do Cone Sul a sobreviver às garras da Condor.
Assumi então o desafio de contar essa
história e identificar seus responsáveis, na série de reportagens que
produzi ao longo de dois anos na revista Veja e no livro que publiquei,
30 anos depois do sequestro.
A inesperada aparição de dois
jornalistas, algo inédito no território da Condor, obrigou os chefes
uruguaios e brasileiros a abortarem a operação de Porto Alegre, voltando
às pressas a Montevidéu. Dessa vez, portanto, a praxe de sangue da
Condor não se cumpriria: os sequestrados sobreviveram, apesar das
torturas, e não puderam ser simplesmente ‘desaparecidos’.
A denúncia do sequestro dos uruguaios
em Porto Alegre virou um escândalo internacional, que mobilizou a
imprensa, os partidos, os advogados, as entidades de direitos humanos.
O sequestro de Universindo, Lilian e as
duas crianças é uma das 81 ações reabertas na Justiça pelo presidente
José Pepe Mujica contra crimes de tortura, desaparecimento forçado e
sequestro nos anos da ditadura (1973-85). No próximo dia 16 de julho,
segunda-feira, estarei no tribunal da calle Missiones, em Montevidéu,
depondo como testemunha do sequestro a pedido da juíza Mariana Motta.
Foi ela que, em fevereiro de 2011, condenou o ex-presidente Juan María
Bordaberry a 30 anos de prisão por liderar o golpe de Estado de 1973 que
dissolveu o Congresso e a democracia do país. Bordaberry morreu no ano
passado, aos 83 anos.
O fiasco da rua Botafogo expôs ao
ridículo as ditaduras do Uruguai e do Brasil, no contexto de uma
operação repressiva que nunca dava errado, que nunca deixava
sobreviventes.
Em 1978, a Condor deixara para trás,
vivos, quatro sequestrados e duas testemunhas para contarem como era a
Condor, como agia a Condor.
Como avisara o coronel Calixto de Armas, Brasil todavia no era Argentina!.
Afinal, por que fracassou a Condor em Porto Alegre?
Por duas razões principais, que
desconcertaram simultaneamente brasileiros e uruguaios por detalhes que
não eram comuns em seus países.
As crianças desordenaram a rotina de
eficiência do delegado Seelig e seus agentes do DOPS. Ao contrário dos
uruguaios, que roubavam os bebês de suas vítimas para entregá-los às
famílias de seus algozes, a repressão brasileira não registra o
desaparecimento de crianças, muito menos sua presença nas ações de busca
e captura de guerrilheiros.
Os jornalistas abalaram a disciplina
militar do capitão Ferro e seus parceiros da Compañia de
Contrainformaciones. Ao contrário dos brasileiros, mais acostumados à
insistente cobertura de uma imprensa mais incômoda sobre os excessos do
regime, apesar da censura, a repressão uruguaia não concebia a presença
inoportuna de jornalistas no seu local de trabalho clandestino.
De um lado e outro da fronteira, a
Condor piscou, sem esconder a visível hesitação que impediu o
assassinato que antes tudo resolvia, tudo desaparecia, tudo apagava.
No crepúsculo de seu governo, um mês
após o sequestro de Porto Alegre, o general Geisel ordenou que o general
Figueiredo, que assumiria a presidência em março de 1979, resolvesse o
fiasco da Condor. Foi enviado ao sul o novo chefe do SNI, general
Octávio Aguiar de Medeiros, que fracassou outra vez, na frustrada
tentativa de simular uma explicação para o sumiço dos uruguaios.
Assim, num único episódio da Condor,
envolveram-se sem sucesso os três generais mais influentes da ditadura
brasileira tentando juntar as penas da Condor depenada em Porto Alegre.
Em uma entrevista que fiz em 1993 com o
autor do telefonema anônimo, Hugo Cores, ele me dizia: “Todos os
uruguaios sequestrados no exterior, algo em torno de 180, estão
desaparecidos até hoje. Os únicos que estão vivos são Lilian, as
crianças e Universindo. O sequestro de Porto Alegre foi o único
realizado no Brasil e o último praticado pelo Uruguai. Depois dele,
nunca mais houve outro”, festejava o líder do PVP.
A Condor voou com intensidade entre
1975 e 1980. E matou intensamente antes, durante e depois, com o método e
a loucura das ondas sucessivas de governos militares que afogaram a
democracia e a razão durante quase um século de arbítrio no Cone Sul.
Nos cinco maiores países da região, foram exatos 92 anos somados de
ditaduras que eram de um e eram de todos nós: Paraguai (1954-89), Brasil
(1964-85), Chile (1973-90), Uruguai (1973-85) e Argentina (1976-83).
Nos tempos da Condor desatinada, a
força matava pessoas e palavras, mas também inventava um novo léxico
para tentar traduzir sua violência. No Chile da Condor emergiu uma nova
palavra no dicionário da repressão, coalhado de presos e mortos. Surgiu a
figura intermediária e angustiante do “desaparecido” – que quase sempre
era uma coisa e outra, preso ou morto, sequência e consequência um do
outro, e que tinha sobre eles a vantagem de isentar o Estado de
explicações e justificativas.
Um “desaparecido” era uma dúvida, quem
sabe um equívoco, talvez uma fatalidade, sempre um mistério que não
incriminava ninguém e absolvia a todos – com exceção dos familiares da
vítima, condenados ao desespero, subjugados pelo luto iminente,
esmagados pela dor incessante. Um “desaparecido” só levantava suspeitas e
mais perguntas, sem a garantia de certezas ou possíveis respostas. O
“desaparecido” disseminava o medo. Do medo brotava o terror – e novas
palavras.
O dicionário de terror da Condor
fabricava uma expressão ainda mais assustadora, mais aflita: os
no-nombrados, os N.N., cadáveres sem nome, sem cara, sem história,
exumados no ninho da Condor por regimes de força sem coragem, sem
caráter, sem futuro, sem passado. As pessoas com nomes desapareciam
separadamente e, de repente, emergiam do solo covas coletivas apinhadas
de mortos sem nome. No auge de seu poder, em 1979, o general argentino
Jorge Videla fez uma contorcida exegese do que seria esta estranha
criação dos regimes onde voava a Condor:
— O que é um desaparecido? Como tal, o
desaparecido é uma incógnita… Enquanto desaparecido, não pode ter nenhum
tratamento especial: é uma incógnita, é um desaparecido, não tem
identidade. Não está nem morto, nem vivo. Está desaparecido… — consolava
o general da mais sangrenta ditadura do Cone Sul.
Os tiranos que caçam os opositores da
tirania começam subvertendo o idioma e o sentido lógico das coisas.
Carimbam como ‘subversivo’ ao resistente que ousa desafiar a opressão.
Combatem o ‘terrorista’ indefeso e manietado com o aparato pesado do
terror de Estado. Pregam a defesa da lei pela ação ilegal e clandestina
de seus agentes. Alegam defender a democracia impondo o arbítrio. Chamam
de ‘ditabranda’ o que não passa de ditadura. Revogam Constituições para
aplicar Atos Institucionais. Impõem a insegurança dos cidadãos em nome
da Segurança Nacional. Torturam e matam invocando a paz e a
tranquilidade. Fabricam ‘suicídios’ ou ‘atropelamentos’ quando os
presos cometem o desatino de morrer sob tortura em suas masmorras.
Concedem autoanistia para perdoar seus crimes imperdoáveis. Clamam pelo
esquecimento para abafar a impunidade. E condenam como revanchismo o que
não passa de memória.
No paraíso da Condor, os generais e
seus serviçais conseguiram subverter o significado de duas das palavras
mais valiosas da civilização: dignidade e liberdade.
Dignidad, no Chile da Condor, era o
nome de uma colônia agrícola, 335 km ao sul de Santiago, criada por um
ex-enfermeiro da Luftwaffe nazista. Era frequentada por Pinochet e pelo
coronel Contreras. Era um centro de torturas e de treinamento para
interrogatórios da DINA.
Libertad, no Uruguai da Condor, 5o km a
oeste de Montevidéu, era o maior presídio político do país. Abrigava
600 presos políticos. Desde junho de 1980, um deles atendia pelo nome de
Universindo Rodriguez Díaz, o uruguaio sequestrado em Porto Alegre.
Dignidad virou sinônimo de tortura no Chile da Condor.
Libertad virou endereço de presídio no Uruguai da Condor.
Quando veio o golpe de 11 de setembro
no Chile, um dos primeiros presos foi um general da Força Aérea, Alberto
Bachelet. Ficou preso seis meses no Cárcere Público de Santiago, mas o
coração não resistiu às torturas, nele e em velhos camaradas. Morreu de
infarto em março de 1974, um mês antes de completar 51 anos. Foi poupado
de uma forte emoção da história, 32 anos depois, quando o mesmo Partido
Socialista derrubado à bala por Pinochet voltou ao poder pelo voto em
2006 elegendo como presidente uma médica pediatra de 56 anos – a filha
de Alberto, Michelle Bachelet.
Em janeiro de 1975, dez meses antes do
nascimento da Condor, Michelle e sua mãe foram presas e levadas vendadas
para Villa Grimaldi, um famoso centro clandestino da DINA em Santiago.
Lá, aos 24 anos, Michelle foi torturada.
É de Michelle Bachelet esta frase que nos inspira e consola:
— Só as feridas lavadas cicatrizam.
Passados tantos anos de tanto horror,
este encontro de hoje, aqui em Brasília, na capital do país que é um
envergonhado sócio fundador da Condor, mostra que começamos a lavar
nossas feridas com esta forte manifestação da memória coletiva.
Todos, aqui, temos uma só mensagem a quem fez e a quem tenta esquecer tudo aquilo:
Nós sabemos, nós lembramos, nós contamos.
Brasília, 5/julho/2012
Luiz Cláudio Cunha, jornalista, é autor de Operação
Condor: o Sequestro dos Uruguaios (ed. L&PM, 2008)
cunha.luizclaudio@gmail.com
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