Por que o embate entre Carlos Dornelles e a Globo é de grande interesse público
A sociedade tem que saber mais sobre as práticas fiscais de corporações como a Globo
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Carlos Dornelles é um verbete grande no espaço de memórias do site da Globo.
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Ali ficamos sabendo que Dornelles, gaúcho de Cachoeira do Sul nascido em 1954, fez muitas coisas na Globo.
Vou transcrever um trecho para conhecermos melhor Dornelles na Globo segundo a própria Globo:
Esteve à frente de importantes coberturas, tais como a do comício no
Vale do Anhangabaú pela campanha das Diretas Já, em 1984. (…)
Também integrou a equipe mobilizada para a cobertura da doença e, em
seguida, do falecimento do então presidente eleito Tancredo Neves.
Em abril de 1989, Dornelles foi transferido para o escritório da TV
Globo em Londres, onde começou a trabalhar como correspondente. Durante
os anos em que esteve na Inglaterra, realizou importantes coberturas
jornalísticas sobre a crise do leste europeu. Na então Tchecoslováquia,
cobriu a chamada Revolução de Veludo, em novembro de 1989. No mesmo
período, esteve no Irã, onde foi responsável pela cobertura da morte do
aiatolá Khomeini, cujo enterro reuniu cerca de dez milhões de
iranianos; e na Alemanha, onde acompanhou o primeiro ano-novo após a
queda do Muro de Berlim.
Em outubro de 1990, recém-chegado de Londres, Carlos Dornelles foi
convidado (…) para trabalhar como correspondente em Nova York. No ano
seguinte, participou da equipe de cobertura da Guerra do Golfo, um dos
momentos mais marcantes de sua carreira. (…) Ainda como correspondente
em Nova York, realizou a cobertura da prisão e da morte do traficante
colombiano Pablo Escobar, em 1991 e 1993, e esteve diversas vezes no
Peru cobrindo o governo e a queda do ex-presidente Alberto Fujimori.
Ao longo de sua carreira, também participou de importantes
coberturas esportivas, como a da Copa do Mundo de 1990, na Itália; a de
1994, nos Estados Unidos, em que o Brasil conquistou o tetracampeonato;
e a de 1998, na França. Fez parte, ainda, da equipe que cobriu as
Olimpíadas de Seul, na Coreia do Sul, em 1988, e de Sidney, na
Austrália, em 2000.
Bem, tanta coisa não foi suficiente para que Dornelles não fosse
demitido, em 2008. Dornelles, algum tempo antes, tinha manifestado
publicamente seu incômodo com a forma como a Globo vinha cobrindo
política.
Antes de ser mandado embora, passou pelo exílio jornalístico siberiano
do Globo Rural, encostado e visto por agricultores sem muito que fazer
nos domingos pela manhã.
Tanta coisa, também, não foi suficiente para que Dornelles, a partir de
um determinado momento na Globo, desfrutasse dos direitos trabalhistas
nacionais.
Dornelles foi instado a se tornar, como tantos outros funcionários graduados da Globo, o chamado “PJ” – pessoa jurídica.
É uma manobra comum entre as empresas jornalísticas, com raras e caras
exceções como a Abril. Usar PJs é uma gambiarra de discutível
legalidade e indiscutível imoralidade.
O objetivo é simplesmente não pagar o imposto devido. A empresa simula
que o funcionário presta serviços eventuais, e com isso economiza
consideravelmente. Dornelles era um PJ ao deixar a Globo, embora isso
não esteja em seu verbete.
Para os cofres públicos, a proliferação de PJs é uma calamidade. Falta
dinheiro que poderia construir escolas, ou pontes, ou hospitais.
Para o empregado, é nocivo. Fundo de garantia, 13º salário, férias etc simplesmente desaparecem.
É bom apenas para os acionistas.
O que leva uma empresa como a Globo a isso? Falta de dinheiro? Ora, a
Globo – por causa de outro expediente de duvidosa ética, os chamados
BVs, algo que mantém as agências de publicidade numa virtual dependência
da empresa – fica, sozinha, com praticamente metade de toda a receita
publicitária brasileira. (Os BVs — bonificações por volume — explicam
em boa parte o milagre de a receita publicitária da Globo aumentar no
ano em que teve a pior audiência de sua história. De Xuxa a Faustão, do
Jornal Nacional ao Fantástico, o Ibope marcha soberbamente para trás.)
Isso, para resumir, significa o seguinte: a Globo teria que ser
administrativamente muito inepta para não ser muito lucrativa com tanto
faturamento.
Por que, então, tornar PJs funcionários como Carlos Dornelles, se não é por sobrevivência?
A melhor resposta é: por ganância, associada a um sentimento de
impunidade comum em quem tem muito poder de retaliação e intimidação. E
esperteza: fazendo este tipo de coisa, a empresa ganha vantagem
competitiva sobre as rivais seus custos diminuem. A Abril, que não tem
PJs, já foi maior que a Globo. Hoje é algumas vezes menor.
O risco para a empresa é que, em algum momento, em geral na saída, o PJ a processe.
Foi o que Dornelles fez. Ele reivindica mais de 1 milhão de reais da Globo na Justiça.
Empresas jornalísticas deveriam ter um comportamento exemplar nas
práticas administrativas, dado o seu papel fiscalizador. Você não pode
cobrar retidão de governos e políticos se faz curvas. Isso se chama
cinismo. Há que ter muita desfaçatez para dar lições de moral quando
você agride o interesse público ao recolher menos imposto do que
deveria.
Em vários países, as autoridades estão trazendo à luz aberrações
fiscais para que a sociedade se inteire de algo que é crítico para seu
bom funcionamento.
Na Inglaterra, vieram à luz os impostos pífios pagos por colossos como
Google, Amazon e Starbucks com o propósito de embaraçar as empresas e
forçá-la a pagar sua taxa justa.
O caso Dornelles é uma lembrança oportuna de que o governo brasileiro
deveria jogar luzes – o mais eficiente desinfetante — nas práticas
fiscais de empresas como a Globo com seus PJs de araque.
Paulo Nogueira
No Diário do Centro do Mundo
*Saraiva