Não me passaria pela cabeça que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso pudesse iniciar um artigo de opinião censurando
o sorriso de alguém. Ao indagar com tanto mau humor a razão da alegria
estampada na foto da presidenta Dilma com o ex-presidente Lula no
Palácio da Alvorada, o ex-presidente surpreende pelo azedume e pela
amargura.
A sequência de ataques
do artigo parece indicar que o autor renunciou à cadeira de referencial
de equilíbrio e estabilidade do debate nacional, que muitos lhe
atribuem, para especular sobre uma imaginária (e inexistente)
indiferença da presidenta Dilma, e do poder central, em relação às
manifestações das ruas e a alguns acontecimentos dos últimos dias. Com
todo o respeito, cumpre que o ex-presidente volte à razão.
Testemunhei na Casa
Civil o esforço da presidenta para entender e atender as ruas. Ela foi
praticamente a única, entre as lideranças políticas deste país, a
expor-se, a manifestar-se claramente, a ter iniciativas. As
manifestações carecem ainda de melhor análise histórica, mas,
seguramente, erra quem insiste em tentar atribuir toda a insatisfação ao
governo central. Será que o ex-presidente acredita que as manifestações
eram a favor da oposição? Nenhum governante da oposição foi alvo de
protestos?
INSTABILIDADE
A
sequência de ataques parece indicar que FHC renunciou à cadeira de
referencial de equilíbrio e estabilidade do debate nacional; com todo o
respeito, cumpre que o ex-presidente volte à razão
Ele fala de crise do
setor elétrico como se o apagão de 2001/2002 não estivesse na memória do
país. A crítica à suposta imprevidência só pode ser a si mesmo e a seu
governo. Sobre a inflação, diz que é "bem mais" que 6% ao ano, sem
citar, contudo, qualquer fonte que possa sustentar seu índice impreciso e
irreal.
Esquece-se de que deixou ao país uma inflação de 12,7% em 2002.
Com sua prosa instruída,
sua cultura e sua força retórica, o ex-presidente cita Maria Antonieta e
tenta, em vão, associá-la a personagens da história brasileira no
presente. Não faz sentido. Os líderes do atual governo, a começar pela
presidenta Dilma, podem orgulhar-se da enorme proximidade com as
pessoas. Governam para a maioria. Não é por acaso que os pobres
melhoraram de vida e passaram a ter otimismo e esperança.
Fernando Henrique agora
critica o clientelismo e a inépcia assegurada por 30 partidos no
Congresso. Nem parece que passou oito anos no comando do Executivo, sem
dizer "a" ou "b" sobre reforma política. E que governou com um sistema
de base parlamentar tão ampla que alterou a Constituição Federal para
garantir sua reeleição.
CRÍTICAS
Depois
de achincalhar o Congresso, o ex-presidente conclama o conjunto da
"classe política" a assumir parcelas de responsabilidade sobre os rumos
do Brasil
O curioso é que, depois
de achincalhar o Congresso, o ex-presidente conclama o conjunto da
"classe política" a assumir parcelas de responsabilidade sobre os rumos
do Brasil para construírem a política do amanhã. Fiquei pensando: ele
tem direito de dizer o que muito bem quiser. Não tem é o direito de nos
tomar por tolos.
Gosto da ideia de
buscarmos unir a todos os brasileiros em torno das questões fundamentais
para a nossa nação. Não concordo que os temas essenciais sejam a troca
da guarda nem a revolta contra o sorriso, mas sem dúvida é preciso
aprofundar o debate sobre a economia, a política e as questões sociais.
Isso é o fundamental para a construção do futuro. E o futuro pode ser
edificado sim com alegria e sorrisos.