Caso Rita Lee: a resposta do governador Marcelo Deda
Com exclusividade, o governador Marcelo Déda dá a sua
versão sobre o episódio ocorrido com a cantora Rita Lee no seu último
show, em Aracaju, no sábado passado
Aracaju(SE), 29 de janeiro de 2012.
Meu caro Moreno,
Não posso responder ao Drummond - faltam-me engenho e arte. Mas
posso, ao menos, contar o que aconteceu no sábado passado. É o
testemunho de quem esteve lá e servirá para mostrar a abissal distância
entre o episódio da Nara, que o Poeta Maior cantou e denunciou, e aquilo
que aconteceu sábado no show da Rita Lee:
No último sábado, 28, fiz um programa igual ao de outros 20 mil
sergipanos e turistas que curtiam o Verão Sergipe na praia de Atalaia
Nova, no município de Barra dos Coqueiros, uma ilha paradisíaca entre o
Atlântico e o Rio Sergipe - fui ver o show da Rita Lee.
Era a segunda vez que ela se apresentava no evento, um Festival
gratuito, realizado nas praias próximas a Aracaju e organizado pelo
governo do Estado, com o apoio de patrocinadores privados. Dessa vez
seria especial, a rainha do rock pretendia encerrar neste espetáculo a
sua presença nos palcos. Tenho 51 anos de idade e o som da Rita Lee
sempre eseteve na minha "playlist". No local do evento me encontrei com
minhas duas filhas, Marcella e Yasmin que também foram prá festa.
p>A minha expectativa era a melhor possível, o
ambiente ajudava. A arena aberta, sem cercas ou qualquer restrição de
entrada, na Praça de Eventos Jugurta Barreto, inaugurada na sexta,
acolhia uma multidão bonita e alegre. Na noite anterior a banda de rock
The Baggios abrira a noite e fora seguida pelos Paralamas do Sucesso e
por Margareth Menezes. Um lindo espetáculo, pacífico, e sem qualquer
incidente digno de nota, como é a característica do evento.
Mal sabia que iria testemunhar uma imensa confusão. Ainda no início
do show, Rita Lee implicou com a presença da Polícia no evento. Reclamou
da presença dos "capacetes". Disse que tinha "paranóia"de políca e que
se sentia incomodada com a sua presença. Exigiu que os policiais saísem
da praça, aconselhando-os a fumar um baseado e prender políticos
corruptos. Era só o começo...
Alguns minutos depois, aparentemente sem nenhuma razão, sem que se
pudesse perceber qualquer conflito ou briga no público, a artista
começou a agredir verbalmente os policiais que faziam a segurança do
evento com palavrões, ao mesmo tempo que pedia ao público um "baseado" e
desafiava a polícia a prendê-la. "Cachorros", "cavalos", "cafajestes",
"f.d.p.", foram algumas das expressões dirigidas aos policiais. O
público, excitado e incentivado pela artista, respondia aos seus apelos
de vaia e repetiam em coro as ofensas.
Foram momentos de grande tensão. Imagens produzidas por várias fontes
foram postadas no You Tube e estão acessíveis a todos que queiram
examiná-las.
Sou pai e pensei nos pais que esperavam em casa a volta daqueles
meninos que ali estavam. Se um policial prendesse um dos fãs da cantora,
como reagiria a multidão? Se um dos expectadores agredisse um policial,
como reagiria a polícia? Se os policiais aceitassem a provocação e
tentassem subir ao palco, o que poderia acontecer naquele evento?
Confesso que temi uma tragédia. Um conflito entre policiais e um público
de 20 mil pessoas jamais acabaria bem. A integridade física dos cidadão
e dos policiais estavam em risco. Talvez o show terminasse com um ou
mais corpos estendidos no chão... Orientei o comando a retirar os
policiais do meio da multidão. A polícia atendeu a ordem e se comportou
exemplarmente: ferida nos seus brios, agredida e vaiada, não revidou,
não perdeu o controle, não agiu por impulso. Retirou-se de forma
pacífica e organizada.
O show foi apresentado integralmente, com o tradicional "bis", sem
que qualquer intervenção externa fosse produzida. Finda a apresentação
as autoridades policiais presentes adotaram as medidas previstas na lei,
registraram a ocorrência e ouviram a cantora, sem qualquer agressão ou
ameaça à sua integridade, nem a da sua equipe.
Hoje as redes sociais amanheceram em reboliço. Opiniões de todo o
tipo. Manifestações críticas e de apoio com a passionalidade tradicional
nessas mídias. Quem lá estava apresentava suas versões, quem sequer
chegara perto também fazia questão de baixar decreto e assinar sentença
condenando a parte que julgasse culpada
O episódio foi encerrado, eu e a minha equipe lamentamos
profundamente o acontecimento. Uma noite que tinha tudo para ser uma
homenagem do público a uma das mais importantes artistas brasileiras
transformou-se numa ocorrência policial. No entanto, como governador e
cidadão não posso aceitar que o carinho natural que dedicamos aos
artistas que admiramos, encubra a realidade e nos afaste de algumas
reflexões necessárias:
1) Não é correto pedir para retirar a polícia de um evento em praça
pública, aberto, gratuito, com um público estimado em quase 20 mil
pessoas. É dever inafastável do poder público policiar a área e proteger
o público e os próprios artistas.
2) A ação da polícia sergipana não foi abusiva. Não há um registro de
excesso até agora. Se os policiais agissem de forma ilegal e violenta
eu seria o primeiro a adotar as medidas para a punição de quem assim
agisse. Eu estava no evento e não vi nenhum ato da polícia que
justificasse a reação da cantora.
3) O artista tem o direito de expressar livremente a sua arte e as
suas convicções sobre qualquer tema político, social, comportamental ,
etc., sem sofrer qualquer restrição ou ameaça. O artista tem o dever,
inerente ao seu papel social, de denunciar a violência e o abuso quando
os testemunha. Mas não pode se valer do seu prestígio e do carinho dos
seus fãs para, sem qualquer justificativa, criar um clima de tensão e
incitar o público contra a polícia, ofendendo e desacatando quem está
ali com o dever legal de garantir a segurança pública, justificando-se
com a afirmação de que aquilo "é rock'n roll".
4) Cumprir a lei pode ser chato e careta para alguns, mas ninguém
está acima dela: nem o governador, nem o policial, nem o artista. Todos
temos o dever de observá-la e o direito de buscar mudar aquelas que
julgamos injustas.
5) Ninguém foi preso. O show foi concluído sem qualquer
interferência. Prestar depoimento, com opção de poder fazê-lo 7 horas
depois da ocorrência, não é prisão nem constrangimento ilegal. A artista
foi conduzida à delegacia ao sair do evento porque preferiu assim e
registrou no seu perfil no twitter. Foi ouvida com tranquilidade, sem
mais incidentes e os seus argumentos registrados na forma legal.
6)Criticar a polícia pode ser mais fácil . Condenar aprioristicamente
qualquer ação policial pode até dar ibope para alguns, mas eu não farei
isso. Ninguém me contou, eu estava lá . Portanto, é meu dever
solidarizar-me com os homens e as mulheres da Polícia Militar de Sergipe
ofendidos de forma injusta e grosseira e elogiá-los pela forma como
reagiram às provocações, evitando o conflito e preservando a integridade
de todos.
Não sei se foi Chico Buarque quem disse certa vez que nem toda
loucura é sinônimo de genialidade e nem toda lucidez é sinal de velhice.
Ouso dizer que viver o equilíbrio entre ambas - loucura e lucidez -
produz grandes obras e eterniza grandes artistas. Continuarei a aplaudir
e respeitar todos os que na vida e na arte constroem essa maravilhosa
síntese.
Receba o forte abraço do seu amigo,
Marcelo Déda.
*Nassif