Respeite o Brasil, Sam!
À medida que Washington endurece o discurso contra a diplomacia brasileira, intelectuais tucanos voltam a se alinhar, trêmulos e submissos, às ordens do Tio Sam. Reparem que nem me refiro à imprensa, ainda acuada diante de uma opinião pública cada vez mais orgulhosa das posições corajosas tomadas pelo Brasil. A declaração de Hillary Clinton, de que o mundo estaria "menos seguro" após o acordo de Teerã, revelam que a diplomacia tupi realmente conseguiu pôr uma pedra na engrenagem de guerra. Todas as guerras sempre foram feitas em nome da paz, assim como as democracias são solapadas em nome de princípios democráticos. Si vis pacem, parabellum, diziam os romanos. Se queres a paz, faça a guerra.Amorim deu uma excelente entrevista à Miriam Leitão, explicando que o Brasil tinha obrigação moral e política de se envolver nas questões do oriente médio, justamente porque é membro (não-permanente) do Conselho de Segurança da ONU. O chanceler argumentou que outras nações votaram no Brasil para ocupar o lugar que ocupa para que ele batalhe em favor da paz. Lembrou que Oswaldo Aranha, chanceler brasileiro, participou ativamente das negociações para criação do Estado de Israel. Perguntado se a postura do Brasil não dificultaria a entrada do Brasil como membro permanente no CS, Amorim respondeu que o Brasil quer fazer parte do CS para adotar posições independentes e não para ser subserviente às grandes potências.
De qualquer forma, os EUA não estão bem na fita. A guerra do Iraque foi um fiasco. Destruiu-se um dos países mais prósperos e liberais do oriente médio, transformando-o num dos lugares mais sinistros, infernais e perigosos do planeta, onde o valor da vida humana chegou a zero. Um celeiro de terroristas. Um campo de treinamentos para homens-bomba e psicóticos antiocidentais. E não se esqueçam de que tudo começou a degringolar quando os EUA forçaram a ONU a impor sanções contra o país.
Parte da minha formação política vem dos livros de Noam Chomsky, que colecionava jornais e mostrava a contradição nas notícias. Chomsky conta que os EUA decidiram aplicar e depois ampliar sanções contra o Iraque por mais que o país de Saddam procurasse o diálogo.
A mídia brasileira, além disso, omite notícias importantes para se entender a atual conjuntura geopolítica. Sobretudo duas informações estão sendo escamoteadas:
- A revelação, pelo The Guardian, o segundo site de notícias mais lido no mundo (depois do NY Times), de que Israel tentou vender armas nucleares para o regime racista da África do Sul.
- A descoberta de que os EUA iniciaram, ao final de setembro do ano passado, uma ofensiva clandestina no oriente médio, visando principalmente o Irã, para organizar grupos de dissidentes políticos em regimes "hostis", os quais ajudariam os EUA na eventualidade de um ataque militar.
- Os EUA estão de olho no Irã há tempos. As reações internacionais, inclusive via internet, às eleições no país, podem ter sido infladas por estratégias de propaganda patrocinadas pelos serviços secretos norte-americanos, da CIA ou ainda mais clandestinos. Não sou paranóico, pelo amor de Deus. A história contemporânea registra inúmeros casos similares. Mesmo no Brasil, está provado que os EUA tentaram influenciar nos processos políticos das décadas de 50 e 60, inclusive fazendo doações ilegais de campanha. A participação em conjunto de todas as mídias ocidentais na tentativa de derrubar o governo de Ahmadinejad é um indício. O mundo vivencia crises políticas muito piores que as experimentadas pelos iranianos, onde pelo menos há eleições, e não assistimos a essa cobertura nervosa, simultânea, militante.
- A posse, por Israel, de artefatos nucleares, é motivo de grande instabilidade no oriente médio. Torna-se cada vez mais ridículo o discurso apocalíptico americano por causa do Irã, cujos conhecimentos na área nuclear ainda engatinham, enquanto aceitam tranquilamente o fato de Israel possuir a bomba; sem esquecer que Israel tem hoje um governo ultra-agressivo de ultradireita e no passado tentou vender a bomba a um regime racista, que estava sob embargo econômico do próprio EUA (!!!), e pretendia usá-la em outros países.
Na Folha, Clovis Rossi diz que os americanos agora estão tentando reduzir as tensões com o Brasil. Ele também participou da entrevista que autoridades americanas não-identificadas deram a expoentes da mídia nacional. Por influência de Rossi e Janio de Freitas, a Folha adotou uma linha editorial mais simpática à diplomacia brasileira do que outros jornais. A mesma entrevista é interpretada de forma negativa pelo Globo.
De qualquer forma, as explicações dessas autoridades não convencem nenhum pouco. Há contradições e equívocos em toda parte. A Agência Internacional de Energia Atômica permite que os signatários do Tratado de Não-Proliferação Nuclear enriqueçam urânio para fins pacíficos. O fato do Irã manter o enriquecimento de parte de seu urânio é perfeitamente normal. Não fazê-lo, implicaria em abandono de um conhecimento científico fundamental para as economias modernas, inclusive para fins médicos. A troco de que o Irã faria uma coisa dessas? E o Irã pretende enriquecer urânio até somente 20%, nível que não é válido para o uso militar, que precisa do minério enriquecido até 90%.
Os EUA estão cada vez se enrolando mais. As autoridades afirmam que o Irã assinou o acordo para evitar as sanções. Ora... É claro! Os persas não me parecem masoquistas ou suicidas. Eles não querem, naturalmente, isolar-se do resto do mundo.
Há muita confusão. O que os americanos querem? Que o Irã interrompa totalmente seu programa nuclear? Pessoas que conhecem a fundo a sociedade persa relatam que, por mais que Ahmadinejad seja execrado pelas classes instruídas do país, a defesa de seu programa nuclear é um consenso nacional. Se os EUA continuarem batendo nessa tecla, apenas darão mais força aos políticos linha-dura do partido de Ahmadinejad.
do óleo do diabo