Páginas
Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
quarta-feira, agosto 17, 2011
E é esse país que pretende realizar uma Olimpíada?
A indagação predileta do colunismo brasileiro desapareceu diante dos motins que abalaram as cidades britânicas. Governo fraco, polícia incompetente e brutalizada (a mesma que assassinou Jean Charles de Menezes), crise econômica, preconceito, desigualdade social, gangues de criminosos – todos os piores ingredientes do imaginário autodepreciativo das repúblicas bananeiras reúnem-se para desintegrar as ilusões do paraíso civilizatório europeu. De novo, e sem as desculpas fáceis de uma psicose individual.
Depois nós é que não merecemos abrigar efemérides internacionais. E somos nós, pasmem os senhores, que desprezamos nossas prioridades administrativas.
Enquanto os gênios colonizados tentam culpar os vilões de sempre (minorias étnicas e imigrantes), os analistas locais derrubam a teoria e acusam justamente as milícias brancas xenófobas pela exacerbação dos conflitos. Sobra até para o otimismo revolucionário de parte da esquerda, às vezes condescendente com certas pautas vazias das protestações contemporâneas, e que agora precisa engolir sua vanguarda jovem espalhando badernas como uma súcia de vikings embriagados.
E é importante salientar que, mesmo cercada pela selvageria, a combativa imprensa do Reino Unido jamais ousou condenar a realização dos Jogos Olímpicos ou questionar a capacidade do país para sediá-los.
*comtextolivre
Popularidade de Dilma supera a de Lula nos dois mandatos
De acordo com pesquisa CNT/Sensus, ela tem 49,2% de aprovação; Lula tinha 48,3% em 2003 e 47,5% em 2007; população aprova faxina
O governo da presidente Dilma Rousseff tem avaliação positiva de 49,2% da população, segundo pesquisa feita pelo Instituto Sensus por encomenda da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Esta é a primeira avaliação do governo Dilma feita pela pesquisa CNT/Sensus. O levantamento divulgado hoje ouviu 2 mil pessoas no período de 7 a 12 de agosto.
De acordo com a pesquisa, a aprovação corresponde à média do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nos primeiros anos de seu primeiro e segundo mandato. Em agosto de 2003, a aprovação de Lula era de 48,3%. Em junho de 2007, no primeiro ano do segundo mandato, esse índice era de 47,5%.
Do total que avalia positivamente o governo Dilma, a gestão da petista é considerada ótima por apenas 10,1% dos entrevistados, enquanto 39,1% a consideram boa. O governo Dilma é considerado ruim ou péssimo por 9,3% da população, sendo que 37,1% o consideram regular.
Faxina aprovada
A pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) em parceria com o Instituto Sensus, divulgada hoje, mostra que 65 7% da população tem acompanhado as denúncias de irregularidades no Ministério dos Transportes. A sondagem mostra ainda que, para 45,9% dos entrevistados, a crise no ministério afetou a imagem da presidente Dilma Rousseff. A pesquisa ouviu 2 mil pessoas no período de 7 a 12 de agosto.
Segundo a pesquisa, a imagem de Dilma não foi afetada para 16 9%. Ainda segundo a sondagem, 52,1% dos entrevistados aprovam as medidas anticorrupção do governo, enquanto 9% as desaprovam. E, para 43,6% da população, a crise nos Transportes ainda não foi solucionada. Apenas 16,9% acham que a crise foi solucionada total ou parcialmente.
Agência Estado
terça-feira, agosto 16, 2011
O caos da ordem
Boaventura de Sousa Santos
Em Londres, estamos perante a denúncia violenta de modelo que tem recursos para resgatar bancos, mas não os tem para uma juventude sem esperança
Os motins na Inglaterra são um perturbador sinal dos tempos. Está a ser gerado nas sociedades um combustível altamente inflamável que flui nos subterrâneos da vida coletiva sem que se dê conta.
Esse combustível é constituído pela mistura de quatro componentes: a promoção conjunta da desigualdade social e do individualismo, a mercantilização da vida individual e coletiva, a prática do racismo em nome da tolerância, o sequestro da democracia por elites privilegiadas e a consequente transformação da política em administração do roubo "legal" dos cidadãos. Cada um dos componentes tem uma contradição interna.
Quando elas se sobrepõem, qualquer incidente pode provocar uma explosão de proporções inimagináveis. Com o neoliberalismo, o aumento da desigualdade social deixou de ser um problema para passar a ser a solução.
A ostentação dos ricos transformou-se em prova do êxito de um modelo social que só deixa na miséria a maioria dos cidadãos porque estes supostamente não se esforçam o suficiente para terem êxito.
Isso só foi possível com a conversão do individualismo em valor absoluto, o qual, contraditoriamente, só pode ser vivido como utopia da igualdade, da possibilidade de todos dispensarem por igual a solidariedade social, quer como agentes dela, quer como seus beneficiários.
Para o indivíduo assim construído, a desigualdade só é um problema quando lhe é adversa; quando isso sucede, nunca é reconhecida como merecida. Por outro lado, na sociedade de consumo, os objetos de consumo deixam de satisfazer necessidades para as criar incessantemente, e o investimento pessoal neles é tão intenso quando se têm como quando não se têm.
Entre acreditar que o dinheiro medeia tudo e acreditar que tudo pode ser feito para obtê-lo vai um passo muito curto. Os poderosos dão esse passo todos os dias sem que nada lhes aconteça. Os despossuídos, que pensam que podem fazer o mesmo, acabam nas prisões.
Os distúrbios na Inglaterra começaram com uma dimensão racial. São afloramentos da sociabilidade colonial que continua a dominar as nossas sociedades, muito tempo depois de terminar o colonialismo político. Um jovem negro das nossas cidades vive cotidianamente uma suspeição social que existe independentemente do que ele ou ela seja ou faça.
Tal suspeição é tanto mais virulenta quando ocorre numa sociedade distraída pelas políticas oficiais da luta contra a discriminação e pela fachada do multiculturalismo.
O que há de comum entre os distúrbios da Inglaterra e a destruição do bem-estar dos cidadãos provocada pelas políticas de austeridade comandadas por mercados financeiros? São sinais dos limites extremos da ordem democrática.
Os jovens amotinados são criminosos, mas não estamos perante uma "criminalidade pura e simples", como afirmou o primeiro-ministro David Cameron.
Estamos perante uma denúncia política violenta de um modelo social e político que tem recursos para resgatar bancos e não os tem para resgatar a juventude de uma vida sem esperança, do pesadelo de uma educação cada vez mais cara e mais irrelevante, dados o aumento do desemprego e o completo abandono em comunidades que as políticas públicas antissociais transformaram em campos de treino da raiva, da anomia e da revolta.
Entre o poder neoliberal instalado e os amotinados urbanos há uma simetria assustadora. A indiferença social, a arrogância, a distribuição injusta dos sacrifícios estão a semear o caos, a violência e o medo, e os semeadores dirão amanhã, genuinamente ofendidos, que o que semearam nada tem a ver com o caos, a violência e o medo instalados nas ruas das nossas cidades.
Boaventura de Sousa Santos, sociólogo português, é diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (Portugal). É autor, entre outros livros, de "Para uma Revolução Democrática da Justiça" (Cortez, 2007).
*esquerdopata
segunda-feira, agosto 15, 2011
Princípios da Globo e a ética da máfia
Por Rogério Tomaz Jr., no blog Conexão Brasília-Maranhão:
As máfias italianas enviam flores aos velórios de suas vítimas. Embora revestido de um caráter mórbido e irônico, o gesto é sincero e expressa o respeito pela dor da família.
Por mais surreal que possa parecer, até os mafiosos têm códigos de ética que são respeitados (entre eles).
Das organizações Globo, não se pode dizer o mesmo. Pelo menos desde o surgimento da TV Globo, em 1965, a história atesta que as empresas da família Marinho, via de regra, não respeitam os princípios básicos do jornalismo. Da ética (pretensamente) universal, tampouco.
A TV Globo nasceu de um acordo fraudulento que violava a Constituição. É o famoso acordo com a Time Life, que virou alvo de CPI que acabou se transformando na primeira grande “pizza” do novo Congresso Nacional em Brasília. Mais detalhes do episódio nebuloso estão no clássico “A história secreta da Rede Globo”, do saudoso jornalista Daniel Herz.
De lá para cá, a Globo apoiou a ditadura militar, fez campanha (travestida de cobertura eleitoral) para Fernando Collor, Fernando Henrique duas vezes, José Serra, Geraldo Alckmin e novamente Serra, em 2010, e tratou os governos petistas de Lula e agora Dilma como alvos de intensa e diária campanha difamatória disfarçada de jornalismo.
Sem falar no escândalo Proconsult, nas eleições para governador do Rio de Janeiro em 1982, quando a emissora se envolveu diretamente no esquema para dar um golpe eleitoral-midiático e evitar a eleição de Leonel Brizola.
Ou a estratégia de abafar as Diretas Já da população ou, ainda, as diversas falcatruas financeiras – envolvendo Banerj, Banco do Brasil, BNDES e outras instituições vítimas da “habilidade” do clã Marinho – que são listadas por Roméro Machado da Costa no artigo “A síntese do Império Globo de Crimes“.
Vale sempre enfatizar: o “jornalismo” da Globo hoje é comandado por um sujeito que escreveu um livro defendendo a tese, em essência, de que não existe racismo no Brasil. Alguém consegue levar a sério uma empresa como essa?
Por isso, ver a Globo falar em princípios editoriais – divulgados com pompa no último 6 de agosto, só um pouquinho tarde – é uma piada pronta.
*altamiroborges
José e Pilar - 2010
SINOPSE
José Saramago e Pilar del Rio abrem sua casa e um pouco de suas vidas para nós. Como as filmagens do documentário se estenderam por quatro anos, podemos acompanhar, inclusive, o definhamento do escritor, não só pela idade avançada como também pelo excesso de compromissos. A esposa, jornalista e empresária de Saramago, em parte é responsável por isto. Por outro lado, o que seria de um grande astro literário envelhecendo em casa? O diretor Miguel Gonçalves nos leva à casa de Lanzarote, aos saraus, aos festivais literários, acompanha o afastamento, a mágoa e a reaproximação com o governo de Portugal e traz José com seu humor fino e com sua inteligência para frases e pensamentos sempre viva.
DADOS DO ARQUIVO
Diretor: Miguel Gonçalves Mendes
Áudio: Português/Espanhol
Legendas: PT/Pt (separadas)
Duração: 128 min.
Qualidade: DVDRip
Tamanho: 723 MB
Formato: AVI
Servidor: Multiupload (parte única)
LINKS
Parte única
Postado por Kleen
*laranjapsicodelica
Presidente da Nicarágua pede fim de bombardeios contra a Líbia
Vermelho
O presidente da Nicarágua, Daniel Ortega, exigiu mais uma vez que a Aliança Militar do Atlântico Norte (Otan) cesse os bombardeios contra o povo da Líbia, após os aviões da organização terem provocado outra matança de civis, dos quais 33 eram crianças.
Segundo as últimas notícias, os meios aéreos Otan já fizeram mais de 8.400 ataques contra a nação do norte da África, com resultado de mais de 1.400 pessoas mortas e mais de 5.400 feridos, lembrou na noite de quinta-feira (11) o líder sandinista.
Ortega incluiu entre os responsáveis pelo massacre o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU) Ban Ki-moon.
Na última quinta-feira, as agências de notícias internacionais noticiaram que o secretário estava reocupado com o aumento de vítimas civis na Líbia. “A verdade é que este personagem é cúmplice desses crimes, porque apoiou a invasão”, afirmou ele. Ban Ki-moon tem sido um firme defensor das ações militares da Otan em território líbio, ao contrário do que defendem outras nações membros do Conselho de Segurança da ONU, como a China, Rússia, Brasil, Índia e África do Sul.
A maioria dos países integrantes da Organização da Unidade Africana condena os bombardeios, assim como a Aliança Bolivariana para os Povos da América (Alba).
“A esperança de pôr fim aos bombardeios e de promover a paz é que agora – no momento em iniciar o novo período de sanções da ONU – seja permitido a incorporação da delegação legítima da Líbia, vetada de seus direitos desde o começo da invasão imperialista”, estimou o líder sandinista. E que esse passo, informou, sirva para dar andamento a uma proposta aos países africanos para acabar com o conflito.
“Já prepararam um plano para que a paz chegue à Líbia e com ele é possível chegar um pouco de paz ao nosso planeta”, comentou o presidente.
*cappacete
O extermínio negro direto e indireto como parte do projeto de poder no Brasil
No mundo, não existe país mais racista que o Brasil
Em maio de 2011 o governo federal definiu o limite da miséria - renda de até R$ 70 por mês - e divulgou que 16,2 de pessoas se encaixam nele. Uma semana depois, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) divulgou a cor ou raça declarada deste grupo de pessoas. De acordo com os dados, 4,2 milhões dos brasileiros pobres se declararam brancos e 11,5 milhões pardos ou pretos - isso significa que o número de pobres negros é 2,7 vezes o número de pobres brancos.
Não bastassem as mazelas sociais que afligem historicamente a população negra por meio do subemprego, do desemprego, da falta de moradia, da falta de oportunidades e do desumano e permanente preconceito e discriminação racial em todo e qualquer ambiente social, percebe-se a vigência de um projeto de extermínio da população negra, por parte do Estado brasileiro.
O Estado e suas polícias mantêm uma atuação coercitiva, preconceituosa e violenta dirigida a população negra. Desrespeito, agressões, espancamentos, torturas e assassinatos.
Em julho de 2009 a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, UNICEF e o Observatório de Favelas divulgam resultados de sua pesquisa, e os dados são estarrecedores: 33,5 mil jovens serão executados no Brasil no curto período de 2006 a 2012. Os estudos apontam que os jovens negros têm risco quase três vezes maior de serem executados em comparação aos brancos.
Conforme o “Mapa da Violência 2011: os jovens do Brasil”, em 2002, em cada grupo de 100 mil negros, 30 foram assassinados. Esse número saltou para 33,6 em 2008; enquanto entre os brancos, o número de mortos por homicídio, que era de 20,6 por 100 mil, caiu para 15,9. Em 2002, morriam proporcionalmente 46% mais negros que brancos. Esse percentual cresce de forma preocupante uma vez que salta de 67% para 103%.
O último grave acontecimento foi a do desaparecimento do menino negro Juan Moraes, morto aos 11 anos pela polícia do Rio de Janeiro. O genocídio negro já é admitido por parte da imprensa nacional, a exemplo do jornal Correio Brasiliense, que após cruzar dados de mortalidade por força policial do Ministério da Saúde e das ocorrências registradas nas secretarias de Segurança Pública do Rio de Janeiro e São Paulo, revelou que uma pessoa é morta no Brasil pela polícia a cada cinco horas e que 141 assassinatos são realizados por agentes do Estado a cada mês.
Soma-se a esse quadro, a ação genocida indiretamente promovida através do encarceramento em massa de jovens e adultos em internatos, fundações, institutos de recuperação, cadeias, penitenciárias e presídios. Espaços onde a tortura e o completo desrespeito aos direitos humanos são rotina. A subserviência e a aliança entre grupos políticos e empresários junto ao tráfico internacional de drogas e o consequente mercado ao mesmo tempo fascina pelo “ganho” fácil, coopta e vitimiza a juventude.
Pesquisas e estudos demonstram no campo da formalidade o que vivenciamos no dia a dia de nossas comunidades. Presenciamos um momento de ofensiva de opressões por parte do Estado Brasileiro que por sua vez, enxerga na população empobrecida, em especial na juventude negra, seu principal inimigo.
Aos movimentos populares cabe a permanente denúncia e a teimosia em organizar a população para a resistência e ação. A UNEafro-Brasil soma-se a esse esforço no cotidiano de sua atuação nos Cursinhos Comunitários e nos Núcleos de Cultura. Assumimos o desafio de, devagar e sempre, fomentar uma nova mentalidade, crítica, questionadora e sedenta por transformações, elementos tão necessários para a organização da classe trabalhadora e para a nossa vitória.
*cappacete
Na Argentina, esmagadora vitória do kirchnerismo, declarado morto por miriam leitão do pig em 2010
Até mesmo analistas kirchneristas se surpreenderam neste domingo com a dimensão da vitória alcançada por Cristina Kirchner nas primárias presidenciais argentinas. Apontada favorita com 40% dos votos em algumas pesquisas de opinião, Cristina superou todas as expectativas e conseguiu uma esmagadora vitória com mais de 50% dos votos. Ricardo Alfonsín, da UCR, filho do ex-presidente e desgastado por uma aliança com o direitista De Narváez, teve 12,23%; o peronista dissidente e ex-presidente Eduardo Duhalde teve 12,19%; o socialista Hermer Binner, governador de Santa Fe, conseguiu 10,54%. A neo-mística Elisa Carrió, que chegou a ser a segunda força nas eleições de 2007, não passou dos 3,2%. A participação popular também surpreendeu e chegou a mais 70% dos votantes. A vitória foi inapelável: até o Clarín, um dos principais bastiões de oposição ao governo, foi obrigado a manchetar nesta segunda: “Alta participação e rotundo apoio a Cristina”. O kirchnerista Página 12 comemorou: “Chuva de votos”. Crónica resumiu: “Massacre” (Paliza). A previsão geral, até mesmo entre os opositores, é que dificilmente esse quadro será revertido até as eleições de outubro, nas quais, para vencer no primeiro turno, Cristina só precisa de 40% dos votos e de uma diferença de 10% ante o segundo colocado.
Para qualquer conhecedor do mapa eleitoral argentino, foi uma surra de recordar as grandes vitórias eleitorais do peronismo. Cristina venceu em todos os estados, com a exceção da pequena província de San Luis. Em alguns, como Santiago del Estero, ela alcançou 80% dos votos, impondo impressionantes 73 pontos de diferença sobre Alfonsín. Em todo o noroeste do país, mais pobre, Cristina não obteve menos de 60%: foram 70% em Formosa, 65% em Tucumán, 63% em Catamarca, 62% em Salta, 60% em Chaco. Cristina venceu até mesmo na Capital Federal, historicamente reácia ao peronismo, suplantando com tranquila vantagem de oito pontos o ex-presidente Duhalde na cidade. No estado de Buenos Aires, ela ampliou os números recentes do kirchnerismo e impôs a Duhalde uma humilhante derrota por 53 x 13. O popular governador de Santa Fe, o socialista Hermes Binner, não conseguiu vencer Cristina em seu próprio estado. Perdeu por 37,8% a 32,7%.
O Página 12 resumiu um recado das urnas que também se aplica a outros países latino-americanos: ficou mais uma vez provado que os grandes meios de comunicação influem igualmente ou mais que um partido político ou um grupo econômico tradicional, mas não determinam um resultado. Já havía ocorrido a mesma coisa nas eleições de Brasil, Peru, Bolívia e Uruguai.
Completa-se um giro que havia se iniciado em 2008, quando estourou o conflito com as patronais do agronegócio em torno às retenções que pretendia o governo. Naquele momento, o vice-presidente Julio Cobos rompeu com Cristina e deu o voto de minerva que derrotou o governo no Senado. A cisão com os grandes meios comunicação de massas piorou e em junho de 2009 o kirchnerismo perdeu a maioria parlamentar, num momento marcado pela derrota de Néstor Kirchner em Buenos Aires. O governo começou a se recuperar com o decreto que estabelecia uma ajuda financeira para menores de 18 anos oriundos de famílias desempregadas ou subempregadas. Contando com o apoio dos socialistas e do Proyecto Sur (dissidência liderada pelo cineasta Fernando “Pino” Solanas), o governo aprovou, em dezembro de 2009, a lei de regulação da mídia e, em julho de 2010, o pioneiro casamento igualitário, garantindo este importante direito para gays e lésbicas. Ali, o kirchnerismo já havia claramente saído das cordas.
Mas a morte de Néstor, em outubro de 2010, plantou algumas dúvidas, em especial entre os machistas de plantão e os opinólogos que costumam confundir a realidade com seus próprios desejos. No Brasil, grassou uma palpitologia extremamente desinformada. A pitonisa Miriam Leitão que, na certa, não saberia diferenciar Jujuy e Córdoba num mapa, decretou peremptoriamente que “sem ele [Néstor], acaba o kirchnerismo”. Provavelmente, a Sra. Miriam Leitão não vai se corrigir, não vai publicar errata, não vai fazer mea culpa, não vai reconhecer que errou, como nunca faz. Mas os argentinos deram a resposta ontem nas urnas.
Assinar:
Postagens (Atom)