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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, agosto 15, 2011

Na Argentina, esmagadora vitória do kirchnerismo, declarado morto por miriam leitão do pig  em 2010

 

Até mesmo analistas kirchneristas se surpreenderam neste domingo com a dimensão da vitória alcançada por Cristina Kirchner nas primárias presidenciais argentinas. Apontada favorita com 40% dos votos em algumas pesquisas de opinião, Cristina superou todas as expectativas e conseguiu uma esmagadora vitória com mais de 50% dos votos. Ricardo Alfonsín, da UCR, filho do ex-presidente e desgastado por uma aliança com o direitista De Narváez, teve 12,23%; o peronista dissidente e ex-presidente Eduardo Duhalde teve 12,19%; o socialista Hermer Binner, governador de Santa Fe, conseguiu 10,54%. A neo-mística Elisa Carrió, que chegou a ser a segunda força nas eleições de 2007, não passou dos 3,2%. A participação popular também surpreendeu e chegou a mais 70% dos votantes. A vitória foi inapelável: até o Clarín, um dos principais bastiões de oposição ao governo, foi obrigado a manchetar nesta segunda: “Alta participação e rotundo apoio a Cristina”. O kirchnerista Página 12 comemorou: “Chuva de votos”. Crónica resumiu: “Massacre” (Paliza). A previsão geral, até mesmo entre os opositores, é que dificilmente esse quadro será revertido até as eleições de outubro, nas quais, para vencer no primeiro turno, Cristina só precisa de 40% dos votos e de uma diferença de 10% ante o segundo colocado.
Para qualquer conhecedor do mapa eleitoral argentino, foi uma surra de recordar as grandes vitórias eleitorais do peronismo. Cristina venceu em todos os estados, com a exceção da pequena província de San Luis. Em alguns, como Santiago del Estero, ela alcançou 80% dos votos, impondo impressionantes 73 pontos de diferença sobre Alfonsín. Em todo o noroeste do país, mais pobre, Cristina não obteve menos de 60%: foram 70% em Formosa, 65% em Tucumán, 63% em Catamarca, 62% em Salta, 60% em Chaco. Cristina venceu até mesmo na Capital Federal, historicamente reácia ao peronismo, suplantando com tranquila vantagem de oito pontos o ex-presidente Duhalde na cidade. No estado de Buenos Aires, ela ampliou os números recentes do kirchnerismo e impôs a Duhalde uma humilhante derrota por 53 x 13. O popular governador de Santa Fe, o socialista Hermes Binner, não conseguiu vencer Cristina em seu próprio estado. Perdeu por 37,8% a 32,7%.
O Página 12 resumiu um recado das urnas que também se aplica a outros países latino-americanos: ficou mais uma vez provado que os grandes meios de comunicação influem igualmente ou mais que um partido político ou um grupo econômico tradicional, mas não determinam um resultado. Já havía ocorrido a mesma coisa nas eleições de Brasil, Peru, Bolívia e Uruguai.
Completa-se um giro que havia se iniciado em 2008, quando estourou o conflito com as patronais do agronegócio em torno às retenções que pretendia o governo. Naquele momento, o vice-presidente Julio Cobos rompeu com Cristina e deu o voto de minerva que derrotou o governo no Senado. A cisão com os grandes meios comunicação de massas piorou e em junho de 2009 o kirchnerismo perdeu a maioria parlamentar, num momento marcado pela derrota de Néstor Kirchner em Buenos Aires. O governo começou a se recuperar com o decreto que estabelecia uma ajuda financeira para menores de 18 anos oriundos de famílias desempregadas ou subempregadas. Contando com o apoio dos socialistas e do Proyecto Sur (dissidência liderada pelo cineasta Fernando “Pino” Solanas), o governo aprovou, em dezembro de 2009, a lei de regulação da mídia e, em julho de 2010, o pioneiro casamento igualitário, garantindo este importante direito para gays e lésbicas. Ali, o kirchnerismo já havia claramente saído das cordas.
Mas a morte de Néstor, em outubro de 2010, plantou algumas dúvidas, em especial entre os machistas de plantão e os opinólogos que costumam confundir a realidade com seus próprios desejos. No Brasil, grassou uma palpitologia extremamente desinformada. A pitonisa Miriam Leitão que, na certa, não saberia diferenciar Jujuy e Córdoba num mapa, decretou peremptoriamente que “sem ele [Néstor], acaba o kirchnerismo”. Provavelmente, a Sra. Miriam Leitão não vai se corrigir, não vai publicar errata, não vai fazer mea culpa, não vai reconhecer que errou, como nunca faz. Mas os argentinos deram a resposta ontem nas urnas.
*outroolhar

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