Novo cerco ao Brasil
Via
Jornal de Brasil
“É
preciso fechar as nossas portas aos estrangeiros, interessados em
retirar o seu butim dos conflitos internos, como fazem no Iraque, no
Afeganistão, na Líbia — e se preparam para fazer na Síria e no Irã”.
Mauro Santayana
Se,
amanhã, os terrestres vierem a colonizar Marte, como muitos sonham, o
feito será, dentro das circunstâncias do tempo e da ciência, menos
surpreendente do que foi o desembarque europeu na América do Sul e a
ocupação do espaço ainda desconhecido. Sabemos hoje muito mais do
planeta vermelho do que os contemporâneos do Renascimento podiam
conhecer da América do Sul. Na realidade, nem mesmo podiam ter certeza
de que a quarta parte existisse.
Não só a
conquista do território continental, mas a construção da consciência de
pátria — da plena identidade e da soberania de nossos povos — tem sido
ato permanente de luta e de resistência, contra a natureza hostil e
contra a opressão política.
Só há dois séculos,
na esteira da Revolução Francesa, da Guerra de Independência dos Estados
Unidos e das guerras napoleônicas, admitiram a nossa existência como
povo, mas sob arrogante tutela e subordinação aos seus interesses. O
pior é que as coisas continuam quase da mesma forma. Querem-nos apenas
como fornecedores de matérias-primas. Ao usar o vocábulo commodities
para designar nossos produtos primários, os neoliberais brasileiros
engambelam-nos com a sonoridade britânica do termo, como antes os
colonizadores nos engabelavam com os espelhos e miçangas. Continuamos
exportando minérios e comprando máquinas; exportando soja e pagando
royalties por tecnologia; exportando produtos de nossa singular
biodiversidade, e importando medicamentos.
Continuamos exportando minérios e comprando máquinas; exportando soja e pagando royalties por tecnologia
Se
houvesse sido possível a exportação da cana em seu estado natural, não
teríamos construído aqui os primeiros engenhos açucareiros. Só depois da
Independência erigimos forjas para a fundição econômica do ferro; até
então foices e enxadas vinham da Europa, por via de Portugal. A
independência dos países latino-americanos foi de interesse da
Grã-Bretanha, que substituiu Madri e Lisboa. A partir de então, Londres
se livrou dos intermediários e passou a disputar, com os Estados Unidos,
que cresciam, o nosso mercado, como fornecedor de matérias-primas e
comprador de produtos manufaturados.
É
interessante notar que todas as vezes que as circunstâncias nos
ajudavam, o cerco estrangeiro se fechava sobre o Brasil — e sobre os
países do continente. Nosso desenvolvimento industrial no Segundo
Reinado — em que houve, para o bem e para o mal, a aliança da Coroa com
Mauá — foi tolhido pela ação britânica, contra a economia brasileira e
com o cerco ao grande empreendedor, cuja presença política no continente
incomodava a geopolítica imperialista.
A
República, não obstante todos os seus avanços, propiciou, pelas
dificuldades políticas de sua consolidação, o assédio britânico. As
negociações draconianas da nossa dívida com a praça de Londres — o
famoso funding loan é o exemplo da arrogância e voracidade dos
banqueiros internacionais — favoreceram o desembarque de suas empresas
no país, que, logo se associaram às norte-americanas.
Em
1922, em uma visão histórica equivocada, os tenentes se levantaram
contra a eleição do mineiro Artur Bernardes, a partir de cartas falsas, a
ele atribuídas, e que ofendiam o marechal Hermes da Fonseca. Até hoje
não sabemos, exatamente, a quê e a quem serviram os falsários, não
obstante as versões divulgadas. Era um bom momento para o Brasil, e que
se frustrou em parte, na medida em que o presidente teve que defender, a
ferro e fogo, o seu mandato — não tendo, em razão disso, conseguido
ampliar as medidas nacionalistas adotadas contra os interesses
anglo-saxônicos, entre elas as de nosso desenvolvimento siderúrgico.
Para
não lembrar episódios menores no intervalo, o cerco a Getúlio, em seu
segundo mandato, é nisso exemplar. O presidente entendera, desde os anos
30, que não teríamos soberania sem que tivéssemos a energia necessária
ao desenvolvimento da economia. Por isso, cuidou da Petrobras e da
Eletrobrás, como bases necessárias à economia industrial brasileira.
Os interesses estrangeiros se mobilizaram com a ajuda dos meios de comunicação brasileiros
Os
interesses estrangeiros — leia-se, norte-americanos — se mobilizaram,
conforme documentos ianques indesmentíveis, com a ajuda dos meios de
comunicação brasileiros, e políticos cooptados, a fim de acossar o
presidente até a tragédia de 24 de agosto de 1954. Não satisfeitos,
desde que o tíbio governo de Café Filho não os garantira, tentaram
novamente o golpe, em 11 de novembro de 1955, mediante os seus cúmplices
nacionais. Se impedissem a posse de Juscelino, como queriam — e Lacerda
vociferava em seus ataques ao mineiro — a primeira medida seria a
revogação do monopólio estatal do petróleo.
A
reação dos militares nacionalistas, chefiados por Lott, frustrou-lhes os
planos, e Juscelino pôde, em seu quinquênio presidir ao extraordinário
salto do Brasil rumo ao futuro — enfrentando, ao mesmo tempo os
interesses estrangeiros e o derrotismo conformista de muitos
brasileiros. A vitória de Jânio e sua renúncia, meses depois,
interromperam o processo de consolidação democrática.
A
facção pró-americana, de civis e militares, que não queria o
desenvolvimento autônomo do país, também açulada por Lacerda e outros,
iniciou o processo golpista, prontamente contido pela reação de Leonel
Brizola, então governador do Rio Grande do Sul. Diante da iminência da
guerra civil, houve negociações que mudaram o sistema, implantando-se o
parlamentarismo. Jango assumiu reduzido em seus poderes
constitucionais, outorgados pelas eleições livres, e era natural que a
nação lutasse para que ele os recuperasse, como os recuperou, com a
vitória no referendo popular.
O novo momento
foi, mais uma vez, usado pelos norte-americanos, com a desavergonhada
intromissão em nossos assuntos internos, mediante o IBAD e outros
instrumentos. O golpe de 1964 se fez contra o Brasil, e não em defesa da
soi-disant democracia hemisférica contra Cuba e a União
Soviética. O que eles temiam, e continuam a temer, é a transformação de
nosso país em grande potência econômica, provida de consequente força
militar, capaz de garantir a sua presença política continental e sua
soberania no mundo.
Estamos em momento similar, e
em plena ascensão. Essa situação auspiciosa, é bom repetir até a
exaustão, recomenda a todos os brasileiros, civis e militares,
conscientes de seu pertencimento à comunidade nacional, o máximo de
prudência. É preciso fechar as nossas portas aos estrangeiros,
interessados em retirar o seu butim dos conflitos internos, como fazem
no Iraque, no Afeganistão, na Líbia — e se preparam para fazer na Síria e
no Irã.
*Gilsonsampaio