E se os lucros das montadoras ficassem no Brasil?
do
Sakamoto
Montadoras
estão planejando demitir, apesar do aumento de vendas trazido pela
redução de IPI. General Motors e a Volkswagen abriram programas de
demissão voluntária, sendo que a GM estuda fechar a linha de montagem de
veículos de São José dos Campos e extinguir 1.500 vagas, segundo o
sindicato de metalúrgicos local. A informação é de matéria
publicada nesta terça (3) pela Folha de S.Paulo, apontando que as empresas estão preocupadas que isso seja euforia passageira.
Outra matéria, do jornal Estado de S. Paulo,
aponta que, desde o início da crise econômica internacional, o governo
abriu mão de R$ 26 bilhões em impostos para indústria automobilística.
E, nos últimos três anos, as montadoras enviaram US$ 14,6 bilhões ao
exterior, o que dá cerca de R$ 28 bi em valores de hoje.
Brasileiros
e brasileiras, um valor semelhante à nossa renúncia fiscal foi
exportada para ajudar a manter as matrizes dessas empresas que não
haviam se preparado para lidar com a crise.
O
governo não consegue garantir, de fato, que as montadoras aqui
instaladas não demitam trabalhadores por conta desses benefícios. Muito
menos consegue a autorização delas para que sejam colocadas na mesa
outros temas importantes, como um controle mais rígido sobre a cadeia
produtiva dessas empresas. Hoje, ao comprar um carro, você não tem como
saber se o aço ou o couro que entrou na fabricação do veículo foram
obtidos através de mão-de-obra escrava e trabalho infantil ou se
beneficiando de desmatamento ilegal. Por que? Porque essas empresas não
rastreiam como deveriam os fornecedores de seus fornecedores, apesar das
comprovações de ilegalidades apontadas pelo Ministério Publico Federal e
pela sociedade civil.
Quando anunciadas, essas
políticas são consideradas a salvação da pátria. Mas a história mostra
que as coisas não são tão simples assim. Até porque é exatamente nesses
momentos que a indústria aproveita para fazer aquele ajuste tecnológico
básico, tornando mais gente desnecessária.
Durante
o pico da crise de 2008, a General Motors demitiu 744 trabalhadores de
sua fábrica em São José dos Campos (SP) sob a justificativa de
“diminuição da atividade industrial”. Mesmo após ter recebido apoio dos
governos da União e do Estado de São Paulo no sentido de facilitar a
compra de seus produtos por consumidores. O setor também é beneficiário
de recursos oriundos de fundos públicos, como o Fundo de Amparo ao
Trabalhador e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, ou seja,
pertencente aos trabalhadores.
Carpideiras do
mercado disseram e escreveram, na época, que o Ministério do Trabalho e
Emprego e sindicatos faziam uma chiadeira irracional, pedindo
contrapartidas à cessão de linhas de crédito ou corte de impostos.
Atestaram que empresas não podem operar esquecendo que estão inseridas
em uma economia de mercado, buscando a taxa de lucro média para
continuar sendo viável. Em outras palavras, defendiam que não dá para
esperar que o capital seja dilapidado da mesma forma que o trabalho em
uma crise.
Essa “regra do jogo” me faz lembrar
um restaurante self-service. Você passa com a bandeja e escolhe o que
quer e o que não quer para o almoço. O que é bom para você, coloca no
prato. O que é ruim, fica para a massa se servir depois. Traduzindo: o
Estado tem que garantir e ajudar o funcionamento das empresas, mas as
empresas não podem sofrer nenhuma forma de intervenção em seu negócio.
Um liberalismo de brincadeirinha, de capitalismo de periferia, com um
Estado atuante, mas subserviente do poder econômico, em que o (nosso)
dinheiro público deve entrar calado para financiar os erros alheios.
Privatizam-se lucros (que depois são exportados), estatizam-se
prejuízos.
O governo tem a obrigação sim de
exigir contrapartidas de quem vai receber recursos ou benefícios devido à
crise econômica – aliás, este é o momento ideal para isso. Quando as
empresas estiverem surfando novamente, após este ciclo recessivo mundial
passar, vai ser mais difícil colocar cartas na mesa como agora.
Em
momentos de crise como esse é que direitos trabalhistas e sociais têm
que ser reafirmados, garantidos, universalizados e não o contrário. Pois
é nesta hora que a população que sobrevive apenas de seu salário está
mais fragilizada. E é em momentos como esse que sabemos quem é
socialmente responsável e não aquelas que fazem propagandas na TV com
carros cruzando lindas estradas cheias de
macacos-prego-do-piercing-amarelo para mostrar é verde.
Em
2008, li depoimentos de montadoras dizendo que os trabalhadores tinham
que entender que esta é uma crise global e muitas de suas sedes estão
passando sérias dificuldades, correndo o risco, inclusive de fechar. O
que é mais um caso self-service. Lembro um exemplo que pode ser
ilustrativo: um dia, questionei a Ford, nos Estados Unidos, sobre o
porquê de não atuar de forma mais incisiva para evitar que suas
subsidiárias em países como o Brasil estivessem inseridas em cadeias
produtivas em que há crimes ambientais ou trabalho escravo. Como
resposta, disseram que há independência entre as ações da matriz e das
subsidiárias e que as matrizes não podem interferir, apenas pedir que
atuem de acordo com a legislação.
Ótimo! Tá
resolvido o problema. Pois, elas não vão se incomodar se o Brasil
regular o envio de remessas de lucros para o exterior, utilizando os
recursos para ajudar a passar a tempestade de forma mais suave por aqui.
E não estou falando em reestatizar a nossa renúncia fiscal porque o
leite já foi derramado, mas de que as empresas invistam mais por aqui.
De uma forma diferente, reorganizando o setor em padrões mais
sustentáveis, por exemplo. Seria um bom momento para mudar a matriz de
produção em direção a algo com menos impacto social e ambiental (o
Estado poderia fazer isso diretamente, mas prefere injetar recursos em
atores que professam modelos de desenvolvimento antigos e depois pede
calma em encontros como a Rio+20 – vai entender).
Afinal
de contas, já que muitas empresas não se incomodam tanto com a
qualidade de vida dos trabalhadores em toda a sua cadeia de valor (da
produção do carvão ao chão de fábrica), por que se incomodariam com o
resultado dos lucros desse trabalho, não é mesmo?
*GilsonSampaio
NOTA DO CHEbola: E se tivéssemos fábricas de marca genuinamente brasileira, reverteria isso.