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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, julho 10, 2012

Vivemos?

 

 do Bourdoukan
Reflita...
Vivemos num mundo onde o ser humano é preparado para ser um consumidor voraz.
Vivemos num mundo onde o ser humano é preparado para ter um gosto padronizado.
Vivemos num mundo onde os homens pensam que  são livres.
Vivemos num mundo onde os homens acreditam que são independentes.
Vivemos num mundo onde os homens são criados para idolatrar ídolos visíveis e invisíveis.
Vivemos num mundo onde o coletivo é visto como inimigo e a solidariedade algo abjeto.
Vivemos num mundo onde as coisas se transformam em necessidades.
Vivemos num mundo onde incógnitos governam o planeta.
Vivemos num mundo onde a humanidade é controlada pela manipulação.
Vivemos num mundo onde vivemos... Vivemos?
*GilsonSampaio

segunda-feira, julho 09, 2012

Religião goela abaixo: da arbitrariedade da formação das crianças

Além de serem postas no mundo sem serem consultadas, ou seja, de nascerem não por vontade própria, mas pelo capricho ou pelo deslize dos seus pais, as crianças ainda são obrigadas a aceitarem, goela abaixo, sem chance de reação, as crendices, as convicções, as idiossincrasias, os preconceitos, os delírios e as neuroses daqueles que arbitrariamente lhes deram a existência. Por meio da educação familiar as inocentes e indefesas crianças são obrigadas a se tornarem aquilo que os seus pais são e acreditarem no que estes acreditam, a serem imagem e semelhança dos seus genitores.  Filhos de pais religiosos são condicionados a também serem religiosos como os seus pais, caso contrário terão sua puberdade e adolescência estragadas por conflitos absurdos e estúpidos. No Afeganistão as crianças são obrigadas a serem muçulmanas, no Brasil, cristãs, com todas as implicações morais e psicológicas dessas denominações.
A imagem abaixo reproduz com muito bom humor a arbitrariedade à qual as crianças são submetidas durante o seu processo de adestramento educacional numa sociedade que ainda crê em divindade, livros sagrados e messias:


Tecnologia avançada - Nanocompósitos podem viabilizar avião-Transformer



Nanocompósitos podem viabilizar avião-Transformer

 Compósitos são materiais híbridos, resultantes da mistura de polímeros com materiais naturais, metais, fibras ou cerâmicas. 

Os nanocompósitos são materiais desse tipo, mas cuja estrutura é projetada e sintetizada em nanoescala. Cientistas ligados à NASA estão agora estudando uma nova série de nanocompósitos capazes de "reagir a estímulos".

The combination of biologically inspired technology, engineering and IT could allow 'morphing wing' aircraft to be developed, offering huge operational benefits, improved efficiencies and enhanced safety performance.
 Materiais reativos De forma semelhante a um ser vivo, por exemplo, afastando-se rapidamente de uma fonte de calor, esses nanocompósitos reativos alteram suas propriedades mecânicas quando expostos a campos elétricos, campos magnéticos ou a algum tipo de radiação eletromagnética. 
Airbus is exploring ways of both enhancing users experiences and creating a more environmentally friendly vehicle. Among their hypothetical thinking is a transparent panoramic membrane roof enabling seeing both airspace above and below the seating and in natural light. Notwithstanding 'intelligent' cabin wall membranes and interactive games, but also a new aircraft structure would allow for walls which control air temperature. 
A alteração das propriedades desses "materiais mutantes" deriva de interações sinergísticas entre a matriz de polímero e seu material de preenchimento.

 Os pesquisadores agora conseguiram desenvolver um novo material com uma capacidade de reação significativa a um campo elétrico, o que significa que ele pode ser usado como atuador - para exercer uma força, por exemplo - ou sofrer uma deformação.
 É um passo gigantesco à frente dos músculos artificiais.

 Aviões que mudam de forma Um dos objetivos primários da pesquisa é o desenvolvimento de aviões que possam se adaptar às condições de voo alterando seu próprio formato - eles são chamados de aviões morfológicos (morphing planes). 

Por exemplo, um avião precisa de grande sustentação nas baixas velocidades de decolagem e pouso, mas isso compromete sua aerodinâmica para o voo em alta velocidade. Hoje, esse equilíbrio é obtido cedendo-se dos dois lados, o que significa que os aviões não são ótimos em nenhuma das duas situações.
 Alguns sistemas de asas móveis tentam contornar esse compromisso, mas com um custo e uma complexidade elevados demais para serem usados em aplicações úteis - na aviação civil, por exemplo. Mas esses materiais adaptativos são promissores para inúmeras outras aplicações, de stents e implantes médicos a automóveis e telescópios. 

Do nano ao macro 

Os maiores entraves ao uso desses materiais inovadores estão nas restrições de temperatura e no fato de que os protótipos até agora desenvolvidos suportam poucos ciclos de funcionamento - o que significa que eles perdem sua capacidade de se "transformar" com o uso. 

Os pesquisadores descobriram que a saída pode estar no uso de nanotubos de carbono no meio dos chamados nanocompósitos poliméricos eletrorrestritivos (PNC: Electrostrictive Polymer Nanocomposites). 

De forma surpreendente, os pesquisadores descobriram que as nanopartículas são essenciais para a construção dos materiais eletroativos, mas a capacidade final do material para mudar de forma depende das suas características finais em macroescala.

 Os resultados mostraram que a atuação eletrotermal do nanocompósito não depende da composição do material que preenche a matriz de polímero, mas apenas da condutividade final do material pronto - daí a importância dos nanotubos de carbono, com sua excepcional condutividade. 

O trabalho estabelece um novo patamar para as pesquisas, permitindo que os cientistas selecionem os melhores materiais de preenchimento, calculem sua quantidade ótima e descubram novas técnicas de processamento - tudo para otimizar o comportamento morfológico final do material.


Confira mais ainda: The Personal Tilt-Rotor

(Para ler aqui, acione o tranlater atomatic tradution do Blog)
falx.jpg
FALX Air Hybrid Tilt-Rotor Chopper
An ambitious aircraft concept combines the speed of a plane, the agility of a helicopter and the efficiency of a hybrid car. (Pics)

The Personal Tilt-Rotor
Imagine a car veering off a lonely mountain road and tumbling down the embankment. Minutes later, a sleek aircraft zooms in quietly at 230 miles an hour, tilts its wings and rotors up, hovers, and sets down just feet from the wreck. The pilot and a medic load the injured driver into the aircraft and zip back to a hospital at twice the speed of a conventional helicopter ambulance.
Simon Scott, the owner of Falx Air, an aviation company based in Staffordshire, England, wants to revolutionize not just medevacs but all personal air transportation. A former communications specialist in the British Army’s Air Corps, Scott has been designing Falx Air’s hybrid-electric vertical-takeoff-and-landing (VTOL) craft for the past eight years. He’s currently bench-testing components in the hopes of getting a single-passenger prototype ready to be certified in January by the Civil Aviation Authority, Britain’s equivalent of the FAA.
The key to his design is a hybrid system that doesn’t rely on batteries to do most of the work. The engine powers two generators, which directly feed two electric motors on each wing. A battery pack stores leftover power from the generator but kicks in only to provide a power boost during takeoffs, landings and the transition to forward flying. It needs the huge burst of energy to get extra lift because the rotors on a VTOL have a smaller surface area than those on a traditional helicopter. “If you want to fly your aircraft for two hours, you cannot do that on batteries,” Scott says. “That’s the reason behind having the engine supply electricity continuously.”
 The Personal Tilt-Rotor
The hybrid system keeps the craft small and light, and therefore fast and agile. By eliminating heavy mechanical parts like jet engines and gear boxes, Scott hopes to keep the single-passenger version under 1,000 pounds. And because an engine that only has to power generators can be smaller than one that has to drive rotors, the vehicle uses less fuel too.
Scott is finished with the design; now he just has to find parts that can make it real. Falx Air is testing a 104-horsepower, two-stroke engine, but it isn’t flight-certified yet. And although Scott is looking into lithium-iron-phosphate batteries, similar to one of the battery chemistries being tested for the Chevy Volt, his challenge is greater because the aircraft needs a bigger jolt of power than a car does.
 The Personal Tilt-Rotor
Given the state of the technology — and the additional $5 million Scott still needs to build the prototype — Falx’s January timeline seems unlikely. But it’s not the only team trying to build an electric whirlybird. Last fall, officials at NASA’s Ames Research Center looked into the feasibility of producing electric helicopters by using fuel cells or lithium-polymer batteries. Inderjit Chopra, a professor of aerospace engineering at the University of Maryland who led the design study, found that an electric version of a two-man Robinson R-22 helicopter could theoretically fly for only 10 minutes before the batteries ran down.”I would like to see a hybrid helicopter in the next 5 to 10 years,” he says. And tilt-rotors? “They’re a lot further off, because the takeoff energy is so high.” Scott, who has sunk $500,000 of his own money into the project, is confident that his hybrid setup skirts his critics’ concerns. “They can be skeptical,” he says, “and we’ll hover outside their window.”
 The Personal Tilt-Rotor



Fonte: www.impactable.net/ Falx Air/ Voarnews - pesquisa&ilustration militanciaviva

Marighella, o filme







A estreia de Marighella está prevista para outubro; uma parcela importante da história republicana e da luta dos brasileiros contra a opressão e pelo socialismo vai ser narrada contando a vida deste grande dirigente comunista.

Por José Carlos Ruy


Marighella, Clara e familiares
Marighella (à dir.) com a sobrinha Isa no ombro, ao lado de Clara Charf e do resto da família Grinspum em 1962

Carlos Marighella é um herói do povo brasileiro. Começou sua atividade de revolucionário ainda como estudante secundarista, na Bahia da década de 1930. Filiado ao Partido Comunista do Brasil (PCB) em 1934, dirigiu a Aliança Nacional Libertadora (ANL) na Bahia em 1935, foi preso e torturado em 1936 e depois em 1939, só saindo da cadeia em 1945. Dirigente do PCB, foi um dos 14 deputados constituintes do partido eleitos naquele ano, tendo uma atuação destacada na Assembleia Nacional Constituinte.

Baiano da Baixada do Sapateiro, em Salvador, filho de um imigrante italiano e de uma negra descendente de escravos hauças, foi um homem de múltiplos talentos - político, poeta, teórico marxista, dirigente guerrilheiro na década de 1960. Seu nome tornou-se uma lenda e a ditadura militar de 1964 o considerou seu inimigo número 1.
Rompeu com o reformismo do PCB (Partido Comunista Brasileiro) em 1967, organizou a Ação Libertadora Nacional (ALN) para a resistência armada contra a ditadura e foi autor do célebre Manual do Guerrilheiro Urbano, traduzido mundo afora. Não tinha completado 60 anos de idade quando foi assassinado na alameda Casabranca, em São Paulo, em 4 de novembro de 1969, em uma emboscada da repressão política da ditadura, dirigida pelo torturador e assassino político Sérgio Fleury. 
Sua história está contada agora no filme Marighella, dirigido por sua sobrinha Isa Grinspum Ferraz, com estreia prevista para outubro. "Um dia, faz 40 anos, eu estava indo com meu pai para a escola e ele disse: 'Vou te contar um segredo: seu tio Carlos é o Carlos Marighella'". O filme começa com esta declaração da sobrinha Isa, que é também socióloga. "Tio Carlos era casado com tia Clara”, conta ela. “Eles estavam sempre aparecendo e desaparecendo de casa. Era carinhoso, brincalhão, escrevia poemas pra gente. Nunca tinha associado o rosto dele aos cartazes de 'Procura-se' espalhados pela cidade", continua a voz de Isa, no filme. Sua ideia foi " desfazer o preconceito que até pouco tempo atrás havia contra meu tio. Era um nome amaldiçoado, sinônimo de horror. Além da vida clandestina e do ciclo de prisões e torturas, procuramos mostrar também o poeta, estudioso, amante de samba, praia e futebol, e acima de tudo o grande homem de ideias que ele foi".
*Cappacete

A imprensa corrupta brasileira torce para a volta dos bons tempos de FHC


O Globo Corrupções Ltda diz que a solução para o Brasil é privatizar, também acho e vamos começar com a retirada de gastos com propaganda governamental no tablóide corrupto e em toda a organização a que ele pertence. 


Será uma grande economia para os recursos do povo.
*cutucandodeleve

Venezuela no Mercosul: mais exportações para a indústria brasileira

 

Os industriais brasileiros que não burros de seguirem a cabeça da revista Veja e da Globo, avaliam que a entrada da Venezuela no Mercosul terá o efeito de aumentar as exportações de produtos manufaturados brasileiros, o que é bastante importante no momento da crise internacional, quando outros países estão importando menos.
*osamigosdop´residentelula

Cunha expõe as garras
da Condor (e de Geisel)




O Conversa Afiada reproduz importante palestra do jornalista Luiz Claudio Cunha na Câmara dos Deputados sobre a Operação Condor (não deixe de ler tembém “Geisel armou Pinochet“).


Seminário Internacional sobre a Operação Condor

Câmara dos Deputados – Brasília, Brasil – 5/julho/2012


As garras do Brasil na Condor


Luiz Cláudio Cunha *


A mais longa ditadura da maior nação do continente não poderia ficar de fora do clube mais sinistro dos regimes militares da América do Sul. O Brasil dos generais do regime de 1964 estava lá, de corpo e alma, na reunião secreta em Santiago do Chile, em novembro de 1975, que criou a Operação Condor.

Nascia a mais articulada e mais ampla manifestação de terrorismo de Estado na história mundial. Nunca houve uma coordenação tão extensa entre tantos países para um combate tão impiedoso e sangrento a grupos de dissensão política ou de luta armada, confrontados à margem das leis por técnicas consagradas no submundo do crime.

Tempos depois, em 1991, as democracias renascidas da região construíram um difícil pacto de integração política e econômica batizado de Mercosul. Dezesseis anos antes, contudo, os generais das seis ditaduras do Cone Sul — Chile, Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai e Bolívia — tinham conseguido realizar, a ferro e fogo, uma proeza ainda mais improvável: um secreto entendimento pela desintegração física, política e psicológica de milhares de pessoas.

A Operação Condor trouxe para dentro do Estado ilegítimo das ditaduras as práticas ilegais da violência de bandos paramilitares, transformando agentes da lei em executores ou cúmplices encapuzados de uma dissimulada política oficial de extermínio.

O envolvimento de efetivos regulares da segurança com as práticas bandoleiras de grupos assassinos explica, de alguma forma, a leniência e depois a conivência com o crime por parte de corporações historicamente fundadas na lei e na ordem. O Esquadrão da Morte, em países como Brasil, Argentina e Uruguai, contaminou o Exército. O Exército perdeu os limites com a obsessão da guerra antisubversiva. A luta contra a guerrilha transbordou as fronteiras da lei e exacerbou a violência. A virulência clandestina e sem controle do esquadrão empolgou o Exército. O Exército apodreceu com o Esquadrão da Morte. O esquadrão confundiu-se com o Exército, o Exército virou um esquadrão.

A Condor, enfim, reconheceu tudo isso e criminalizou os regimes militares do Cone Sul.

Dois policiais resumem este mergulho criminoso do poder no Brasil e no Uruguai. O americano Dan Mitrione era especialista em interrogatórios do Serviço de Segurança Pública (OPS, na sigla em inglês), uma agência americana de fachada da CIA extinta um ano antes do nascimento da Condor. Em 16 anos de vida, treinou um milhão de policiais no chamado Terceiro Mundo. Mitrione desembarcou no Rio de Janeiro um ano antes do golpe de 1964 e ao sair, três anos depois, a OPS tinha adestrado 100 mil agentes brasileiros, 1/6 da força policial do país. Mitrione assumiu a OPS do Uruguai em 1969, quatro anos antes do golpe de Bordaberry, com um lema que definia seus princípios: “A dor precisa, no lugar preciso, na quantidade precisa, para o efeito desejado”.

O brasileiro Sérgio Fleury, delegado do DOPS, era internacionalmente conhecido como líder do clandestino Esquadrão da Morte, de onde importou métodos de combate ao crime comum para uso na repressão política. Seis meses antes do golpe de junho de 1973, o embaixador americano em Montevidéu, Charles Wallace Adair Jr., avisou Washington que oficiais da alta hierarquia militar do Uruguai foram treinados no final de 1971 pelo Brasil para combater a insurgência. Um dos treinadores brasileiro levados aos aprendizes de Mitrione era o experiente Fleury.

O embaixador detalhou a ação de órgãos de segurança da Argentina (Secretaria de Inteligência do Estado, SIDE) e do Brasil (Serviço Nacional de Informações, SNI) no apoio a grupos uruguaios clandestinos: “Os brasileiros reconhecidamente aconselharam e treinaram oficiais militares e policiais uruguaios envolvidos em grupos contra-terroristas que se responsabilizaram por atentados a bomba, sequestros e até mesmo assassinatos de suspeitos de pertencerem à esquerda radical”. Na Argentina, o delegado-chefe da Polícia Federal em Buenos Aires era Alberto Villar, fundador em 1973 da versão local do Esquadrão da Morte, a clandestina Triple A, ou Aliança Anticomunista Argentina, acusada de quase 2 mil mortes em dez anos de crimes.

Quase dois anos antes da formalização da Condor, os seis países da região fizeram uma reunião secreta em Buenos Aires, em fevereiro de 1974. O ‘I Seminário de Polícia sobre a Luta Antisubversiva no Cone Sul’ reunia os chefes da Polícia Federal, alguns deles oficiais do Exército — casos do Brasil, Argentina e Paraguai. Acertaram “novas formas de colaboração transnacional para confrontar a ameaça subversiva”, conforme o general Miguel Angel Iñiguez, chefe da Polícia Federal argentina, anunciando a decisão final de operações conjuntas “contra inimigos políticos em qualquer dos países associados”.

A preocupação anticomunista se aguçou com a revolução castrista em Cuba e entrou na pauta dos quartéis do continente, que se reuniam regularmente na Conferencia dos Exércitos Americanos (CEA). No 10º encontro, realizado em Caracas uma semana antes do golpe de Pinochet em 1973, o general brasileiro Breno Borges Fortes propôs “ampliar a troca de experiências ou informações” na guerra ao comunismo.

Em 1976, na Nicarágua do ditador Somoza, disse o chefe da delegação argentina na CEA:

— A guerra ideológica não respeita fronteiras — avisou o general Roberto Viola, que carregava no sobrenome a crença de quem não reconhece limites no combate à subversão. Quatro anos antes, este desbordamento da violência ficou evidente  no Uruguai.

Em fevereiro de 1972, os guerrilheiros Tupamaros sequestraram um fotógrafo em Montevidéu. Nelson Bardessio era mais do que isso: era também policial, segurança e motorista do americano William Cantrell, o homem da CIA no Uruguai. O policial revelou ser membro do Esquadrão da Morte que agia dentro da DNII, Dirección Nacional de Información y Inteligencia, a central de polícia abastecida pela CIA de Cantrell com equipamento de tortura.

As ordens do ministro do Interior, Santiago de Brum Carbajal, eram repassadas ao esquadrão pelo vice-ministro Armando Acosta y Lara. Bardessio revelou que o próprio secretário pessoal do presidente Pacheco Areco, Carlos Piran, conseguiu junto à SIDE (a Secretaria de Inteligência do Estado argentino) a gelinita explosiva com que o Esquadrão da Morte praticou quatro atentados em Montevidéu. O motorista da CIA contou que ele fizera parte de uma equipe de cinco policiais treinados pela SIDE em Buenos Aires em “atividades antiterroristas” e “técnicas de vigilância”. Outros dois agentes, disse Bardessio, foram enviados ao Brasil para exercitar “operações de Esquadrão da Morte”.

Os futuros quadros da Condor começaram a se formar nesta geleia geral que misturava gelinita com militares, policiais, agentes secretos, torturadores e terroristas paramilitares. Ali mesmo em Montevidéu, três anos depois, a Condor começou a sair do ovo. Em outubro de 1975, nos salões exclusivos do hotel Carrasco, reuniu-se a 11ª CEA, a conferência dos Exércitos. Num encontro prévio, os chefes dos serviços secretos do continente ouviram a proposta de seu camarada chileno, um certo coronel Manuel Contreras, chefe da Dirección Nacional de Inteligência (DINA), a polícia política de Pinochet, para a criação de “um programa repressivo transnacional”.

A proposta foi aprovada, e Contreras não perdeu tempo. Despachou o vice-diretor da DINA, o coronel da Força Aérea Mário Jahn, direto de Montevidéu para Assunção, onde entregou ao general Francisco Brítez, chefe da repressão do Governo Stroessner, o convite para uma reunião “absolutamente secreta” em Santiago do Chile para o mês seguinte, novembro.

O nº 2 da DINA, antes de voltar para casa, fez uma segunda escala, um pouco acima no mapa: Brasília. Aqui, entregou o convite e a agenda de dez páginas da pomposa ‘Iª Reunión de Trabajo de Inteligencia Nacional’ a um fraterno amigo de Contreras: o general João Baptista Figueiredo, o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) do Governo Geisel.


As duas ditaduras tinham muito em comum. O palácio La Moneda ainda fumegava com as bombas de sete ataques da Força Aérea quando o embaixador brasileiro Antônio Cândido Câmara Canto adentrou a Escola Militar de Santiago no instante em que o quarteto da Junta Militar prestava juramento como novo centro de poder.

– Ainda estávamos disparando quando chegou o embaixador e nos comunicou o reconhecimento – registrou o próprio Pinochet, assombrado com a ligeireza que tornou o Brasil o primeiro governo do planeta a estabelecer vínculos formais com a nova ordem.

Dissimulados, os Estados Unidos de Nixon e Kissinger esperaram baixar a poeira das bombas e só reconheceram a ditadura Pinochet treze dias depois do Brasil. O espaço aéreo chileno ainda estava fechado, horas depois do golpe, quando quatro aviões militares brasileiros pousaram na base de Santiago, oficialmente levando apenas remédios e mantimentos.

No Brasil, o apoio encoberto ao golpe foi imediato. Um acordo, articulado no Governo Médici (1969-1974) e executado no Governo Geisel (1974-1979), garantiu fuzis e munição para a repressão interna no Chile, como revelou no domingo (1/julho) a repórter Júnia Gama, de O Globo, com base em documentos inéditos do extinto EMFA (Estado-Maior das Forças Armadas). Um ofício de 17 de janeiro de 1975 revela a ordem secreta do EMFA para raspar o logotipo da República nos fuzis tipo FAL para não permitir a identificação da cumplicidade brasileira nas armas produzidas na fábrica do Exército em Itajubá, Minas Gerais.

O próprio Manuel Contreras afiara suas garras no Brasil. Um interlocutor do coronel, o americano Robert Scherrer, chefe do escritório do FBI em Buenos Aires, diz que o chileno foi treinado em Brasília. O golpe mal completara um mês quando um economista brasileiro da CEPAL foi incorporado aos dez mil prisioneiros reunidos no Estádio Nacional de Santiago. José Serra, ex-presidente da União Nacional dos Estudantes, chegou a ouvir gente fazendo interrogatório em português. Os agentes do SNI foram ao Chile depois do golpe para obter informações de esquerdistas brasileiros, enquanto oficiais chilenos vinham ao Brasil para treinamento na Escola Nacional de Informações, a ESNI – que serviu de inspiração a Contreras na formatação de sua DINA.

Entre os 24 mil documentos da Inteligência americana sobre o Chile, desclassificados no Governo Clinton, existe um memorando secreto que o general Vernon Walters, o vice-diretor da CIA, mandou em julho de 1975 ao assessor de Segurança Nacional do presidente Ford, Brent Scowcroft. Ele retransmitia o apelo que Pinochet, inusitadamente aflito pelo risco de isolamento internacional, mandava para a Casa Branca. No item 3 da nota, Walters mostrava a intimidade brasileira com Pinochet: “Os chilenos sabem que não conseguem obter ajuda direta por causa da oposição do Congresso [americano]. Querem saber se há algum modo de conseguir essa ajuda indiretamente, via Espanha, Taiwan, Brasil ou República da Coréia”.

O general americano nem precisou lembrar. Mas os quatro países, por coincidência, eram ferozes ditaduras anticomunistas.

Dois meses depois, em setembro de 1975, Pinochet e o vice-diretor da DINA, coronel aviador Mario Jahn, discutiram a expansão internacional da repressão chilena. O coronel era o homem encarregado por Contreras de pilotar as incursões além-fronteiras da Condor, desafio que sempre demandava gastos maiores. Na conversa na sala de jantar do general, presenciada por um civil amigo de Pinochet, Jahn explicou:

– Os americanos estão ajudando por meio do Brasil. Este é o momento de se mover, avançar e levar a luta para o nível mundial – propôs o coronel a Pinochet, informado de que treinamento da CIA era fornecido por meio do Brasil. Brasília era definida, na conversa, como o “canal de treinamento” de técnicas de interrogatório e tortura para os agentes da DINA.

Um memorando de 15 de setembro de 1975 de Contreras a Pinochet pede um reforço de US$ 600 mil no orçamento daquele ano da DINA. No item 1 da nota, o coronel justifica ao general: “Aumento do pessoal da DINA ligado às missões diplomáticas do Chile. Um total de dez pessoas: 2 no Peru, 2 no Brasil, 2 na Argentina, 1 na Venezuela, 1 na Costa Rica, 1 na Bélgica e 1 na Itália.”

Em 1999, o jornal O Globo deu outra pista segura sobre a presença da DINA em solo brasileiro. Ele revelou uma destinação adicional ao pedido de verbas feito por Contreras a Pinochet em 1975: o custeio dos oficiais da DINA que, a cada dois meses, faziam um curso de seis semanas no Centro de Instrução de Guerra na Selva (CIGS) do Exército brasileiro, em Manaus, no coração da maior floresta tropical do mundo.

Durante algum tempo, um de seus principais instrutores foi o adido militar da embaixada da França em Brasília entre 1973 e 1975. O general Paul Aussaresses, especialista em inteligência, era veterano de duas épicas derrotas francesas em guerras coloniais: a da Indochina (1946-1954) e a da Argélia (1954-1962). Foi herói na Segunda Guerra Mundial, saltando de paraquedas na Normandia para fazer a ligação entre a Resistência francesa e as tropas aliadas do Dia D. Foi vilão no fronte argelino, como mestre da tortura aplicada pelas tropas paraquedistas do general Jacques Massu. Graças a Aussaresses, a França introduziu no seu vocabulário uma deformação paraestatal que só condenava nos outros povos: os macabros ‘esquadrões da morte’.

Quase duas décadas antes do jornalista Vladimir Herzog aparecer “suicidado” no porão do DOI-CODI em São Paulo, Aussaresses mandou “suicidar” em Argel um dos líderes da Frente de Liberação Nacional (FLN), o argelino Larbi Ben M’Hidi, que apareceu enforcado na prisão após um interrogatório pesado, em 1957. Na sequência, outro suicídio: o influente advogado Ali Boumendjel “atirou-se” do sexto andar do prédio onde estava preso. Em 2000, o general reconheceu que nenhum se suicidara. Ambos foram mortos pela tortura executada sob suas ordens. Mas Aussaresses não se arrependia:

– A tortura é um mal menor, mas necessário, que deve ser usado para evitar o mal maior do terrorismo.

O mesmo argumento consolador foi usado pelo general Ernesto Geisel no depoimento que prestou ao CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, ao dizer:

— Acho que a tortura em certos casos torna-se necessária, para obter confissões. (…) Não justifico a tortura, mas reconheço que há circunstâncias em que o indivíduo é impelido a praticar a tortura, para obter determinadas confissões e, assim, evitar um mal maior — explicou Geisel.

Apesar da tolerância, o ditador brasileiro ainda simulava espanto com a ousadia da repressão de Pinochet. Em setembro de 1974, uma bomba da DINA explodiu em Buenos Aires o carro do ex-comandante do Exército chileno, Carlos Pratts, matando o general legalista e sua mulher. Quatro meses depois, quando Figueiredo sugeriu uma aproximação entre o SNI e a DINA, Geisel vetou:

— Eles que venham aqui ver a ESNI – disse o presidente, segundo anotação de 10 de janeiro de 1975 do secretário particular Heitor Ferreira, revelada pelo jornalista Elio Gaspari. Exatamente uma semana depois, o EMFA do general Geisel mandaria raspar o logotipo das armas que seu hipócrita governo fornecia clandestinamente à ditadura chilena.

Os chilenos, apesar do fingimento de Geisel, já frequentavam a Escola Nacional de Informações do SNI em Brasília desde o ano anterior, logo após a criação da DINA. O que Geisel não queria, realmente, era misturar suas tropas de repressão com as de Pinochet. Além disso, havia um erro de origem no convite de Contreras a Figueiredo para a reunião no Chile. Por definição, o SNI era um órgão de informação do presidente da República. Assim, o SNI não era o braço operacional no combate à luta armada. A missão em Santiago, por dever de ofício, cabia ao Centro de Informações do Exército.

Era o CIE que guerreava o que o SNI informava.

Esta era a lógica – e Figueiredo repassou o encargo a quem de direito, o general Confúcio Danton de Paula Avelino, o chefe do CIE, com uma recomendação especial de Geisel: reduzir a presença brasileira em Santiago. Em vez de três, como pedia Contreras, o Brasil mandaria apenas dois militares – um coronel e um major, com ordens estritas para escutar mais do que falar.


O Brasil não tinha muitas ideias para uma ação coletiva, mas queria preservar as ações bilaterais, caso a caso, quando ações repressivas fossem necessárias. Uma última recomendação de Figueiredo, repassando a ordem de Geisel: reduzir a participação brasileira à condição de observador, sem autorização para firmar nenhum documento.

Na manhã ensolarada de 25 de novembro de 1975, uma terça-feira, os dois brasileiros se juntaram a outros treze militares disfarçados de terno e gravata que ocuparam o grande salão da mansão da Alameda O’Higgins onde funcionava a Academia de Guerra do Exército, na capital chilena. A voz aguda de Pinochet ocupou um pedaço da sessão de hora e meia da abertura. Depois, Contreras assumiu o controle, pronunciando seu mantra favorito: “A subversão não reconhece fronteiras nem países”.

A repressão que assombrava o Cone Sul desde a década anterior agora tinha uma organização, um código e um método — e a loucura de sempre. A operação clandestina ganhou o nome de Condor, o abutre típico dos Andes, que agora abria suas asas sobre os povos e os países da região sem fronteiras para um terror de Estado sem limites. A velha e informal prática da troca de informações e de prisioneiros entre ditaduras camaradas tinha agora uma grife que ninguém ainda conhecia pelo nome, mas já temiam pelo terror contagiante de quem perdia parentes e companheiros, desaparecidos na treva e na noite sem fim.

A ata de fundação desse clube com licença para matar foi assinada pelos representantes de cinco dos seis países fundadores. O capitão argentino Jorge Demetrio Casas (diretor de operações do Serviço de Inteligência do Estado, SIDE), o coronel uruguaio José Fons (subdiretor do Serviço de Inteligência de Defensa, SID), o coronel paraguaio Benito Guanes Serrano (chefe do Departamento de Inteligência do EMFA), o major boliviano Carlos Mena Burgos (do Serviço de Inteligência do Estado, SIE), além do anfitrião, o coronel chileno Manoel Contreras. Os dois brasileiros dissimulados que lá estavam aprovaram tudo, mas não assinaram nada, cumprindo a ordem de Geisel de presença restrita à condição de ‘observadores’.

Até os documentos desclassificados da CIA, portanto, não conseguiam quebrar o anonimato planejado pela hipocrisia brasileira. Achei estranha esta lacuna e, durante dois anos, enquanto finalizava meu livro sobre a Operação Condor, procurei identificar a dupla enviada por Brasília.  Não localizei documentos, mas os relatos de veteranos da ditadura e da comunidade de informações acabaram decifrando o mistério.

Estes são os nomes dos brasileiros ‘observadores’ que fundaram a Condor:

Flávio de Marco e Thaumaturgo Sotero Vaz.

Dois militares, dois agentes do Centro de Informações do Exército (CIE).

Dois veteranos do combate nas selvas do Araguaia (1972-1974), o maior e mais longo foco guerrilheiro do país, onde 70 combatentes comunistas de linha maoísta foram esmagados por um contingente militar que chegou a oito mil homens.

O coronel De Marco e o major Thaumaturgo estavam lá, na frente de batalha.

Quando De Marco chegou ao Araguaia, outubro de 1973, ainda resistiam 56 guerrilheiros. Quando o coronel foi embora, um ano depois, não restavam mais do que dez combatentes. Suas sepulturas nunca foram encontradas. A falta de investigação do governo sobre a violência no Araguaia levou à condenação do Brasil, em 2010, pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA.

O major Thaumaturgo, oficial paraquedista com curso de guerra na selva na Escola das Américas, no Canal do Panamá, comandava os ‘boinas pretas’ do Destacamento das Forças Especiais do Rio Janeiro, quando foi enviado ao Araguaia em 1972 com um pelotão de 36 homens. Em 1984, já coronel, Thaumaturgo assumiu o comando em Manaus do CIGS, o centro de guerra na selva onde treinaram os agentes da DINA do coronel Contreras, seu anfitrião na fundação da Condor uma década antes.


De Marco e Thaumaturgo estavam em Santiago por delegação expressa de Geisel e seu sucessor na presidência. Quando o coronel Figueiredo comandava no Rio o Regimento de Cavalaria de Guarda, De Marco servia ao seu lado. O general Figueiredo o levou com ele ao assumir a chefia do SNI e, quatro anos após fundar a Condor, De Marco subiu a rampa do poder com o presidente Figueiredo, na condição de diretor administrativo do Palácio do Planalto. O major Thaumaturgo foi cadete na academia militar do general Danilo Venturini, que dirigiu a ESNI, a escola frequentada por Contreras e seus rapazes da DINA, antes de assumir a chefia do Gabinete Militar no Governo Figueiredo.

Os brasileiros da Condor estavam, portanto, entre amigos.

Os observadores e seus chefes integravam uma irmandade.

A irmandade da Condor.

Um abutre carniceiro que via longe. Em 1979, quando a Condor ainda voava alto, um agente da CIA repetiu no Senado dos Estados Unidos uma frase do coronel Contreras:

— Iremos até a Austrália, se necessário, para pegar nossos inimigos.

Em novembro de 1978, a Condor foi até Porto Alegre para pegar seus inimigos.

É a capital brasileira do Cone Sul, no Estado que faz fronteira com a Argentina e o Uruguai. A repressão uruguaia localizou na cidade dois ativistas da esquerda ‘requeridos’ pela ditadura: Lilian Celiberti e Universindo Rodriguez Diaz. Atravessar a fronteira seca do Rio Grande do Sul parecia ser ainda mais simples do que cruzar o Rio da Prata para sequestrar opositores em Buenos Aires.

— Brasil todavia no es Argentina! — advertiu o coronel Calixto de Armas, o homem mais poderoso da repressão, chefe do Departamento II do Comando Geral do Exército, responsável pelas ações do braço operacional da Condor uruguaia, a secreta Compañia de Contrainformaciones.  O coronel pairava acima das quatro Divisões de Exército do Uruguai e acima até do Organismo Coordenador de Operações Antisubversivas, o temido OCOA, a versão local do DOI-CODI. O coronel só recebia ordens de dois homens: seu chefe imediato, o general Manuel J. Nuñez, chefe do Estado-Maior, e do comandante-geral do Exército, general Gregório ‘Goyo’ Álvarez.

De Armas procurou um velho parceiro da irmandade da Condor no Brasil: o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o homem que no Governo Médici formou a máquina de tortura do DOI-CODI da rua Tutoia, em São Paulo, e que no Governo Geisel foi chefe em Brasília do Setor de Operações do CIE, o serviço secreto do Exército. Quando fez o contato, em novembro, De Armas encontrou o camarada de repressão comandando há dez meses um quartel de artilharia em São Leopoldo, nas cercanias da capital gaúcha. A partir das instruções de Ustra, a cadeia de comando acionada na operação de Porto Alegre mostra que a loucura da Condor tinha método e hierarquia.

O Departamento II do coronel De Armas contatou desde Montevidéu o Estado-Maior do III Exército em Porto Alegre, pedindo passe livre da Condor para os homens da Compañia de Contrainformaciones. O CIE gaúcho repassou o pedido ao chefe do CIE em Brasília, general Edison Boscacci Guedes. O coronel uruguaio foi autorizado, então, a pilotar a Condor em solo gaúcho em parceria com o DOPS, a polícia política comandada pelo nome mais famoso da repressão no sul, o delegado Pedro Seelig, que desbaratou a esquerda armada na região.

Comunicando-se pelo sistema codificado criado pela CIA para a DINA do coronel Contreras, a Condortel 3 (base Uruguai)  entrou em linha com a Condortel 6 (base Brasil). Na primeira semana, a cúpula da Compañia uruguaia circulou em Porto Alegre: o comandante, major Carlos Alberto Rossel, seu subcomandante, major José Walter Bassani, e o capitão Eduardo Ramos, chefe da seção técnica. Na segunda semana, foram rendidos pelo chefe da seção administrativa, capitão Glauco Yannone. Na manhã de domingo, 12 de novembro, prenderam Lilian Celiberti na Rodoviária de Porto Alegre. O capitão Yannone e o delegado Seelig estavam lá, pela fraterna camaradagem da Condor. Universindo foi preso horas depois, com os dois filhos de Lilian — Camilo, de 8, e Francesca, de 3 anos.

Lilian e Universindo foram despidos e duramente torturados na sede do DOPS gaúcho.

O delegado Seelig observava, o capitão Yannone espancava.

O casal e as crianças foram levados pela polícia brasileira para o Chuí, na fronteira, onde os militares aplicaram novas torturas. Esperta, Lilian insinuou um encontro em Porto Alegre com o alvo principal da Condor uruguaia — Hugo Cores, o líder do PVP, o partido clandestino do qual faziam parte Lilian e Universindo.  Lilian foi trazida de volta à capital gaúcha pelo chefe do setor de operações da Compañia, o capitão Eduardo Ferro, que armou uma ratonera para capturar sua presa no apartamento da uruguaia, na rua Botafogo.

Mas foi o capitão que caiu na ratonera de Hugo Cores.

Clandestino em São Paulo, e alertado pelo silêncio de seus companheiros, Hugo Cores deu um telefonema anônimo para a sucursal da revista Veja em Porto Alegre, denunciando o desaparecimento. Quando os homens armados de Ferro e Seelig ocultos no apartamento abriram a porta, com pistolas em punho, na tarde chuvosa de 17 de novembro de 1978, não surpreenderam o esperado Hugo Cores. Na verdade, foram surpreendidos pela presença inesperada de um repórter e um fotógrafo, que ficaram ainda mais surpresos com as pistolas apontadas para suas cabeças.

Conto tudo isso porque eu era o repórter, ao lado do fotógrafo JB Scalco.

Eu olhei no olho da Condor.

Encarei a escuridão sem fim do cano da pistola entre meus olhos.

Meu amigo Scalco morreu do coração cinco anos depois, aos 32 anos.

Tenho, assim, o privilégio nada honroso de ser o único repórter do Cone Sul a sobreviver às garras da Condor.

Assumi então o desafio de contar essa história e identificar seus responsáveis, na série de reportagens que produzi ao longo de dois anos na revista Veja e no livro que publiquei, 30 anos depois do sequestro.

A inesperada aparição de dois jornalistas, algo inédito no território da Condor, obrigou os chefes uruguaios e brasileiros a abortarem a operação de Porto Alegre, voltando às pressas a Montevidéu. Dessa vez, portanto, a praxe de sangue da Condor não se cumpriria: os sequestrados sobreviveram, apesar das torturas, e não puderam ser simplesmente ‘desaparecidos’.

A denúncia do sequestro dos uruguaios em Porto Alegre virou um escândalo internacional, que mobilizou a imprensa, os partidos, os advogados, as entidades de direitos humanos.

O sequestro de Universindo, Lilian e as duas crianças é uma das 81 ações reabertas na Justiça pelo presidente José Pepe Mujica contra crimes de tortura, desaparecimento forçado e sequestro nos anos da ditadura (1973-85). No próximo dia 16 de julho, segunda-feira, estarei no tribunal da calle Missiones, em Montevidéu, depondo como testemunha do sequestro a pedido da juíza Mariana Motta. Foi ela que, em fevereiro de 2011, condenou o ex-presidente Juan María Bordaberry a 30 anos de prisão por liderar o golpe de Estado de 1973 que dissolveu o Congresso e a democracia do país. Bordaberry morreu no ano passado, aos 83 anos.

O fiasco da rua Botafogo expôs ao ridículo as ditaduras do Uruguai e do Brasil, no contexto de uma operação repressiva que nunca dava errado, que nunca deixava sobreviventes.

Em 1978, a Condor deixara para trás, vivos, quatro sequestrados e duas testemunhas para contarem como era a Condor, como agia a Condor.

Como avisara o coronel Calixto de Armas, Brasil todavia no era Argentina!.

Afinal, por que fracassou a Condor em Porto Alegre?

Por duas razões principais, que desconcertaram simultaneamente brasileiros e uruguaios por detalhes que não eram comuns em seus países.

As crianças desordenaram a rotina de eficiência do delegado Seelig e seus agentes do DOPS.   Ao contrário dos uruguaios, que roubavam os bebês de suas vítimas para entregá-los às famílias de seus algozes, a repressão brasileira não registra o desaparecimento de crianças, muito menos sua presença nas ações de busca e captura de guerrilheiros.

Os jornalistas abalaram a disciplina militar do capitão Ferro e seus parceiros da Compañia de Contrainformaciones. Ao contrário dos brasileiros, mais acostumados à insistente cobertura de uma imprensa mais incômoda sobre os excessos do regime, apesar da censura, a repressão uruguaia não concebia a presença inoportuna de jornalistas no seu local de trabalho clandestino.

De um lado e outro da fronteira, a Condor piscou, sem esconder a visível hesitação que impediu o assassinato que antes tudo resolvia, tudo desaparecia, tudo apagava.

No crepúsculo de seu governo, um mês após o sequestro de Porto Alegre, o general Geisel ordenou que o general Figueiredo, que assumiria a presidência em março de 1979, resolvesse o fiasco da Condor. Foi enviado ao sul o novo chefe do SNI, general Octávio Aguiar de Medeiros, que fracassou outra vez, na frustrada tentativa de simular uma explicação para o sumiço dos uruguaios.

Assim, num único episódio da Condor, envolveram-se sem sucesso os três generais mais influentes da ditadura brasileira tentando juntar as penas da Condor depenada em Porto Alegre.

Em uma entrevista que fiz em 1993 com o autor do telefonema anônimo, Hugo Cores, ele me dizia: “Todos os uruguaios sequestrados no exterior, algo em torno de 180, estão desaparecidos até hoje. Os únicos que estão vivos são Lilian, as crianças e Universindo. O sequestro de Porto Alegre foi o único realizado no Brasil e o último praticado pelo Uruguai. Depois dele, nunca mais houve outro”, festejava o líder do PVP.

A Condor voou com intensidade entre 1975 e 1980. E matou intensamente antes, durante e depois, com o método e a loucura das ondas sucessivas de governos militares que afogaram a democracia e a razão durante quase um século de arbítrio no Cone Sul. Nos cinco maiores países da região, foram exatos 92 anos somados de ditaduras que eram de um e eram de todos nós: Paraguai (1954-89), Brasil (1964-85), Chile (1973-90), Uruguai (1973-85) e Argentina (1976-83).

Nos tempos da Condor desatinada, a força matava pessoas e palavras, mas também inventava um novo léxico para tentar traduzir sua violência. No Chile da Condor emergiu uma nova palavra no dicionário da repressão, coalhado de presos e mortos. Surgiu a figura intermediária e angustiante do “desaparecido” – que quase sempre era uma coisa e outra, preso ou morto, sequência e consequência um do outro, e que tinha sobre eles a vantagem de isentar o Estado de explicações e justificativas.

Um “desaparecido” era uma dúvida, quem sabe um equívoco, talvez uma fatalidade, sempre um mistério que não incriminava ninguém e absolvia a todos – com exceção dos familiares da vítima, condenados ao desespero, subjugados pelo luto iminente, esmagados pela dor incessante. Um “desaparecido” só levantava suspeitas e mais perguntas, sem a garantia de certezas ou possíveis respostas. O “desaparecido” disseminava o medo. Do medo brotava o terror – e novas palavras.

O dicionário de terror da Condor fabricava uma expressão ainda mais assustadora, mais aflita: os no-nombrados, os N.N., cadáveres sem nome, sem cara, sem história, exumados no ninho da Condor por regimes de força sem coragem, sem caráter, sem futuro, sem passado. As pessoas com nomes desapareciam separadamente e, de repente, emergiam do solo covas coletivas apinhadas de mortos sem nome. No auge de seu poder, em 1979, o general argentino Jorge Videla fez uma contorcida exegese do que seria esta estranha criação dos regimes onde voava a Condor:

— O que é um desaparecido? Como tal, o desaparecido é uma incógnita… Enquanto desaparecido, não pode ter nenhum tratamento especial: é uma incógnita,  é um desaparecido, não tem identidade. Não está nem morto, nem vivo. Está desaparecido… — consolava o general da mais sangrenta ditadura do Cone Sul.

Os tiranos que caçam os opositores da tirania começam subvertendo o idioma e o sentido lógico das coisas. Carimbam como ‘subversivo’ ao resistente que ousa desafiar a opressão. Combatem o ‘terrorista’ indefeso e manietado com o aparato pesado do terror de Estado. Pregam a defesa da lei pela ação ilegal e clandestina de seus agentes. Alegam defender a democracia impondo o arbítrio. Chamam de ‘ditabranda’ o que não passa de ditadura. Revogam Constituições para aplicar Atos Institucionais. Impõem a insegurança dos cidadãos em nome da Segurança Nacional. Torturam e matam invocando a paz e a tranquilidade.  Fabricam ‘suicídios’ ou ‘atropelamentos’ quando os presos cometem o desatino de morrer sob tortura em suas masmorras. Concedem autoanistia para perdoar seus crimes imperdoáveis. Clamam pelo esquecimento para abafar a impunidade. E condenam como revanchismo o que não passa de memória.

No paraíso da Condor, os generais e seus serviçais conseguiram subverter o significado de duas das palavras mais valiosas da civilização: dignidade e liberdade.

Dignidad, no Chile da Condor, era o nome de uma colônia agrícola, 335 km ao sul de Santiago, criada por um ex-enfermeiro da  Luftwaffe nazista. Era frequentada por Pinochet e pelo coronel Contreras. Era um centro de torturas e de treinamento para interrogatórios da DINA.

Libertad, no Uruguai da Condor, 5o km a oeste de Montevidéu, era o maior presídio político do país. Abrigava 600 presos políticos. Desde junho de 1980, um deles atendia pelo nome de Universindo Rodriguez Díaz, o uruguaio sequestrado em Porto Alegre.

Dignidad virou sinônimo de tortura no Chile da Condor.

Libertad virou endereço de presídio no Uruguai da Condor.

Quando veio o golpe de 11 de setembro no Chile, um dos primeiros presos foi um general da Força Aérea, Alberto Bachelet. Ficou preso seis meses no Cárcere Público de Santiago, mas o coração não resistiu às torturas, nele e em velhos camaradas. Morreu de infarto em março de 1974, um mês antes de completar 51 anos. Foi poupado de uma forte emoção da história, 32 anos depois, quando o mesmo Partido Socialista derrubado à bala por Pinochet voltou ao poder pelo voto em 2006 elegendo como presidente uma médica pediatra de 56 anos – a filha de Alberto, Michelle Bachelet.

Em janeiro de 1975, dez meses antes do nascimento da Condor, Michelle e sua mãe foram presas e levadas vendadas para Villa Grimaldi, um famoso centro clandestino da DINA em Santiago. Lá, aos 24 anos, Michelle foi torturada.

É de Michelle Bachelet esta frase que nos inspira e consola:

— Só as feridas lavadas cicatrizam.

Passados tantos anos de tanto horror, este encontro de hoje, aqui em Brasília, na capital do país que é um envergonhado sócio fundador da Condor, mostra que começamos a lavar nossas feridas com esta forte manifestação da memória coletiva.

Todos, aqui, temos uma só mensagem a quem fez e a quem tenta esquecer tudo aquilo:

Nós sabemos, nós lembramos, nós contamos.


Brasília, 5/julho/2012


Luiz Cláudio Cunha, jornalista, é autor de Operação

Condor: o Sequestro dos Uruguaios (ed. L&PM, 2008)

cunha.luizclaudio@gmail.com


Charge do Dia

Jornalista chilena defende investigação sobre morte de Jango


A morte do ex-presidente brasileiro João Goulart durante seu exílio na Argentina “tem a marca” da Operação Condor, esquema repressivo coordenado das ditaduras sulamericanas e, por isso, só será esclarecida se investigada coordenadamente em vários países, defende a jornalista chilena Mônica González.
“Há elementos suficientes para supor que o presidente João Goulart (deposto em 1964) foi vítima da Operação Condor e considero que são estes casos emblemáticos que merecem ser tratados prioritariamente no Brasil, disse González a jornalistas ao participar de um debate sobre a Condor, em Brasília.
Para que essa investigação chegue perto da verdade, defendeu ainda a jornalista chilena que já investigou muitos casos envolvendo a Operação Condor, é preciso que haja uma colaboração de vários países e que o Brasil receba os documentos que já foram encontrados no Uruguai, no Chile e na Argentina.
Os familiares de João Goulart já disseram que o ex-presidente representava uma ameaça para o ex-ditador brasileiro Ernesto Geisel e não descartam a possibilidade que sua morte foi resultado de um processo de envenenamento implementado por agentes de inteligência da ditadura.
Mônica González considera essa hipótese plausível, embora não disponha de provas para afirmar que aconteceu de fato. Mas ela lembrou que o envenenamento era um método aplicado naqueles anos. A jornalista realizou investigações no Chile e revelou como e onde se produziram substâncias tóxicas utilizadas para assassinar dirigentes políticos.
Ela não descarta que João Goulart tenha sido morto com uma dessas “armas químicas”. A jornalista chilena está investigando agora o uso de uma toxina para assassinar o ex-presidente chileno Eduardo Frei morto em 1981.
*GilsonSampaio