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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista
segunda-feira, junho 10, 2013
Socialismo
A
vereadora de Natal, Amanda Gurgel, do Partido Socialista dos
Trabalhadores Unificado (PSTU) poderá concorrer ao senado nas eleições
do ano que vem. Ela foi a vereadora mais votada da história do Rio
Grande do Norte. Não sou militante do PSTU, mas faz bem pra nossa
democracia um partido com uma visão de esquerda, levando uma série de
debates que os acomodados a esse sistema não se dão o trabalho de fazer.
Reiteração sobre o post:
Não expusemos claramente o que
quisemos dizer com esse post. Não concordamos com muitos pontos do PSTU,
mas quisemos dizer que é importante forças ideológicas diferentes no
Parlamento, o que não vemos. O nosso legislativo é extremamente
reacionário, dominado pelas forças de latifundiária a burguesa, sem
haver um meio termo que suscite debates. Assim como o PSTU, é de extrema
importância outros partidos de esquerda com força no parlamento para
que a democracia seja plena: com diferentes opiniões que levantem outras
visões. Sobre essa democracia, é claro que ela é num modelo de
democracia liberal, e não na que visamos, a democracia revolucionária
cujo poder é do povo. Mas é sempre importante trazermos à tona debates
do nosso mundo de hoje.
Reiteração sobre o post:
Não expusemos claramente o que quisemos dizer com esse post. Não concordamos com muitos pontos do PSTU, mas quisemos dizer que é importante forças ideológicas diferentes no Parlamento, o que não vemos. O nosso legislativo é extremamente reacionário, dominado pelas forças de latifundiária a burguesa, sem haver um meio termo que suscite debates. Assim como o PSTU, é de extrema importância outros partidos de esquerda com força no parlamento para que a democracia seja plena: com diferentes opiniões que levantem outras visões. Sobre essa democracia, é claro que ela é num modelo de democracia liberal, e não na que visamos, a democracia revolucionária cujo poder é do povo. Mas é sempre importante trazermos à tona debates do nosso mundo de hoje.
Maduro: "Colombia conspira contra Venezuela"
© Foto: «Vesti.Ru»
"Ratifico desde Colombia se conspira contra
nuestra Patria, la derecha ha coordinado nuevamente que grupos asesinos
venga a nuestra Patria", escribió hoy Maduro en la red social Twitter.
Maduro
publicó estas afirmaciones tras la rueda de prensa del ministro del
Interior, Miguel Rodríguez Torres, en la que informó de la detención de
nueve personas supuestamente vinculadas con dos grupos paramilitares
colombianos que, no descartan, pudieran haber atentado contra el
presidente.
"Estamos enfrentando un plan de la derecha
fascista con apoyo desde Colombia de grupos violentos, para asaltar el
poder político, seguiremos", señaló en la red social el líder del
Ejecutivo.
Maduro afirmó que el Gobierno "seguirá
denunciando y enfrentando" a estos grupos con "la fuerza" de la
Constitución. "Sigamos combatiendo y construyendo patria", añadió.
Además,
felicitó al Servicio Bolivariano de Inteligencia (Sebin) por la
detención de los presuntos paramilitares y por "su trabajo por la paz".
"Estos
grupos violentos son el brazo armado que ejecuta el plan de la derecha
fascista", indicó, en alusión a la oposición venezolana.
El
ministro del Interior informó durante la rueda de prensa que, según
señalaron los propios detenidos, "debe haber otro grupo en Caracas" y
que el Sebin los "sigue rastreando" para dar con ellos.
Las
relaciones entre Colombia y Venezuela se tensaron después de que el
gobernante colombiano, Juan Manuel Santos, recibió el mes pasado al
líder de la oposición venezolana Henrique Capriles, quien no reconoce a
Maduro como presidente ni los resultados electorales del 14 de abril,
que ha impugnado por considerarlos fraudulentos.
La
relación se complicó aún más cuando Santos comentó la posibilidad de
ingresar en la Organización del Tratado del Atlántico Norte (OTAN)
-declaración luego matizada por el ministro de Defensa colombiano, Juan
Carlos Pinzón-, lo que llevó a Maduro a acusarlo de imprimir un "giro
negativo" en su política con la región. EFE
*
O “Esquenta”, de Regina Casé, é o programa mais racista da TV?
Ela envia uma mensagem retrógrada com seus estereótipos dos negros.
O Esquenta é o programa mais conservador da televisão
brasileira. É uma versão barulhenta e colorida de velhos costumes. Num
primeiro olhar, parece uma grande festa na periferia, na qual as gírias,
danças e modas de regiões com IDH baixo e criminalidade alta são
irradiadas para todo o país pela tevê.
Vemos meninos contorcendo as articulações em performances de
passinho, meninas com minissaia e microvocabulário, rapazes negros com
cabelos louros e óculos espelhados de cores berrantes rodando o salão
felizes e eufóricos. A festa mistura samba, funk, estilo de vida
despreocupado e despudorado, concurso de beleza, humor, artistas de
novela, enfim, para usar um termo bem periférico, “tudo junto e
misturado”.
Essas características, apenas, não me incomodam. Não sou quadrado,
respeito e até admiro algumas formas de cultura vindas do gueto e abuso
do direito de desligar a TV. O que me irrita, e muito, e faz com que
chame o programa de conservador e escravocrata é a cor de pele
predominante nessa festa maluca.
Certamente o Esquenta é o programa com o maior percentual de
negros da TV aberta. Enquanto as novelas, seriados e telejornais são
predominantemente caucasianos, quem manda ali são os negros e pardos.
É esse o ponto. O programa reforça o estereótipo dos negros
brasileiros como indivíduos suburbanos, subempregados, mas ainda assim
felizes, sempre com um sorriso no rosto, esquecendo-se das mazelas
cotidianas por meio da dança, do remelexo, das rimas pobres do funk, do
mau gosto de penteados e cortes de cabelo extravagantes.
Sou negro e não sei sambar, não pinto meu cabelo de louro, não uso
cordões, não ando gingando nem falo em dialeto. Não sou exceção,
felizmente. Sei que há muitos caras e moças como eu. Muitos são
poliglotas, outros gostam de música clássica, vários gostam mais de
livros do que de pessoas, outros reclamam do calor da Brasil, certamente
há os que são introspectivos e de poucas palavras, e há os que nem
sentem falta do feijão quando viajam para o exterior.
Embora o Esquenta não tenha a proposta de ser um programa
sobre cultura negra, ele ajuda a construir um estereótipo. Por que as
novelas não têm galãs negros ou musas negras? Faça a lista dos galãs e
das musas televisivas e depois veja quantos são negros. O número será
irrisório.
O Esquenta ajuda a manter essa ordem. Em vez de rapazes
elegantes, mostra dançarinos com cabelos bizarros. As moças, sempre de
shorts minúsculos e prosódias vulgares, nunca serviriam de modelo para
capas da Marie Claire ou da Claudia.
Regina Casé e seu programa parecem dizer aos jovens dos guetos: “Ei,
isso mesmo, aprendam passinho, aprendam a rebolar até o chão, continuem
com seu linguajar próprio, porque tudo isso é lindo, é legal, é Brasil, é
tudo junto e misturado, continuem com seus empregos modestos, porque a
vida é agora, é para ser vivida, curtida, com alegria, malemolência,
sempre com um sorriso no rosto”.
E assim, aquela menina sentada no sofá vai continuar achando o máximo
desfilar com pouca roupa e pelos das pernas pintados de loiros pela
comunidade. Nunca vai pensar em aprender a falar alemão ou tentar
entender os grafites de Banksy, da mesma forma que os rapazes nunca
sonharão em trabalhar no Itamaraty e praticarão bullying contra os
meninos polidos que não falam em dialeto e inventam de estudar violino,
já que um programa televisivo de uma das principais emissoras do país
legitima seu estilo de vida mal educado e de poucas perspectivas.
Como um coronel oligarca e cínico, o programa dá uma recado para a
garotada negra e parda da periferia: “É isso, dancem, cantem,
divirtam-se. Mas não saiam do seu lugar”.
Marcos Sacramento*comtextolivre
Anarquismo - Liberdade
“Uma
idéia nova nunca pode caminhar dentro da lei. Pouco importa se esta
idéia diz respeito às mudanças políticas ou sociais, ou a qualquer outro
domínio de pensamento e expressão humana – a ciência, literatura,
música; na realidade, tudo aquilo que se direciona a liberdade, regozijo
e à beleza, tem que se negar a caminhar dentro da lei. Como poderia ser
diferente? A lei é estacionária, fixa, mecânica, ‘uma roda de biga’ que
esmaga tudo pela frente, sem levar em conta a hora, lugar e condições,
sem levar em conta causa e efeito, sem nunca entrar nas minúcias da alma
humana.”
— Emma Goldman
Emma Goldman?
http://www.anarquista.net/ emma-goldman/
...Ver mais
“Uma
idéia nova nunca pode caminhar dentro da lei. Pouco importa se esta
idéia diz respeito às mudanças políticas ou sociais, ou a qualquer outro
domínio de pensamento e expressão humana – a ciência, literatura,
música; na realidade, tudo aquilo que se direciona a liberdade, regozijo
e à beleza, tem que se negar a caminhar dentro da lei. Como poderia ser
diferente? A lei é estacionária, fixa, mecânica, ‘uma roda de biga’ que
esmaga tudo pela frente, sem levar em conta a hora, lugar e condições,
sem levar em conta causa e efeito, sem nunca entrar nas minúcias da alma
humana.”
— Emma Goldman
Emma Goldman?
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— Emma Goldman
Emma Goldman?
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Índios, os estrangeiros nativos
A
dificuldade de uma parcela das elites, da população e do governo de
reconhecer os indígenas como parte do Brasil criou uma espécie de
xenofobia invertida, invocada nos momentos de acirramento dos conflitos
ELIANE BRUM
Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista. Autora de um romance - Uma Duas (LeYa) - e de três livros de reportagem: Coluna Prestes – O avesso da lenda(Artes e Ofícios), A vida que ninguém vê (Arquipélago, Prêmio Jabuti 2007) e O olho da rua - uma repórter em busca da literatura da vida real
A
volta dos indígenas à pauta do país tem gerado discursos bastante
reveladores sobre a impossibilidade de escutá-los como parte do Brasil
que têm algo a dizer não só sobre o seu lugar, mas também sobre si. Os
indígenas parecem ser, para uma parcela das elites, da população e do
governo, algo que poderíamos chamar de “estrangeiros nativos”. É um
curioso caso de xenofobia, no qual aqueles que aqui estavam são vistos
como os de fora. Como “os outros”, a quem se dedica enorme desconfiança.
No processo histórico de estrangeirização da população originária, os
indígenas foram escravizados, catequizados, expulsos, em alguns casos
dizimados. Por ainda assim permanecerem, são considerados entraves a um
suposto desenvolvimento. A muito custo foram reconhecidos como
detentores de direitos, e nisso a Constituição de 1988 foi um marco, mas
ainda hoje parecem ser aqueles com quem a sociedade não índia tem uma
dívida que lhe custa reconhecer e que, para alguns setores – e não
apenas os ruralistas –, seria melhor dar calote. Para que os de dentro
continuem fora é preciso mantê-los fora no discurso. É isso que também
temos testemunhado nas últimas semanas.
Entre
os exemplos mais explícitos está a tese de que não falam por si. Aos
estrangeiros é negada a posse de uma voz, já que não podem ser
reconhecidos como parte. Sempre que os indígenas saem das fronteiras,
tanto as físicas quanto as simbólicas, impostas para que continuem fora,
ainda que dentro, é reeditada a versão de que são “massas de manobra”
das ONGs. Vale a pena olhar com mais atenção para essa versão narrativa,
que está sempre presente, mas que em momentos de acirramento dos
conflitos ganha força.
Desta vez, a entrada dos
indígenas no noticiário se deu por dois episódios: a morte do terena
Oziel Gabriel, durante uma operação da Polícia Federal em Mato Grosso do
Sul, e a paralisação das obras de Belo Monte, no Pará, pela ocupação do
canteiro pelos mundurucus. O terena Oziel Gabriel, 35 anos, morreu com
um tiro na barriga durante o cumprimento de uma ordem de reintegração de
posse em favor do fazendeiro e ex-deputado pelo PSDB Ricardo Bacha,
sobre uma terra reconhecida como sendo território indígena desde 1993.
Pela lógica do discurso de que seriam manipulados pelas ONGs, Oziel e
seu grupo, se pensassem e agissem segundo suas próprias convicções, não
estariam reivindicando o direito assegurado constitucionalmente de viver
na sua área original. Tampouco estariam ali porque a alternativa à luta
pela terra seria virar mão de obra barata ou semiescrava nas fazendas
da região, ou virar favelados nas periferias das cidades. Não. Os
indígenas só seriam genuinamente indígenas se aceitassem pacífica e
silenciosamente o gradual desaparecimento de seu povo, sem perturbar o
país com seus insistentes pedidos para que a Constituição seja cumprida.
Aí já há uma pista para o que alguns setores da sociedade brasileira
entendem como identidade “verdadeira”: ser índio seria, quando não
desaparecer, ao menos silenciar.
No caso dos
mundurucus, questionou-se exaustivamente a legitimidade de sua presença
no canteiro de obras da hidrelétrica de Belo Monte, por estarem “a 800
quilômetros de sua terra”. De novo, os indígenas estariam extrapolando
fronteiras não escritas. Os mundurucus estavam ali porque suas terras
poderão ser afetadas por outras 14 hidrelétricas, desta vez na Bacia do
Tapajós, e pelo menos uma delas, São Luiz do Tapajós, deverá estar no
leilão de energia previsto para o início de 2014. Se não conseguirem se
fazer ouvir agora, eles sabem que acontecerá com eles o mesmo que acabou
de acontecer com os povos do Xingu. Serão vítimas de um outro discurso
muito em voga, o da obra consumada. A trajetória de Belo Monte mostrou
que a estratégia é tocar a obra, mesmo sem o cumprimento das
condicionantes socioambientais, mesmo sem a devida escuta dos indígenas,
mesmo com os conhecidos atropelamentos do processo dentro e fora do
governo, até que a usina esteja tão adiantada, já tenha consumido tanto
dinheiro, que parar seja quase impossível.
Adiantaria
os mundurucus gritarem sozinhos lá no Tapajós, para serem contemplados
no seu direito constitucional, respaldado também por convenção da
Organização Internacional do Trabalho, de serem ouvidos sobre uma obra
que vai afetá-los? Não. Portanto, eles foram até Belo Monte se fazer
ouvir. Mas, como são indígenas, alguns acreditam que não seriam capazes
de tal estratégia política. É preciso resgatar, mais uma vez, o discurso
da manipulação – ou da infiltração. Já que, para serem indígenas
legítimos, os mundurucus teriam de apenas aceitar toda e qualquer obra –
e, se fossem bons selvagens, talvez até agradecer aos chefes brancos
por isso.
Quando os indígenas levantam a voz, a
voz não seria sua. Seria de um outro, a quem emprestam o corpo. Ninguém
é ingênuo a ponto de acreditar que o discurso dos indígenas como massa
de manobra seja inocente. Ele serve a muitos interesses, inclusive o de
tirar do foco os reais interesses sobre as terras indígenas de quem o
difunde. Mas esse discurso não teria ressonância se não tivesse a adesão
de uma parte significativa da população brasileira. E esta adesão se
dá, me parece, por essa espécie de xenofobia invertida. Estes
“estrangeiros nativos” ameaçariam um suposto progresso, já que seu
conhecimento não é decodificado como um valor, mas como um “atraso”, sua
enorme diversidade cultural e de visões de mundo não são interpretadas
como riqueza e possibilidades, mas como inutilidades. Neste sentido, há
uma frase bastante reveladora de como esse olhar – ou não olhar –
contamina amplas parcelas da sociedade, inclusive no governo. Ao falar
em uma audiência pública na Câmara dos Deputados, em dezembro passado, o
ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que sua pasta atendia
“da toga à tanga”. Entre os dois extremos, podemos ver em qual deles o
ministro situa o ápice da civilização e também o seu oposto.
Há
ainda uma dupla invocação do estrangeiro nesse discurso, já que a única
coisa pior do que ser “massa de manobra” de ONGs nacionais seria ser
das estrangeiras. Evocar a ameaça externa parece sempre funcionar, como
naqueles SPAMs, que volta e meia reaparecem, de que “os gringos estão
invadindo a Amazônia” – esta também, tão nossa que podemos destruí-la,
tarefa a que temos nos dedicado com afinco. Ao denunciar uma suposta
apropriação do corpo simbólico dos indígenas por outros, o que se
revela, de fato, é a frustração porque esse corpo não se deixa
expropriar e manipular pelas elites como antes. Porque apesar de todas
as violências, há uma voz que ainda escapa – e que demanda o
reconhecimento de seu corpo-terra, de seu pertencimento. Aquele que é
visto como o de fora se torna um incômodo quando diz que é parte.
Vale
a pena prestar atenção em quem amplifica o discurso dos indígenas como
“massa de manobra”, para verificar que fazem exatamente o que acusam
outros de fazer: afirmam o que os indígenas, todos eles, precisam e
querem. Parece haver um consenso, inclusive, de que o verdadeiro desejo
dos indígenas seria se tornar um trabalhador assalariado e urbano ou,
pelo menos, o beneficiário de algum programa de transferência de renda
do governo.
Nesta posição, eles não
atrapalhariam ninguém – e menos ainda os produtores rurais. Este é o
momento chave para a entrada de outro discurso recorrente: o de que os
indígenas querem terra “demais”. Basta fazer as contas, como fez o
jornalista Fabiano Maisonnave, na Folha de S. Paulo:
com uma população de 28 mil indígenas em Mato Grosso do Sul, os terenas
têm sete reservas, somando cerca de 20 mil hectares; já o produtor
rural Ricardo Bacha, em cuja fazenda foi morto o terena Oziel Gabriel,
tem cerca de 6.300 hectares, dos quais 800 em litígio. Se é de
concentração de terra na mão de poucos que se pretende falar, há muitos
números ilustrativos que podem ser citados. Outro dado interessante vem
de uma pesquisa da Embrapa, citada em artigo do engenheiro florestal
Paulo Barreto, no site O Eco:
há 58,6 milhões de hectares de pastos degradados pela pecuária, o
equivalente a 53% da área total de terras indígenas. “A Embrapa tem
demonstrado que já existem as tecnologias para aumentar a produtividade
dos pastos degradados. Assim, ocupar terra indígena é, além de
inconstitucional, prova de incompetência”, afirma Barreto. A Embrapa é
um dos novos atores que deverão ser chamados para opinar sobre as
demarcações, numa manobra para esvaziar a Funai e agradar a bancada
ruralista.
O lugar de estranho
indesejado,supostamente sem espaço no Brasil que busca o
desenvolvimento, tem permitido todo o tipo de atrocidades contra
indivíduos e também contra etnias inteiras ao longo da história. Seria
muito importante que cada brasileiro reservasse meia hora ou menos do
seu dia para ler pelo menos as primeiras 16 páginas do resumo
do Relatório Figueiredo, um documento histórico que se acreditava
perdido e que foi descoberto no final de 2012 por Marcelo Zelic,
vice-presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, de São Paulo. No total, o
procurador Jáder Figueiredo Correia dedicou 7 mil páginas para contar o
que sua equipe viu e ouviu. A íntegra também está disponível na internet.
O
relatório, datado de 1968, documentou o tratamento dado aos povos
indígenas pelo extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Entre os
crimes, cujos responsáveis foram nominados, mas jamais punidos, estão os
“castigos” infligidos pelos funcionários aos indígenas, como
crucificações e uma tortura conhecida como “tronco”, na qual a vítima
tinha o tornozelo triturado. Crianças eram vendidas para abusadores,
mulheres, estupradas e prostituídas. Duas aldeias de pataxós, na Bahia,
foram dizimadas para atender aos interesses de políticos de expressão
nacional da época.Uma nação indígena inteira foi extinta por
fazendeiros, no Maranhão, sem que os funcionários sequer tentassem
protegê-la. O procurador cita a possível inoculação do vírus da varíola
em uma etnia de Itabuna, na Bahia, para que as terras fossem liberadas
para “figurões do governo”, assim como o extermínio de um grupo de
cintas-largas, em Mato Grosso, de várias formas: atirando dinamite de um
avião e adicionando estricnina ao açúcar, além de caçá-los e matá-los
com metralhadoras. O massacre ocorreu em 1963, ainda no período
democrático, portanto, e os que ainda assim sobreviveram foram rasgados
com o facão, “do púbis a cabeça”.
A lista é
longa. É importante ressaltar que tudo isso não se passou na época de
Pedro Álvares Cabral, nem mesmo no tempo dos bandeirantes, mas na década
de 60 do século XX. Praticamente ontem, do ponto de vista histórico.
Cabe enfatizar ainda que os crimes foram infligidos aos indígenas, num
comportamento disseminado por todo o país, por representantes do Estado
brasileiro. Menciono o relatório não só porque acredito que precisamos
conhecê-lo, mas porque ele demonstra que tipo de olhar permite que
atrocidades dessa ordem tenham se tornado uma política não oficial, mas
exercida como se fosse – e não por um único psicopata, mas por dezenas
de funcionários e suas esposas, com o apoio e às vezes a ordem da
direção do órgão criado para proteger os povos tradicionais. Para estas
pessoas, o corpo dos indígenas era território a ser violado, como
violada foi a sua terra. Como aqueles sem lugar, os indígenas não eram
reconhecidos como iguais, nem mesmo como humanos. Eram o que, então? O
procurador responde: “Tudo como se o índio fosse um irracional,
classificado muito abaixo dos animais de trabalho, aos quais se presta,
no interesse da produção, certa assistência e farta alimentação”.
Para
quem imagina que este capítulo é parte do passado, vale a pena lembrar
que apenas nos últimos dez anos, nos governos Lula-Dilma, foram
assassinados 560 indígenas. A Constituição precisa ser cumprida, as
demarcações devem ser feitas, os fazendeiros que possuem títulos legais,
distribuídos pelo governo no passado, têm direito a ser indenizados
pelo Estado. Mas há um movimento maior, mais profundo, que é preciso
empreender. Como “estrangeiro nativo”, uma impossibilidade, só é
possível perpetuar a violência.É necessário fazer o gesto, também em
nível individual, de reconhecer o indígena como parte, não como fora.
Para isso é preciso primeiro desejar conhecer, o gesto que precede o
reconhecimento. Só então o Brasil encontrará o Brasil.
*GilsonSampaio
Movimento contra redução da maioridade penal ganha força em São Paulo
A
próxima reunião do grupo será na segunda-feira (10), às 14h, na Câmara
Municipal de São Paulo. Na ocasião, serão organizados um grande debate
sobre o tema no dia 26 uma marcha pela cidade contra a proposta,
prevista 13 de julho. O movimento já tem uma página no Facebook e no
Twitter e em breve será criado um blog para divulgação de notícias.
Entre
os vereadores integrantes do movimento estão Juliana Cardoso (PT),
Toninho Vespoli (PSOL), Paulo Fiorilo (PT), Nabil Bondoki (PT) e Jair
Tatto (PT). Também participam membros do Conselho Tutelar de São Paulo,
da Pastoral do Menor, do Conselho Municipal da Criança e do Adolescente e
Pastoral da Juventude da Arquidiocese de São Paulo.
“Nós
não achamos que o adolescente infrator não deve ser responsabilizado.
Não é isso. Ele deve, sim, pagar pelo que ele fez, mas não no sistema
carcerário convencional, onde entra um aviãozinho (que vende pequenas
quantidades de drogas aos usuários) e sai um traficante”, afirma a
secretária do movimento, Luciana Koga, membro do Conselho Tutelar de
Cidade Tiradentes, na zona leste.
“Queremos
que as pessoas se perguntem: ‘A quem interessa a redução da maioridade
penal?’”, disse Luciana. “E vocês já encontraram uma resposta?”,
questionou a reportagem da RBA. “Sim. Um dos motivos é o nosso governo
estadual que está há 20 anos no poder e que, nesse tempo, devia ter
promovido políticas públicas para a juventude.”
“Para
termos uma ideia, semana passada fui acompanhar um menino de 11 anos
que foi pego pela polícia por ter roubado um celular”, continuou
Luciana. “Conheci a mãe dele, grávida pela 12ª vez, que me contou que em
casa só havia um saco de arroz para comer. Fui levá-los até lá, um
barraco bem em frente a uma biqueira de uma favela em Cidade Tiradentes.
E eu os deixei ali. Que perspectivas essa criança tem? O que foi
oferecido para essa família?”
Atualmente
três propostas de emenda à Constituição sobre a possibilidade de punir
infratores menores de 18 anos (PECs 33/2012, 74/2011 e 83/2011) tramitam
na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. O relator, senador
Ricardo Ferraço (PMDB-ES), já emitiu parecer pela aprovação da PEC
33/2012 e pela rejeição das demais.
Pela
proposta tucana, adolescentes com 16 anos seriam encaminhados para o
sistema carcerário convencional nos casos de crimes hediondos, tráfico
de drogas, tortura e terrorismo ou reincidência na prática de lesão
corporal grave e roubo qualificado.
Caberá
ao Ministério Público decidir sobre a medida, levando em consideração a
conduta do adolescente infrator, seu histórico familiar, social,
cultural e econômico.
Próxima reunião, aberta à participação popular, será na segunda-feira (10); grupo programa ato para quinta-feira (13)
As demissões e a crise na mídia
Por José Dirceu, em seu blog:
Na Folha de S.Paulo no fim de semana (ontem), a ombusdman Suzana Singer
criticou seu jornal por ter eliminado mais cadernos (agora, o
Equilíbrio) ou tê-los encaixado em editorias que sobreviveram e demitido
dezenas de jornalistas. Mas ela reconhece que também os grupos Estado e
Abril (este iniciou as degolas na segunda-feira passada), mais o jornal
Valor Econômico, seguem o mesmo caminho. O Valor, por sinal, é uma
sociedade dos grupos Folha e Globo.
É a crise e a tentativa de conciliar a mídia impressa com o avanço da
internet gratuita. Suzana lembra que este caminho do enxugamento foi
seguido lá fora, por jornais norte-americanos. Assim, embora fale en
passant sobre Abril, Valor e mídia lá fora, ela termina fazendo uma
radiografia da crise que vive a imprensa. A Secretaria de Redação da
Folha justifica a Suzana as demissões com o fato de a receita
publicitária estar crescendo menos que a inflação.
Na verdade, em toda a imprensa escrita - além do fracasso da maioria das
publicações da Abril -, o arrocho no Estadão, Valor, Folha, emissoras
de TV e rádios indica que o problema é estrutural e que não há saídas
fáceis. Por enquanto nossos jornalões/mídia em geral estão seguindo a
receita burra de cortar despesas, despedir, diminuir o tamanho dos
jornais e o espaço das notícias, tratando os leitores com pouco
respeito, comprometidos com seus próprios interesses e linhas
editoriais.
Mídia continua dependente de benesses do Estado
Na prática, continuam dependentes de recursos diretos ou indiretos do
Estado, ainda que digam o contrário. Mas vivem dependentes de isenções,
compras governamentais de livros didáticos, privilégios, obrigatoriedade
da publicidade legal dos balanços e avisos das empresas e nadam de
braçada na desregulamentação do mercado, o que permite a formação de
cartéis na área e dumping na publicidade, na distribuição, nos bônus de
volume.
Sobrevivem graças ao papel importado barato, com desvios para o comércio
em geral, e por fim com a publicidade pública e das estatais. Como no
passado, quando viviam pendurados em empréstimos bancários e favores
políticos para empresas coligadas, vantagens e mais vantagens na
concessão de canais de rádio e TV, e por aí vai...
A questão de fundo, que são as novas mídias e a convergência, a chegada
do capital estrangeiro, as mudanças para o mundo digital, a
generalização da TV paga, o começo do fim hegemonia da TV como veiculo
dominante, e a avassaladora generalização do uso da internet gratuita,
nada disso interessa à mídia. À nossa, à tupiniquim em particular.
Fazem de tudo para manter o poder político e os monopólios
O que conta para ela é manter o poder político que o monopólio e o
controle da informação lhes assegura - ou lhes assegurava no passado.
Dai os barões da mídia não aceitarem a regulação nem para salvá-los das
mudanças tecnológicas e do capital estrangeiro. A exceção nesse quadro, a
regulação da TV a cabo, só comprova que a regulação pode e deve existir
para a TV e o rádio e que os barões, na verdade, ainda resistem ao
inevitável, à regulação do mercado de comunicação, para salvá-los do
inevitável: a chegada do futuro.
No mais é concordar com a ombudsman da folha, Suzana Singer, quando ela,
de forma quase melancólica, constata ser difícil de dar certo o caminho
do enxugamento e das demissóes para estruturar um jornal menor (ainda
que mais sofisticado) para fazer frente às informações gratuitas
oferecidas pela internet.
Ao falar dessa travessia para uma nova fase do jornalismo impresso
Suzana Singer conclui: "aos que acreditam que o jornalismo de qualidade
faz bem à democracia resta torcer para que a travessia dê certo". Vamos
todos torcer.
*Justiceira de Esquerda
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