"A opressão é algo construído dentro das relações sociais mecânicas e
leva muitos a agirem de determinadas maneiras, por mais que não
queiram.”
"Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas", de Augusto Boal, ganha reedição pela Cosac Naify
Reeditado pela Cosac Naify, "Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas" mostra por que Augusto Boal é ainda tão atual
por Marsílea Gombata — publicado 20/09/2013 05:06, última modificação 20/09/2013 09:14
Uma obra escrita em 1974 que é, a cada dia, mais atual. A afirmação
seria um paradoxo se não dissesse respeito ao clássico de um dos mais
influentes pensadores brasileiros: Teatro do Oprimido e Outras Poéticas
Políticas, de Augusto Boal. O livro, que ganha nova edição pela Cosac
Naify, mostra-se contemporâneo na medida em que trata de uma questão
estrutural, espinha dorsal das relações sociais: a opressão. Esta é
questionada por Boal, que busca fazer do teatro uma arma contra tal
mecanismo.
“A opressão não é um acidente na sociedade, é central. Não é
periférica, é estruturante”, explica Julián Boal, filho e discípulo do
dramaturgo que escreve o posfácio da reedição. “Quando falamos de
opressão, estamos falando de uma estrutura da sociedade que independe da
nossa vontade. A nossa vontade pode apenas ser solicitada para lutar
contra essa estrutura.”
Com técnicas que questionam a hierarquia e a divisão de tarefas
dentro da engrenagem social, o livro de Boal tem por principal objetivo
mostrar que “todo teatro é necessariamente político, porque políticas
são todas as atividades do homem, e o teatro é uma delas.” Aqueles que
tentam separar um do outro, alertava o pensador nascido no Rio de
Janeiro em 1931, buscavam conduzir o espectador ao erro, atitude
igualmente política. “(...) as classes dominantes permanentemente tentam
apropriar-se do teatro e utilizá-lo como instrumento de dominação. Ao
fazê-lo, modificam o próprio conceito do que seja o “teatro”. Mas o
teatro pode igualmente ser uma arma de liberação.”
Seguindo esse posicionamento, a obra busca elucidar a transformação
que sofreu o teatro ao longo da história. O que era representado pelo
povo cantando livremente, enquanto “o criador e o destinatário do
espetáculo teatral”, foi radicalmente quebrado pela aristocracia, que
teria passado a estabelecer divisões: “algumas pessoas iriam ao palco e
só elas poderiam representar enquanto todas as outras permaneceriam
sentadas, receptivas, passivas: estes seriam os espectadores, a massa, o
povo.” O sistema passaria, então, segundo o dramaturgo preso e
torturado pela ditadura em 1971, a ser respaldado pelo “sistema trágico
coercitivo de Aristóteles” e pela burguesia que transformou tais
protagonistas em “indivíduos excepcionais, igualmente afastados do povo,
como novos aristocratas”.
O antídoto contra o "poderoso sistema intimidatório” eficaz para as
classes dominantes, seria, então, a filosofia de Bertold Brecht contra o
chamado teatro “digestivo”, “hipnotizante”, que serve de “gabinete de
compensação para aventuras não vividas”. No entanto, observa Julián,
onde o dramaturgo alemão critica a questão de como se atua nesse
sistema, Boal vai além: questiona quem atua e propõe a todos dividirem
os papéis e serem parte da engrenagem do teatro.
Como produto final, o espetáculo seria para o brasileiro eleito
"Embaixador do Teatro Mundial" pela Unesco, portanto, “o início de uma
transformação social necessária”. “O fim é o começo!”, dizia sobre o
processo de apoderamento de consciência ao qual deve ser levado o
espectador depois de participar da experiência coletiva.
Maniqueísmo. Ainda que sejam antagônicos, oprimidos e opressores
não devem ser encarados como “anjos e demônios”, uma vez que “quase não
existem em estado puro”, observa o livro sobre os diferentes papéis
sociais que temos de assumir no dia a dia. “Se formos olhar, opressor e
oprimido são o contrário do maniqueísmo. A partir do momento em que você
fala disso, sai da categoria moral e vai para a política", explica
Julián. "A opressão é algo construído dentro das relações sociais
mecânicas e leva muitos a agirem de determinadas maneiras, por mais que
não queiram.”
Apesar da impossibilidade de se criar conceitos estáticos e
definitivos acerca do opressor, oprimido e opressão, uma vez que essa
também sofre transformações, o legado teórico deixado por Boal como
instrumento questionador do sistema de classes é inegável. Mas quais
seriam os frutos herdeiros do Teatro do Oprimido perceptíveis até os
dias de hoje? “Vemos sua influência em vários lugares e de diferentes
maneiras. Há muitos grupos que fazem teatro coletivo, e isso começou com
o Teatro de Arena, no qual todos dividiam tarefas e participavam de
tudo, desde a administração até a dramaturgia”, lembra Julián ao citar a
apropriação do teatro fórum (forma de teatro do oprimido que mescla
recursos teatrais conhecidos com ações diretas) pelo MST como processo
de formação de militantes. “A beleza deles é tentar dialogar com os
presentes momentos.”
*Nassif