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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, abril 22, 2020

A psicologia de massas do fascismo ontem e hoje: por que as massas caminham sob a direção de seus algozes?

A psicologia de massas do fascismo ontem e hoje: por que as massas caminham sob a direção de seus algozes?

Mauro Iasi revisita as teses de Wilhelm Reich sobre a psicologia de massas do fascismo para compreender os impasses políticos do presente.

Por Mauro Luis Iasi.

“o fascismo, na sua forma mais pura, é o somatório
de todas as reações irracionais do caráter do homem médio”
W. Reich
“queriam que eu falasse do agora
mas, o presente que procuro
está preso em um passado
que insiste em ser futuro”
M. Iasi
O psicólogo marxista Wilhelm Reich (1897-1957) escreveu o livro Psicologia de massas do fascismo em 1933 (o estudo se estendeu de 1930 até 1933), no contexto da ascensão do nazismo na Alemanha. O autor se refugiou em Viena, depois Copenhagen e Oslo, onde iniciou seus estudos sobre as couraças e depois do que denominou de “energia vital”, levando-o a teoria do “orgon”. Desde 1926 acumulava divergências com Freud, com o qual trabalhou como assistente clínico, e em 1934 seria expulso da Sociedade Freudiana e da Associação Psicanalítica Internacional, sairia da Noruega em direção aos EUA, onde seria também perseguido com a acusação de “subversão”. Acabou preso em 1957 e morreu no mesmo ano na prisão. Toda sua obra, incluindo livros e material de pesquisa, foram queimados por ordem judicial nos EUA em 1960.
Ainda que possamos questionar as teorias reichianas fundadas na teoria do “orgon” e a relação que esperava estabelecer entre “soma e psiquismo”, temos que ter muito cuidado ao tratar as considerações que esse importante autor tece sobre o fascismo e o caráter das massas analisados na obra citada. Em vários aspectos, considero que as reflexões de Reich sobre o tema podem ser extremamente úteis em nossos tumultuados dias, principalmente pelas questões que levanta, mais do que pelas respostas que encontra.
O autor coloca da seguinte maneira o problema. Se assumirmos que a compreensão da sociedade realizada por Marx esteja correta – isto é, que o desenvolvimento da sociedade capitalista e suas contradições leva à possibilidade de sua superação revolucionária (o que implica a conformação do proletariado como um sujeito consciente de sua tarefa histórica) –, a questão que se coloca é como compreender o comportamento político de amplos setores da classe trabalhadora que efetivamente estão servindo de base para a reação política que emergia com o fascismo.
Chamar atenção aos efeitos da exploração capitalista, como a miséria, a fome e o conjunto das injustiças próprias do sistema capitalista para ativar o “ímpeto revolucionário”, dizia Reich, já não era suficiente. Tampouco acusar o comportamento conservador das massas de “irracional”, de constituir uma “psicose de massas” ou uma “histeria coletiva” – algo que em nada contribui para jogar luz sobre a raiz do problema, a saber, compreender a razão pela qual a classe trabalhadora respaldava o discurso fascista que em última instância atacava exatamente seus próprios interesses.
Na base dessa incompreensão se encontrava um sentimento de espanto. Os marxistas acreditavam que a crise econômica de 1923-1933 era de tal forma brutal que produziria “necessariamente uma orientação ideológica de esquerda nas massas por ela atingidas”. Entretanto o que se presenciou foi, nas palavras do autor, uma “clivagem entre a base econômica, que pendeu para a esquerda, e a ideologia de largas camadas da sociedade que pendeu para a direita”. O autor conclui com a constatação de que a “situação econômica e a situação ideológica das massas não coincidem necessariamente”. (Wilhelm Reich, Psicologia de massas do fascismo, São Paulo: Martins Fontes, 2001, p. 7).
Nesse ponto, Reich afirmará que – e a observação dele aqui me parece profundamente pertinente hoje – essa não correspondência não deveria surpreender aos marxistas, uma vez que o materialismo dialético de Marx não compreende a relação entre a situação econômica e a consciência de classe como sendo algo mecânico, ou seja, como se a situação material determinasse esquematicamente sua expressão ideal na consciência dos membros de uma classe social. Somente um “marxismo vulgar” concebe uma antítese na relação entre economia e ideologia, assim como entre a “estrutura” e a “superestrutura”, uma perspectiva precária que não leva em conta o chamado “efeito de volta” da ideologia, isto é, as formas pelas quais a ideologia incide sobre a própria base material que a determina. Presa a essa visão esquemática e pouco dialética, resta a essa modalidade de marxismo vulgar apenas recorrer ao chamamento moral para que os trabalhadores correspondam em sua ação às condições objetivas em que se inserem, clamando pela “consciência revolucionária”, às “necessidades das massas” ou ao “impulso natural” para as greves e a luta (p. 14). Melancolicamente, Reich conclui então que essa versão esquemática do marxismo:
“Tentará, por exemplo, explicar uma situação histórica com base na ‘psicose hitleriana’ ou tentará consolar as massas, persuadindo-as a não perder a fé no marxismo, assegurando-lhes que, apesar de tudo, o processo avança, que a revolução não pode ser esmagada, etc. O marxista comum acaba por descer ao ponto de incutir no povo uma coragem ilusória, sem, no entanto, analisar objetivamente a situação em sem compreender sequer o que se passou. Jamais compreenderá que uma situação difícil nunca é desesperadora para a reação política ou que uma grave crise econômica tanto pode conduzir à barbárie como a liberdade social. Em vez de deixar seus pensamentos e atos partirem da realidade, ele transporta essa realidade para a sua fantasia de modo que ela corresponda aos seus desejos.” (pp. 14-5)
A miséria econômica causada pela crise atualiza a disjuntiva “socialismo ou barbárie”, mas o que faria com que os trabalhadores optem pela alternativa socialista? Reich está convencido de que em uma situação como essas os trabalhadores escolhem em primeiro lugar a barbárie. O marxismo vulgar compreende a ideologia como um conjunto de ideias que se impõe à sociedade e, portanto, aos trabalhadores. Dessa maneira, os partidários desse tipo de perspectiva acreditam que as ideais marxistas ganham força na crise porque desmentem na prática as ideias conservadoras. O que foge à compreensão dessa análise é exatamente o modo de operação da ideologia, muito mais do que a definição escolástica do “que é” ideologia.
Assim, o psicólogo comunista fará a pergunta decisiva: se uma ideologia se transforma em força material quando se apodera das massas, como afirmava Marx, a pergunta é “como é possível que um fator ideológico produza resultado material”, seja na direção de uma política revolucionária ou na direção de uma “psicologia de massas reacionária”? (p. 17)
Se compreendermos a ideologia na chave de ideias dominantes em uma sociedade – isto é, as ideias das classes dominantes que expressam as relações sociais que fazem de uma classe a classe dominante (Marx e Engels, A ideologia alemã, Boitempo, p. 47) –, a pergunta se formula da seguinte maneira: como é que relações sociais se convertem em expressões ideais, valores, juízos e representações interiorizadas pelas pessoas que constituem uma determinada sociedade? A resposta é que isto se dá na vivência de instituições no interior das quais as pessoas formam seu próprio psiquismo, neste caso, fundamentalmente, na família.
É aqui que as relações sociais dadas são apresentadas pela pessoa em formação como “realidade”, onde se desenvolve a transição do “princípio do prazer” para o “princípio da realidade” e se produz um complexo processo de identificação com aquele que representa o limite, a ordem e a norma social a ser imposta, mas, o que é essencial ao nosso tema, que é incorporada pela pessoa como se fosse sua (autocontrole) e não uma imposição oriunda de uma ordem social. O fundamento desse processo de interiorização, na formação daquilo que Freud denominou de “superego”, está a repressão à sexualidade infantil, o seu recalque e a volta como sintoma nos termos de Reich (Materialismo Dialético e Psicanálise. Lisboa: Presença/São Paulo: Martins Fontes, 1977).
É mister lembrar neste momento que o resultado desse processo de interiorização das relações sociais na forma de valores e normas de comportamento implica na identidade com o agende da imposição das normas externas, no caso do complexo de Édipo descrito por Freud na formação de uma identidade com o pai.
Dessa maneira, Reich localizará a base de uma determinada expressão de uma psicologia de massas (a do fascismo) em dois pilares: uma certa forma de família tendo no centro a repressão à sexualidade infantil; e o caráter da “classe média baixa”. Para ele, a repressão à satisfação das necessidades materiais difere da repressão aos impulsos sexuais pelo fato que a primeira leva à revolta enquanto a segunda impede a rebelião, uma vez que o retira do domínio consciente “fixando-o como defesa moral”, fazendo com que o próprio recalque do impulso seja inconsciente, seja visto pela pessoa como uma característica de seu caráter. O resultado disso, segundo Reich, “é o conservadorismo, o medo a liberdade, em resumo, a mentalidade reacionária” (Psicologia de Massas do Fascismo, p. 29).
Os setores médios não são os únicos a viverem esse processo (que é de fato universal para nossa sociedade) mas o vivem de maneira singular. Trata-se de uma classe ou segmento de classe espremido entre o antagonismo das classes fundamentais da sociabilidade burguesa (a burguesia e o proletariado), desenvolvendo o curioso senso de que estão acima das classes e representam a nação. Seus impulsos jogam os setores médios ora para a radicalidade proletária (a luta contra as barreiras da realidade que se levantam contra os impulsos), ora para o apelo à ordem da reação burguesa (a defesa das barreiras sociais impostas como garantia da sobrevivência). Como o indivíduo teme seus impulsos e clama por controle, os segmentos médios temem a quebra da ordem na qual se equilibram precariamente e pedem controle e repressão.
Não é acidente ou casualidade que no campo dos valores reacionários vejamos alinhados à defesa abstrata da “nação” características como o “moralismo” quanto aos costumes (que vem inseparavelmente ligado a preconceitos, a homofobia, etc.) e a defesa da “família”, assim como o chamado “irracionalismo”, a “violência”, o mito da xenofobia e do racismo como constituintes da nação, e o clamor pela “ordem”. A recente cena dantesca de “manifestantes” enrolados na bandeira do Brasil, de joelhos e mãos na cabeça, pedindo uma intervenção militar é a imagem que condensa todos esses elementos. Por incrível que pareça, essa não é uma sociedade “doente”, mas a sociedade “normal” exposta sem os filtros que rotineiramente a oculta.
Os argumentos de Reich estão longe de dar conta da totalidade do fenômeno do fascismo. Ainda que justificada, sua crítica aos marxistas oficiais (em 1931 Reich criou a Sexpol Verlag que aglutina mais de 40 mil membros discutindo uma política sexual e suas relações com a luta revolucionária, o que causou preocupações no Partido Comunista austríaco e redundou na sua expulsão do partido em 1933) não pode dar conta de todos os elementos históricos, políticos, sociais e culturais do tema que foram abordados em inúmeras obras de competentes marxistas (de Gramsci a Adorno e Benjamin, passando por Togliatti, Polantzas e tantos outros). Ele apenas aponta para um aspecto que normalmente é desconsiderado. O que nos parece pertinente é que o comportamento fascista não pode ser reduzido a manipulação e engodo, mas encontra profunda raízes na consciência imediata das massas e seus fundamentos afetivos, seja nos segmentos médios, seja na classe trabalhadora.
O fascismo é, na sua essência, uma expressão política da crise capitalismo em sua fase imperialista e na etapa do domínio dos monopólios, como define Leandro Konder (Introdução ao fascismo, São Paulo, Expressão Popular, 2009). Ele disfarça sob uma máscara modernizadora seu conteúdo conservador, sendo antiliberal, antissocialista, antioperário e, principalmente, antidemocrático. A dificuldade do fascismo reside exatamente em juntar esses dois aspectos contrários em sua síntese – isto é, uma intencionalidade à serviço do grande capital (imperialista, monopolista e financeiro) e uma base de massas que permita apresentar seu programa reacionário como alternativa para a “nação”. Creio que o estudo de Reich nos dá aqui uma pista valiosa. A ideologia fascista conclama à revolta dos impulsos reprimidos (seja das necessidades materiais, seja aqueles relativos à repressão da sexualidade) e depois oferece a ordem como alternativa, dialogando assim diretamente com o fundamental da estrutura do caráter universalizado pela sociabilidade burguesa, principalmente das chamadas classes médias. É, portanto, uma política da pequena burguesia que mobiliza massas trabalhadoras para defender os interesses do grande capital monopolista. Acreditem, realizou-se esta façanha com eficiência e sucesso naquilo que conhecemos por nazifascismo.
Na luta contra o fascismo, a burguesia democrática é sempre a primeira derrotada e junto a ela a pequena burguesia que acredita no seu próprio mito de um Estado acima dos interesses de classe. A única força social capaz de enfrentar o fascismo é a revolução proletária, por isso são os trabalhadores o alvo duplo do fascismo, seja no sentido da cooptação, seja na repressão brutal e direta. Quando a luta de classes se acirra e qualquer conciliação é impossível, a burguesia se inquieta, os segmentos médios entram em pânico e os fascistas vendem seu remédio amargo para a doença que ajudaram a criar. Se nesse momento os trabalhadores se movimentarem com autonomia em direção ao seu projeto societário – o socialismo –, impelidos inicialmente pelos impulsos mais elementares e ainda não conscientes, eles podem colocar toda a sociedade em torno de sua luta e se constituir como alternativa à barbárie do capitalismo em crise. Se, por razões várias, esse segmento não se movimentar com a força necessária, uma longa noite de terror se impõe com seus cadáveres e cortejos fúnebres.
Ainda que tenham particularidades em seu processo de consciência, os trabalhadores não podem escapar ao fato de que são socializados nas instituições de uma ordem burguesa, portanto, que os valores, princípios, representações ideais desta ordem constituam o fundamento de sua consciência imediata. Diante do caos que emerge da crise do capital vive uma contradição entre os impulsos materiais que os impulsionam à luta e à identidade com os opressores que os mantêm presos às correntes da ideologia. Na ausência de uma política revolucionária se somam às “classes médias” conclamando pela ordem e se prestam a ser a base de massas para as aventuras fascistas.
Toda a esperança da psicanálise é tornar possível que o inconsciente emerja, em parte, para que seja compreendido o sintoma. Guardadas as mediações necessárias, a luta de classes torna possível que as determinações ocultas pelos mecanismos da ordem se façam visíveis e que o sintoma se torne exposto. No primeiro assim como no segundo caso isto não significa a resolução do sintoma, mas o início de uma longa luta para enfrentá-lo. O novo que pulsa vigoroso nas entranhas do cadáver moribundo do velho mundo, não pode ser detido a não ser pela violência. Não pode se libertar sem quebrar violentamente a ordem que o aprisiona.
“Veintiuno veintiuno
firmamento del dos mil
en el cielo la paloma
va en la mira del fusil”
Silvio Rodriguez
***
Mauro Iasi é professor adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP 13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002) e colabora com os livros Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil e György Lukács e a emancipação humana (Boitempo, 2013), organizado por Marcos Del Roio. Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.

COVID19: das colônias, aos feudos, à escravidão até ao agronegócio

COVID19: das colônias, aos feudos, à escravidão até ao agronegócio

por biologosocialista
Por Luiz Fernando Leal Padulla*
Logo na introdução do livro “A História e suas epidemias — A convivência do homem com os micro-organismos”, o autor Stefan Cunha Ujvari traz alguns dados interessantes sobre algumas epidemias e sua função no processo de desenvolvimento da humanidade.
No final do período Medieval (1347-1348), a peste bubônica foi responsável pela morte de um terço da população da Europa. Doenças também foram trazidas pelos colonizadores, dizimando populações nativas e indígenas. desde o século do “descobrimento” até o fim da escravidão, estima-se que três milhões de índios tenham sido exterminados pelas doenças infecciosas que os europeus trouxeram ao Brasil, o que abriu espaço para o tráfico de escravos africanos. Doenças como varíola, rubéola, varicela e sarampo foram algumas dessas doenças letais. Com a ascensão da escravidão, os negros africanos traziam mais do que a mão de obra barata: febre amarela e malária.
Antigamente as doenças, epidemias e até pandemias, ocorriam por falta de conhecimento e extrema pobreza. Hoje a miséria é ainda um entrave, mas a busca pela riqueza e a degradante ganância do capitalismo são fatores preponderantes para elas.
Atualmente, versões conspiratórias, têm culpado a China por toda desgraça mundial da pandemia – incluindo o chanceler (sic) brasileiro Ernesto Araújo, que insiste na falaciosa ideia do “comunavírus”, aumentando ainda mais a vergonha de nosso país. Mesmo que estudo científicos já tenham provado que o vírus não foi criado em laboratório, parte da população ainda acredita nisso e tende a disseminar falsas acusações, refletindo diretamente no comportamento agressivo e preconceituoso contra chineses – a chamada sinofobia. Por outro lado, devemos sim alertar para um aspecto comum em algumas províncias deste país, como em Guangdong, no sudeste da China, e que pode ter sido o local inicial da doença: o consumo de carnes exóticas de animais silvestres.
No entanto, conforme já escrevi em um primeiro artigo sobre o coronavírus, esse tipo de mercado tem perdido espaço para os supermercados, e os que sobrevivem estão restritos a pequenas províncias.
Mas antes que digam “eu sabia! Culpa dos chineses”, lembrem-se que esse tipo de comércio, chamado wet Market, não é exclusivo da China, ok? Em vários países ele é adotado apesar dos protestos e mobilizações para acabarem – seja pelo sofrimento causado aos animais, acondicionados em situações inóspitas e degradantes, seja pelo risco de contaminação alimentar e transmissão de zoonoses.
Fonte: https://theirturn.net/wp-content/uploads/2020/03/New-York-City-Wet-Market.jpg
Wet Market em Nova Iorque

Em Nova Iorque, por exemplo, estão presentes 80 desses mercados - que vendem animais vivos ao público e os abatem no local. Para isso, ficam confinados em gaiolas, todas empilhadas, próximos ao público. Piorando a situação, os dejetos, penas, sangue presentes são transportados indiretamente pelos frequentadores do local através de seus sapatos, por exemplo, para outras localidades. Assim, se algum agente patogênico estiver presente, a dispersão é muito rápida e eficiente.
Em um trecho do livro “Pandemias: a humanidade em risco”, a situação descrita é impressionante e mostra o que acontecem nesses locais:
Em novembro de 2002, os restaurantes de Guangdong acomodavam gaiolas e mantinham cercas nos fundos. Animais separados por espécies aguardavam o momento do sacrifício para suprir o paladar dos chineses. Os empregados dos restaurantes acolhiam os pedidos dos clientes. Os cozinheiros caminhavam aos bastidores das cozinhas e apanhavam as espécies animais dos pedidos. Com habilidade, pegavam cobras, patos, gansos, pangolins, lagartos, ratos e tartarugas. Para segurar os civetas estressados e agressivos, necessitavam de luvas apropriadas para proteção contra mordidas e arranhões. O animal era então sacrificado, destrinchado e cozido. (...) É fácil imaginar como ocorreram os primeiros casos da infecção humana pelo novo vírus em meados de novembro de 2002. As cozinhas desses restaurantes ficavam atapetadas de fezes, urina, sangue e secreções dos civetas abatidos. Os vírus repousavam nesses líquidos dispersos no solo. A pele dos trabalhadores, principalmente a das mãos, eram envernizadas com líquidos e secreções animais portadoras do novo vírus. Levar as mãos contaminadas aos olhos, nariz ou boca era o suficiente para a infecção. A limpeza do piso com vassouras dispersava uma poeira venenosa, inalada pelos funcionários. O vírus alcançava as mucosas respiratórias e o pulmão”.
No entanto, a relação das doenças não se restringe apenas aos animais exóticos. Vale lembrar que outras pandemias mortais como a gripe aviária, gripe suína, SARS, HIV, febre aftosa surgiram exatamente da captura e/ou criação de animais como alimento, através do sistema de produção do agronegócio industrializado e sua extensão territorial. Assim, a comercialização e alimentação de animais silvestres, associadas com a predação dos latifúndios, acarretando avanço sobre seus habitats naturais, têm sido apontados como um dos responsáveis pelo surgimento dessas pandemias.
Culpa da agropecuária também foi o surgimento da “doença da vaca louca” – encefalopatia espongiforme bovina – em 1986. Alterando totalmente a dinâmica alimentar, visando maior produção e crescimento, o homem passa a introduzir na alimentação do gado (totalmente herbívoro), proteína de origem animal, o que permitiu a transferência do príon – pedaço de proteína que infecta o tecido nervoso do animal. Posteriormente, por conta de uma possível mutação nessa proteína, novo príon surgiu, sendo patogênico e letal também ao ser humano. Com essa descoberta, rebanhos inteiros foram sacrificados ao redor do mundo, e o mercado de carne apresentou restrições comerciais severas. Curiosamente, pouco se sabe se tais medidas deram certo, o que levará certo tempo para que tenhamos uma resposta positiva ou não.
Paralelamente, a saúde das pessoas é debilitada pelo uso cada vez maior de transgênicos e os agrotóxicos desse tipo de produção. Sem falar também do uso constante de antibióticos nos animais, o que pode promover a contaminação não apenas do alimento, mas do ambiente e de bactérias presentes neste, favorecendo o surgimento das chamadas “superbactérias”. A miséria e a fome, proporcionadas pela desigualdade gerada pelo capitalismo, são outros fatores que colocam a grande maioria da população mundial em alerta, pois debilitam o organismo, tornando-o incapaz de responder às doenças.
Isso sem falar, é claro, nas epidemias como a dengue, febre amarela, zyka, chikungunya, transmitidas por insetos que passaram a ter relação sinantrópica devido ao avanço das cidades e consequente destruição das áreas verdes.
Em 1999, para citar um exemplo, Nova Iorque sofreu uma epidemia da então inédita “doença do oeste do Nilo”, cujo vírus foi encontrado em milhares de aves – principalmente em corvos – que eram  hospedeiras do patógeno e muito provavelmente chegou até o país pelo tráfico de animais, assim como o tráfego legal de alguns (segundo levantamento de Ujvari, “Em 1999, 2.770 aves entraram nos Estados Unidos pelo Aeroporto John F. Kennedy, em Nova York; além disso, mais 12.931 desses animais estiveram em trânsito pelo mesmo aeroporto, seguindo destinos variados. Não se sabe em quanto pode aumentar o número total de aves introduzidas no país ao se considerar a quantidade das que foram comercializadas ilegalmente”). Até o final do século XX, dezoito estados norte-americanos já haviam registrado a ocorrência da doença.
(Em tempo 2: Com o avanço do aquecimento global, doenças transmitidas por insetos serão cada vez mais frequentes inclusive em locais onde não existiam, uma vez que o calor e a ocorrência de chuvas favorecem o ciclo reprodutor desses animais).
Sendo assim, o problema vai muito além do simples fato de achar um único culpado e assim, atentar de forma preconceituosa contra uma potência que confronta o imperialismo capitalista estadunidense. Mais do que um bode expiatório, a culpa é do sistema capitalista e seu mecanismo predatório, incluindo principalmente o agronegócio.
*Professor, Biólogo, Doutor em Etologia, Mestre em Ciências, Especialista em Bioecologia e Conservação

sexta-feira, março 27, 2020

Eduardo Marinho - Empatia e a Conexão entre as pessoas






“AQUELES QUE BOMBARDEIAM CIDADES VÃO NOS ACUSAR DE TERRORISMO?”




MADURO: “AQUELES QUE BOMBARDEIAM CIDADES VÃO NOS ACUSAR DE TERRORISMO?”









RT – O líder venezuelano Nícolas Maduro respondeu aos EUA, que ofereceram uma recompensa de US$ 15 milhões por informações que levem à sua prisão, ridicularizando a acusação de narcoterrorismo como uma medida para desviar a atenção de seus problemas com o coronavírus.
Maduro chamou de criminoso o Departamento de Justiça dos EUA, que em um movimento quase sem precedentes, indiciou o presidente da nação latino-americana por acusações de “narcoterrorismo”, alegando que Maduro e mais de uma dúzia de líderes políticos e militares venezuelanos conspiravam para “inundar os Estados Unidos” com cocaína”. Uma recompensa generosa de até US$ 15 milhões foi prometida a quem fornecer uma forma de que o governo dos EUA, possa levá-lo à captura e prisão. Além de uma quantia robusta de US$ 10 milhões para àqueles dispostos a ajudar a prender qualquer um dos “co-conspiradores” de alto cargo do governo Maduro.
Maduro não respondeu as acusações, ignorando as alegações de terrorismo como vindas de um país que não tem credibilidade no assunto devido à sua longa história de intervenções estrangeiras e assassinatos de civis em massa. “Os terroristas do mundo, aqueles que bombardeiam cidades, vão nos acusar de terrorismo. […] Se eu fiz alguma coisa, foi combater as narco milícias”, disse o líder venezuelano, acrescentando que Caracas alcançou resultados recordes em sua batalha contra o narcotráfico nos últimos 15 anos.
Ao enquadrá-lo, os EUA querem desviar a atenção de sua incapacidade de lidar com o surto de coronavírus, disse Maduro. A pandemia já matou mais de 1.200 pessoas nos EUA e vem causando um duro golpe à economia.
A Venezuela tem mostrado ser sucedida em impedir a propagação da doença. “Estamos tendo sucesso e, como estamos tendo sucesso, o império está ficando desesperado”, disse ele em um discurso televisionado na quinta-feira.

O lado desumano do COVID-19

Novo post em biologosocialista

O lado desumano do COVID-19

por biologosocialista
Por Luiz Fernando Leal Padulla*
Muita coisa se fala e se sugere sobre o COVID-19. Teorias conspiratórias de um lado, afirmações infundadas do outro. E no meio, a população e seu livre arbítrio para escolher a quem abraçar. De repente, pessoas se tornam as mais preparadas para opinar, sem qualquer embasamento e mínimo estudo.
Causa indignação que muitas dessas (des)informações ganhem espaço em meio de comunicação popular. Vi essa semana, por exemplo, um debate entre uma respeitada e gabaritada socióloga, a professora Sabrina Fernandes, e uma dissidente cubana, Zoe Martinez, no canal brasileiro da CNN. Não era um debate, mas uma troca entre evidências e fatos, contra mentiras e ódio. A clara realidade entre Ciência vs. Fake News.
A tal (pseudo)cubana, só faltava espumar pela boca cada vez que ouvia a professora argumentar com trabalhos e relatórios científicos. Para essa sujeita, cuja expressão facial e o tom de voz mostram destempero e desespero, o vírus causador da pandemia é obra laboratorial do Partido Comunista Chinês e tudo é culpa do comunismo e da esquerda mundial. Sabrina Fernandes, calma e serena como toda pessoa centrada, inteligente e segura do que estava falando, rebatia cada acusação infundada com maestria – inclusive, para a raiva final de Martinez, apontou e elogiou o humanismo das brigadas de médicos cubanos que assistem vários países.
Na sequência ao debate, a emissora entrevistou o médico Anthony Wong, diretor do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas da FM-USP, e diretor do Instituto Brasileiro de Estudos Toxicológicos e Farmacológicos. Para o médico (!), é um erro o isolamento social, pois isso poderia trazer mais problemas de saúde no aspecto psicológico, como a depressão e suicídio. Ele também usa um artigo escrito em 1985, para argumentar que o vírus não resiste ao calor, indicando que não há necessidade do isolamento social ao qual estamos submetidos, e que tudo não passa de “uma pandemia de fake news e notícias alarmantes”. No entanto, esquece-se (por ignorância ou mau-caratismo?) que o vírus, existente desde os anos de 1960 sofreu mutação, o que pode tê-lo tornado capaz de sobreviver inclusive à novas temperaturas – comportamento que ninguém ainda sabe como será. Ainda de forma tendenciosa, afirma que o calor do Brasil é o responsável pelas baixas taxas de infecções, e não as medidas do isolamento social.
gráfico
Simulação da transmissão do COVID-19: apenas isolando os casos (linha vermelha), com isolamento social (linha verde) e com interrupção das medidas de isolamento (linha azul). Fonte: ANDERSON et al. (2020)

Contrariando suas colocações, o estudo de ANDERSON et al. (2020) publicado na respeitada e conceituada revista médica The Lancet, informa que o verão no Hemisfério Norte talvez não seja capaz de reduzir a transmissão, e que cabe sim aos governos adotarem medidas para minimizar as taxas aceleradas de disseminação, assim como a inevitável crise econômica. Para os autores, as medidas adotadas pela China mostram que a quarentena, o distanciamento social e o isolamento das pessoas infectadas são as mais eficientes para a contenção da epidemia. Estudos recentes também afirmam que a elevação de 20 graus na temperatura ambiente retardaria a reprodução do vírus, no entanto isso apenas reduziria sua propagação em 18%, sendo o restante (82%) proporcionado pelas políticas de contenção e medidas sanitárias.
Mas enquanto alguns “experts” minimizam o efeito dessa pandemia, os números não mentem: mortes crescendo em ritmo alarmante em países que subestimaram e não adotaram medidas preventivas, como Itália e Espanha, estão sendo divulgados diariamente.
O desconhecimento de como tal vírus possa atuar, é algo que preocupa ainda mais. Ainda que 80% das pessoas sejam assintomáticas ou manifestem levemente a doença (contra 14% tendo doença grave e 6% gravemente doentes), o tempo de duração do período infeccioso do COVID-19 parece ser mais longo para esse vírus, o que requer ainda mais atenção e cuidados. Chamam atenção também para um relaxamento nas medidas de controle justamente para evitar um impacto econômico mais grave, mas que pode acarretar um pico adicional de infecções.
Não duvido que exista uma guerra comercial – o que justifica essa briga de acusações para com a China, inclusive com o recurso baixo das fake news. Mas sinceramente, se havia algum interesse em desestabilizar a atual situação político-econômica, não seria da China, cujo crescimento médio nos últimos dez anos foi de 6%, ante os 2% dos ianques. É óbvio o ressurgimento da nova crise do capital – para vários pesquisadores e especialistas, como o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, podendo ser pior do que a de 1929 – refletindo na perda de valor do dólar, quedas nas ações das bolsas, guerra no preço do petróleo – sem contar que esse ano é ano eleitoral no EUA, e não se pode descartar uma jogada política de Trump.
É lamentável – mas não surpreende – a postura de certas lideranças e empresários defendendo a volta a rotina de trabalhos, sacrificando a vida de “5mil, 7 mil pessoas”, o que mostra que a preocupação com o dinheiro se sobrepõe exatamente sobre a vida humana. O que tanto defendem, sob a falsa bandeira do “caos social”, nada mais é do que seu capital e lucros. Ou será que esses mesmos estavam se importando com os cortes nas políticas públicas e assistencialistas que o atual (des)governo fez? Como sempre, tentam defender suas riquezas e interesses financeiros, sem jamais pensarem nas pessoas – essa é a lógica capitalista!
E por conta desse tipo de desinformação, temos no BraZil a única nação onde parte da população é contra as medidas recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)! Pessoas que acreditam em qualquer asneira que Bolsonaro fala, e colocam suas vidas e a de terceiros em risco ao ignorar as recomendações de quarentena – tanto que embaixadas dos EUA e da Inglaterra estão solicitando o retorno de seus cidadãos. Como disse o professor Lejeune Mirhan em seu recente artigo intitulado Pandemia, neoliberalismo e saídas para a crise, “essa gente tem uma concepção malthusiana de sociedade, onde não importa que morram alguns milhões, mas o importante é salvar a economia da catástrofe financeira que se avizinha”. Eis que ganha voz o chamado “darwinismo social” e sua visão eugênica, distorcendo a seleção natural, como bem lembra o referido professor.
A essa altura, com disseminação e mortes causadas pelo COVID-19, não devemos mais polarizar as discussões a respeito. O que deve nos direcionar é o bom senso, coisa que a direita fascista desconhece e prefere apostar no caos. Enquanto o mundo sofre e se solidariza, por aqui ainda vemos prevalecer o espírito do ódio, da ignorância e da ganância...justamente por parte daqueles que defendiam “família acima de tudo, Deus acima de todos”.
*Professor, Biólogo, Doutor em Etologia, Mestre em Ciências