Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, fevereiro 28, 2012

 
 

Por Malvinas, porto argentino rejeita cruzeiros britânicos

Redução de danos para o uso da maconha

(Dica Do DAR) : Redução de danos para o uso de maconha Uma introdução

O texto é de Sérgio Vidal, e foi originalmente publicado no (ótimo) site do Coletivo CannaCerrado .

Redução de danos para o uso de maconha – Uma introdução…

Muitas pessoas que fumam maconha não se dão conta dos riscos que o uso pode trazer para sua saúde, ou para as pessoas da sua convivência. Hoje, há uma quantidade de usuários que cresceu vendo propagandas na TV, ou ouvindo seus pais ou outras pessoas falando absurdos a respeito dos perigos da maconha. Dizia-se (e se diz muito ainda por aí), que a maconha pode destruir neurônios, levar à impotência, causas crescimento das mamas nos homens, prejudicar a memória, câncer de pulmão, dependência e mais um monte de outros problemas.

Essas propagandas e informações que circulam na sociedade não têm de fato ajudado a lidar com os reais problemas que podem decorrer do uso de maconha, pois quando as pessoas fumam maconha e não sofrem tais danos, automaticamente passam a descartar todas as informações de alerta a respeito do hábito. Se estivessemos numa situação de legalidade, onde conversar sobre a cannabis fosse considerado algo comum e normal, as pessoas buscariam informações com seus pais, em livros, revistas, professores, médicos, etc, de uma forma muito mais aberta do que hoje em dia. No entanto, infelizmente, não vivemos tal situação, e os usuários, em geral, buscam informações entre usuários mais experientes e, principalmente, na internet.
Mas, de fato, apesar de ser muito menos perigosa do que outras drogas ilícitas, e também do que drogas lícitas, como álcool e tabaco, a maconha, como todas as substâncias psicoativas, não é totalmente inócua. Mas, onde terminam os mitos e começam os fatos sobre seus reais riscos e danos? Nesse texto procuro discutir um pouco a respeito dos riscos mais comuns, apresentando algumas formas de minimizá-los e diminuir os danos provocados pelo hábito de consumir a planta.
Os possíveis danos decorrentes do uso da maconha são ligados à saúde física ou mental.
Com relação à saúde física, geralmente estão relacionados a utilização de métodos de ingestão que usam a fumaça da planta como veículo condutor dos princípios ativos. A ingestão de qualquer conteúdo inalando a fumaça da sua queima provoca irritação e danos nos órgãos e tecidos dos aparelhos digestivo e respiratório. Esses danos podem, inclusive, levar ao desenvolvimento de feridas e até mesmo câncer. Usada na forma de cigarros ou em cachimbos, além da fumaça em alta temperatura, a cannabis libera substâncias tóxicas como o monóxido de carbono, que podem apresentar o mesmo potencial de risco que as liberadas pela queima do tabaco e outros materiais.
Hoje em dia estão disponíveis no mercado aparelhos que aquecem as flores de cannabis a uma temperatura que varia entre 150ºC e 250ºC, o suficiente para transformar em vapor toda a água e grande parte da resina, sem necessidade de carburação. São os chamados vaporizadores. Esses aparelhos despejam jatos de ar-quente através de um recipiente contendo a cannabis, conduzindo o vapor resinado a ambientes em separado para serem inalados. Essas tecnologias reduzem ao máximo os riscos do ato de inalar a resina, com uma perda mínima dos princípios ativos.
Lembre-se que a inalação de componentes não-psicoativos também presentes na fumaça, como monóxido de carbono e alcatrão, faz mal ao sistema respiratório. O ideal é sempre usar aparelhos vaporizadores para prevenir os riscos de danos à saúde. Caso seja impossível adquirir um vaporizador, procure usar equipamentos para resfriar a fumaça como piteiras, cachimbos, bongs, dentre outros. Os bongs, cachimbos e vaporizadores são preferiveis aos cigarros porque dispensam o uso do papel. A fumaça da queima do papel já introduz novos fatores prejudiciais à saúde do usuário.
Se optar por cigarros evite fumar pontas muito pequenas, para não deixar que a brasa fique muito próxima. Use papéis produzidos especificamente para confecção de cigarros e evite os que contenham tinturas, aromatizadores ou outros produtos químicos. Evite também fumar cigarros feitos com pontas. As pontas não são mais escuras apenas por causa da resina psicoativa acumulada, mas também por causa do alcatrão acumulado.
As folhas da maconha têm pouca resina psicoativa, que se concentra em suas flores e partes anexas. As folhas, por sua vez, têm grande quantidade de alcatrão e outras substâncias nocivas. Na hora do consumo, é importante também descartar não só as folhas, mas galhos e outros resíduos. No fumo vendido comumente no mercado brasileiro não existe o cuidado de fornecer apenas as flores, é possivel encontrar também folhas, galhos e sementes, tudo isso longe do estado ideal de conservação.
Seja “solto” ou “prensado”, muitas vezes o fumo apresenta características de contaminação por mofo, consequência da falta de cuidado com o qual é colhido, curado, armazenado e transportado. Fumo mofado jamais deveria ser consumido. Mas estamos falando de redução de danos, e seria muita hipocrisia da minha parte acreditar que muitos usuários não vão fumar algo mofado. Muitas pessoas compram maconha em condições que não têm como avaliar o produto antes de já estar em sua posse. Caso você tenha certeza que quer se arriscar a consumir um fumo mofado, a melhor opção então é submetê-lo a ao menos 1 minuto no micro-ondas, em temperatura máxima, ou fazer o mesmo processo com um forno convencional. É preciso tomar cuidado para não torrar o fumo, mas é importante para ao menos diminuir o risco. Uma boa estratégia também é lavar bastante o fumo com água corrente e depois secá-lo. A resina psicoativa é um óleo e, por isso, não se mistura com água. É possível lavar bastante a maconha com uma perda miníma ou nula de psicoatividade. Em casos de contaminação é muito importante fazer a lavagem e higienização para evitar consequências graves.
É possível também fazer preparados comestiveis com a maconha. Basta usar estratégias para fazer com o óleo da planta seja absorvido por algum produto gordusoso, como manteiga, leite ou outros óleos vegetais, a exemplo dos de azeitona, girassol, canola, etc.
Com relação aos danos à saúde mental, não há nada comprovado que possa afirmar que a maconha cause problemas, mas há fortes indícios de que ela acelere processos psicóticos em pessoas com disposição genética ou ajude a desencadeá-los em situações de crise, em especial os casos de esquizofrenia. Se existe algum indício de que a pessoa tem uma predisposição a qualquer enfermidade psíquica é preciso muita precaução antes de decidir consumir maconha. Ela é uma droga psicoativa forte e deve ser respeitada. É importante também que a pessoa, sabendo disso, procure consumi-la apenas em ambientes agradavéis, em situações que não possam prejudicar a experiência com a planta e, principalmente, em momentos no qual esteja se sentindo bem e segura. Respeite a planta, mas respeite principalmente a si mesmo e seus limites. É importante que os usuários frequentes, que consomem todo dia, procurem estabelecer rituais de uso que afastem comportamentos compulsivos da sua rotina.
Para usuários frequentes que procuram reconstruir sua relação com o uso sempre faço as mesmas recomendações que faço aos tabagistas. Evite fumar enquanto desenvolve outras atividades. Procure reservar os momentos específicos apenas para consumir. Assim, você cria uma rotina de ter que parar outras atividades e também não faz associações. Geralmente muitas pessoas se habituam a fumar antes ou depois de alguma atividade, como almoçar, ou tomar banho, ou ainda fumar enquanto se usa o computador. Esse tipo de associação facilita o surgimento do comportamento compulsivo, ao relacionar a necessidade do efeito farmacológico da substância em si com outras necessidades cotidianas. Em outras palavras, retire os momentos apenas para consumir a planta, aproveitando-o, inclusive, para refletir sobre esse hábito.
Existem muitos outros temas a serem discutidos com relação à redução de danos para o uso de maconha. Cabe ainda a discussão sobre os danos provocados pela proibição da maconha e como reduzi-los. Os danos provocados pelo consumo de maconha comprada e o porque de se iniciar seu próprio cultivo. Mas isso vou deixar para outro dia, pois certamente espero receber o retorno dos leitores aqui do CannaCerrado, para saber quais temas estão sendo considerados mais ou menos interessantes.
_____________________

Um abraço e até semana que vem!

* Esse texto pode ser reproduzido desde que citada a fonte e o link original.



Sergio Vidal é antropólogo e autor do livro Cannabis Medicinal – Introdução ao Cultivo Indoor (http://cultivomedicinal.com.br) e de diversos artigos sobre drogas, seus usos e usuários. É conselheiro do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas – CONAD. Atualmente também é pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Substâncias Psicoativas -NEIP (http://neip.info) – sergiociso@gmail.com

*DARDesentorpecendoarazão
*

Presidenta argentina considera vergonhosa a existência de enclaves coloniais em 16 países

A presidenta da Argentina, Cristina Fernández, lamentou que no mundo ainda existissem “16 enclaves coloniais” e um deles está situado no Atlântico Sul, nas Ilhas Malvinas, cuja soberania reivindica esse governo sul-americano.  
Durante um ato de comemoração do bicentenário da Bandeira da Argentina, realizado na cidade de Rosario (centro-oeste), a Presidenta expos que “há 200 anos aquele ato histórico que hoje estamos comemorando (…) subsiste ainda – para vergonha do mundo – enclaves coloniais em 16 países do mundo”.
Enfatizou que a causa das Malvinas já não apenas é um problema de Estado, mas regional e global, por também, se trata da “defesa de nossos recursos naturais, aos quais têm direito os cidadãos”.
No entanto, ressaltou que não só a ocupação militar é uma forma de colonialismo, pois, atualmente, “existem outras formas de colônia” quanto à “subordinação física, intelectual e econômica”.
Neste sentido, relembrou que o ex-presidente – falecido – Néstor Kirchner (2003-2007) adiantou uma “tarefa titânica” para a independenizar a Argentina desse tipo de colonialismo, mediante o pagamento da divida externa, e rechaçando as iniciativas da Área de Livre Comércio das América (ALCA).
Fernández sustentou que Kirchner “chegou também a uma pátria colonizada, dominada por agentes e setores econômicos, que do exterior e também do interior, a tinha devastado”, mas, “iniciou o trabalho de gerar emprego, recuperar a indústria e reivindicar os direitos do povo”.
Igualmente, a mandataria reconheceu que nesta matéria, todavia, ficou muito por fazer, porém, justificou que “o que não se tem feito é por faltada de recursos”.
Sublinhou que parte dos recursos econômicos do país – 10 bilhões de dólares – se dilui na importação de combustível, montante que poderia ser investido em outras áreas se contasse com campos e plataformas próprias de petróleo.
Apesar disso, “temos conseguido ter balança comercial” estável graças ao crescimento das exportações e do mercado interno.
“Estou decidida a seguir avançando no processo de transformação da pátria”, enfatizou a Presidente.
“Defender o Estado é também defender a bandeira (…). Estou farta dos que me falam apenas de slogans e palavras de ordem, unicamente, quero que colaborem ativamente, que se cuidem vocês mesmos (…) porque vocês são a pátria, a pátria não é um termo vazio, a pátria é o território com os 40 milhões de pessoas no seu interior”, disse.
Cristina Fernández, também, se referiu ao incidente ferroviário da Estação Onze, em Buenos Aires (capital), ao advertir que tomará “as decisões que sejam necessárias, uma vez que a justiça decida”.
Estima que no espaço de 15 dias se concluam os processos de investigação e se determine “os responsáveis direto e indireto” da tragédia.
“Peço algo, encarecidamente, a esta justiça, que as pericias para determinar os responsáveis direto e indireto, não podem durar mais de 15 dias”, expressou a Presidente e sublinhou que “os 40 milhões (de argentinos) e as vitimas necessitam saber o que se passou e quem é responsável”.
Além disso, recomendou que ninguém esperasse dela “jamais, ante a dor da morte e diante a tragédia, a especulação de foto ou discurso fácil” e disse não tolerar aos “que querem aproveitar-se de tanta tragédia e tanta dor”.
A chefa de Estado chegou à cidade “santafesina” acompanhada pelo vice-presidente Amado Boudou e membro do governo nacional para encabeçar o ato de Bicentenário da criação da bandeira.
O evento se desenrolou em frente ao Monumento Nacional a Bandeira, as margens do Rio Paraná, onde se desfraldou a bandeira, “Alta no Céu”, a mais longa do mundo, costurada durante mais de 10 anos com retalho de tecido de todo o país.
Fonte:
Tradução de Luis Carlos (Redação do blog o povo na luta faz história)
*Históriaepovo
'Mr. Kong' e o racismo à brasileira 

por Lucas Ribeiro Scaldafferri

Cena do clipe

Toda vez que se debate racismo no Brasil as classes dominantes apelam para o senso comum e perguntam: quem é negro no Brasil? A miscigenação sempre é invocada para camuflar o racismo e passar a idéia de que esse mal não existe em nossas terras. Mas, uma pequena reflexão já basta para desvendar o quanto nossa sociedade ainda é marcada pela chaga do racismo.

No Brasil, o que serve de exemplo “positivo” para a sociedade sempre tem uma ancestralidade européia. É assim, por exemplo, com as apresentadoras de programas infantis, que há mais de três décadas invadem os lares brasileiros com suas cabeças loiras e que não parecem nada com a maioria da população. As novelas também reproduzem essa falsa realidade e seus galãs ou protagonistas sempre têm o “pezinho” no velho continente. 


Na educação essa realidade não é diferente. Os que hoje são adultos se lembram que nos livros didáticos as famílias negras nunca eram retratadas. As únicas figuras negras registradas eram, sempre, os escravizados ou trabalhadores domésticos.

A herança escravagista que tratava o negro como animal irracional e sem capacidade intelectual se manteve viva mesmo depois da abolição. Ser a maioria dos miseráveis e favelados nos dias atuais é o exemplo categórico do racismo no Brasil. Ao contrário dos Estados Unidos da América (EUA), onde leis garantiam a segregação até os anos 70, o Brasil não precisou de artifícios jurídicos.

“Kong”, um desserviço e uma ofensa às mulheres e aos negros
É por todos esses exemplos que a população negra, e em especial os jovens, precisam ter referências positivas. Pelé, o atleta do século, perdeu a chance de ser um embaixador da luta anti-racista no Brasil; como foi o maior pugilista de todos os tempos, Muhammad Ali, nos EUA. Quando alguns negros conseguem ultrapassar o filtro racista da sociedade brasileira se espera deles, no mínimo, uma postura crítica perante a situação do negro no país.

O cantor Alexandre Pires, que foi líder do grupo Só Pra Contrariar, gravou recentemente um clipe que não traz nada que possa ajudar a população negra a ser tratada com dignidade. O clipe que leva o nome da música “Kong”, uma referência ao gorila “king Kong”.

O inicio do vídeo é marcado por uma invasão de gorilas (homens fantasiados) numa casa cheia de mulheres. As cenas são protagonizadas por três negros: o próprio Alexandre, o jogador de futebol Neimar e o cantor Mr. Catra. Este último, durante o filme, se intitula com Mr. Kong. Uma passagem da música diz: “é no pelo do macaco que o bicho vai pegar”.

As imagens só reforçam o estereótipo animalesco do homem negro como viril. O desserviço prestado por Alexandre, além de fortificar o racismo, é sem dúvida machista. O movimento negro deve repudiar essa manifestação evidente de racismo, que passa como se fosse uma coisa natural, típica característica do racismo à brasileira.


No site do PSTU
*Mariadapenhaneles

http://lapupilainsomne.files.wordpress.com/2012/02/consumismo.jpg

“Perdendo o mundo”: o declínio dos EUA em perspectiva


Noam Chomsky*
Noam Chomsky 
O declínio dos Estados Unidos entrou há algum tempo numa nova fase: a do declínio autoinfligido. Desde os anos 70 tem havido mudanças significativas na economia dos EUA, à medida que estrategas, estatais e do sector privado, passaram a conduzi-la para a financeirização e para a exportação de unidades industriais. Essas decisões deram início ao círculo vicioso no qual a riqueza e o poder político se tornaram altamente concentrados, os salários dos trabalhadores ficaram estagnados, a carga de trabalho aumentou e o endividamento das famílias também.

Há aniversários significativos que são comemorados solenemente – o do ataque japonês à base da Marinha norte americana de Pearl Harbor, por exemplo. E há outros que são ignorados, e no entanto poderiam sempre aprender-se importantes lições acerca do seu significado nos tempos que se seguiram. Na verdade, no tempo de agora.
Neste momento, erramos ao não comemorar o 50° aniversário da decisão do presidente John F Kennedy de promover a mais assassina e destrutiva agressão do período pós-Segunda Guerra: a invasão do Vietname do Sul e depois de toda a Indochina, deixando milhões de mortos e quatro países devastados com perdas que ainda neste momento estão a crescer, causadas pela exposição do país aos agentes cancerígenos mais letais de que se tem conhecimento, que comprometeram a cobertura vegetal e a produção de alimentos.
O primeiro alvo foi o Vietname do Sul. A agressão expandiu-se depois para o Norte, e para a sociedade remota do nordeste do Laos, até finalmente chegar ao rural Camboja, cujo bombardeamento atingiu o impressionante nível de ser equivalente ao de todas as operações aéreas aliadas da região do Pacífico durante a Segunda Guerra Mundial, incluindo as duas bombas lançadas em Hiroshima e Nagasaki. Aí, as ordens de Henri Kissinger estavam a ser obedecidas – “bombardear qualquer coisa que voe ou se mova”; uma convocatória para o genocídio rara na história.
Pouco de tudo isto é lembrado. A maior parte desses massacres é escassamente conhecida para além do estreito círculo dos activistas.
Quando a invasão teve início, há cinquenta anos, a preocupação era tão reduzida que havia poucas tentativas de justificação; dificilmente iam além da indiferente afirmação do presidente de que “nos estamos a opor, em toda a parte do mundo, a uma conspiração monolítica e brutal que trata, principalmente sob meios ocultos, de expandir a sua esfera de influência” e, se a “conspiração” conseguir concretizar os seus objectivos no Laos e no Vietname, “os portões ficarão amplamente franqueados”.
Numa outra ocasião, acrescentou também que “as sociedades liberais, tolerantes e autoindulgentes estavam para ser varridas para os escombros da história [e] só a força… pode sobreviver”, reflectindo neste caso a propósito do fracasso da agressão e do terror estadunidenses na tentativa de esmagar a independência cubana.
Quando os protestos começaram a crescer meia dúzia de anos depois, o respeitado historiador militar e especialista em Vietname Bernard Fall - de modo nenhum um pacifista - previu que “o Vietname como entidade histórica e cultural…está ameaçado de extinção…[enquanto]…a sua área rural morre literalmente sob os bombardeamentos da maior máquina militar jamais concentrada numa área desta dimensão”. Estava, uma vez mais, a referir-se ao Vietname do Sul.
Quando a guerra acabou, oito horrendos anos depois, a opinião dominante estava dividida entre aqueles que a descreviam como uma “causa nobre” que poderia ter sido vencida se tivesse havido maior empenho, e o extremo oposto, os críticos, para quem se tratou de “um erro” que se provou ser altamente dispendioso. Por volta de 1977 pouca atenção foi dada ao Presidente Carter quando explicou que “não havia dívida” nossa para com o Vietname porque “a destruição fora mútua”.
Há lições importantes para hoje em tudo isto, para além dos fracos e derrotados que são chamados a responder pelos seus crimes. Uma lição é que para entender o que está a acontecer devemos procurar não apenas criticar os acontecimentos no mundo real, frequentemente ignorados pela história, mas também aquilo em que os líderes e a opinião da elite acreditam, mesmo que pintado com as tintas da fantasia. Uma outra lição é que, ao lado dos produtos da imaginação fabricados para aterrorizar e mobilizar o público (e em que talvez acreditem aqueles que são enganados pela sua própria retórica), há também planeamento geoestratégico baseado em princípios que se mantém racionais e estáveis durante longos períodos, porque estão implantados em instituições estáveis e na agenda destas. Isso também é verdade no caso do Vietname. Voltarei ao tema, destacando aqui apenas que os elementos que persistem na acção estatal são geralmente bastante opacos.
A guerra do Iraque é um caso instrutivo. Foi vendida a um público aterrorizado através da ameaça usual da autodefesa face um formidável perigo para a sobrevivência: a “única questão” que George W. Bush e Tony Blair colocaram foi se Saddam Hussein iria encerrar o seu programa de desenvolvimento de armas de destruição em massa. Quando a “única questão” recebeu a resposta errada, a retórica do governo mudou rapidamente para o nosso “anseio por democracia”, e a opinião pública condicionada seguiu devidamente o curso; o de sempre.
Mais tarde, à medida que a escalada da derrota no Iraque se tornou difícil de esconder, o governo admitiu tranquilamente o que já era claro para todo mundo. Em 2007-2008, a administração anunciou oficialmente que um acordo final deve assegurar a permanência de bases militares dos EUA e o direito destes a operar militarmente no país, e deve privilegiar os investidores estadunidenses na exploração de seu rico sistema energético – reivindicações que passaram depois para segundo plano face à relutância iraquiana. E tudo ficou bastante opaco para a maioria das pessoas.
Padronizando o declínio americano
Com essas lições em mente é útil dar uma vista de olhos sobre o que é destacado na manchete dos maiores jornais de política e de opinião, nos dias de hoje. Peguemos na mais prestigiada das publicações do establishment, Foreign Affairs. A estrondosa manchete da capa de Dezembro de 2011 estampava em negrito: “A América acabou?”.
O artigo da capa pedia “corte de gastos” nas “missões humanitárias” no exterior, que estavam a consumir a riqueza do país, para impedir o declínio americano, que é o maior tema nos discursos do ambiente de negócios, e que frequentemente vem acompanhado do corolário de que o poder está a mudar para o Leste, para a China e (talvez) a Índia.
Depois os principais artigos são a respeito de Israel e da Palestina. O primeiro, da autoria de dois altos oficiais israelenses, é intitulado “O Problema é a Rejeição Palestina”: o conflito não pode ser resolvido porque os palestinos se recusam a reconhecer Israel como Estado Judeu – o que está em conformidade com a prática diplomática normal: os estados são reconhecidos, não os seus sectores privilegiados. Esta reclamação dificilmente será outra coisa senão um novo estratagema para conter o risco de uma solução política para os assentamentos ilegais, que minaria os objectivos expansionistas de Israel.
A posição oposta é defendida por um professor estado-unidense e tem o título “O Problema é a Ocupação”. No subtítulo lê-se: “Como a Ocupação está Destruindo a Nação”. Qual nação? A de Israel, é claro. Ambos os artigos aparecem com o título em destaque: “Israel sitiado”.
A edição de Janeiro de 2012 lança ainda um outro apelo ao bombardeamento do Irão, já, antes que seja tarde demais. Alertando contra “os perigos da dissuasão”, o autor sugere que “os cépticos em relação à acção militar falham na avaliação do perigo real que um Irão com armas nucleares significaria para os interesses dos EUA no Oriente Médio e mais longe ainda. E nas suas sombrias previsões imaginam que a cura pode ser pior do que a doença – quer dizer, que as consequências de um ataque estadunidense ao Irã seriam tão más ou piores do que se o país conseguisse levar a cabo as suas ambições nucleares. Mas essa é uma suposição falsa. A verdade é que um ataque militar visando destruir o programa nuclear iraniano, se for feito com cuidado, poderá significar a eliminação para a região e para o mundo de uma ameaça muito real e melhorar dramaticamente a segurança nacional dos Estados Unidos a longo prazo”.
Outros argumentam que os custos seriam altos demais e, no limite, alguns chegam a dizer que um ataque [ao Irão] violaria o direito internacional – como o fazem os moderados, que lançam regularmente ameaças de violência, em violação à Carta das Nações Unidas.
Vamos rever cada uma dessas preocupações dominantes
O declínio americano é real, embora esta visão apocalíptica reflicta a percepção bastante habitual da classe dominante de que alguma limitação parcial ou geral implica o desastre total. A despeito desses pios lamentos, os EUA persistem como poder dominante mundial por larga margem e não há competidores à vista, não apenas em dimensão do poder militar, a respeito do qual os EUA dominam em absoluto.
A China e a Índia registaram um crescimento rápido (embora altamente desigual), mas permanecem países muito pobres, com problemas internos enormes que o Ocidente não enfrenta. A China é o maior centro industrial do mundo, mas maioritariamente como linha de montagem para as potências industriais avançadas, na sua periferia, e para as multinacionais ocidentais. É provável que isso mude com o tempo. A indústria em regra provê as bases para a inovação e a invenção, e na China isso vem ocorrendo. Um exemplo que impressionou os especialistas ocidentais foi a tomada chinesa da liderança no crescente mercado de painéis solares, não apenas com base na mão-de-obra barata, mas no planeamento coordenado e, crescentemente, na inovação.
Mas os problemas que a China enfrenta são sérios. Alguns são demográficos, relatados na Science, o líder dos semanários estadunidenses de divulgação científica. O estudo mostra que a mortalidade caiu bruscamente na China durante os anos maoístas, “principalmente em resultado do desenvolvimento económico e das melhorias nos serviços educacionais e de saúde, especialmente no movimento de higiene pública que resultou num golpe drástico à mortalidade por doenças infecciosas”. Esse progresso acabou com o início das reformas capitalistas no país, há 30 anos, e a taxa de mortalidade desde então tem aumentado.
Além disso, o crescimento económico chinês recente contou substancialmente com um “bónus demográfico”, uma grande população em idade economicamente ativa. “Mas a janela para o uso desse bónus pode fechar em breve”, com um “impacto profundo no desenvolvimento”: “o excesso de mão-de-obra barata, que é um dos maiores factores de dinamização do milagre económico chinês deixará de estar disponível”. A demografia é apenas um dos muitos problemas sérios para diante. No que concerne a Índia, os problemas são ainda mais graves.
Nem todas as vozes proeminentes anteveem o declínio americano. Nos media internacionais não há nada mais sério e respeitável do que o Financial Times. O jornal dedicou recentemente uma página inteira à expectativa optimista em que a nova tecnologia para extrair combustível fóssil norte-americano pode fazer com que os EUA se tornem energeticamente independentes, mantendo portanto a sua hegemonia por mais um século. Não há menção ao tipo de mundo que os EUA comandarão nesse cenário feliz, mas não por falta de dados.
Quase ao mesmo tempo a Agência Internacional de Energia reportou que com o aumento rápido das emissões de carbono dos combustíveis fósseis o limite de uso seguro será atingido por volta de 2017, se o mundo continuar no actual curso. “A porta está a fechar”, disse o economista-chefe da AIE, e muito em breve “fechará de vez”.
Pouco antes, o Departamento de Energia dos EUA informou que as imagens mais recentes das emissões de dióxido de carbono, com “a subida para o maior índice já registado”, atingiram um nível mais elevado do que os piores cenários previstos pelo Painel Internacional de Mudanças Climáticas (IPCC). Isso não constitui surpresa para muitos cientistas, inclusive os do programa do MIT para as mudanças climáticas, que alertou durante anos que os prognósticos do IPCC eram demasiado conservadores.
Esses críticos das previsões do IPCC não receberam qualquer atenção pública, ao contrário dos grupos negacionistas do aquecimento global, que são apoiados pelo sector corporativo, juntamente com imensas campanhas de propaganda que têm colocado os americanos de fora do espectro internacional dessas ameaças. O apoio das corporações também se reflecte directamente no poder político. O negacionismo é parte do catecismo que deve ser entoado pelos candidatos republicanos na ridícula campanha eleitoral em curso, e no Congresso eles são suficientemente poderosos até para abortar investigações sobre o efeito do aquecimento global, deixando de lado qualquer acção séria a respeito. Numa palavra, o declínio americano pode talvez ser interrompido se abandonarmos a esperança numa sobrevivência decente, prognóstico também bastante real dado o equilíbrio de forças no mundo.
“Perdendo” a China e o Vietname
Deixando de lado estas coisas desagradáveis, um olhar de perto sobre o declínio americano mostra que a China joga na verdade um grande papel nele, tanto como o que jogava há 60 anos. O declínio que agora gera tanta preocupação não é um fenómeno recente. Ele remonta ao fim da Segunda Guerra Mundial, quando os EUA tinham metade da riqueza do mundo e dispunham de níveis globais de segurança incomparáveis. Os estrategas políticos estavam naturalmente bastante conscientes dessa enorme disparidade de poder e pretendiam mantê-la assim.
O ponto de vista básico foi apresentado com admirável franqueza num grande documento de 1948. O autor era um dos arquitectos da Nova Ordem Mundial da época, o representante da equipa de Planeamento Político do Departamento de Estado dos EUA, o respeitado estadista e académico George Kennan, um pacifista moderado entre os estrategas. Ele observou que o objectivo político central era manter a “posição de disparidade” que separava a nossa enorme riqueza da pobreza dos outros. Para alcançar esse objectivo, advertiu, “nós deveríamos parar de falar em objectivos vagos e… irreais, como os direitos humanos, a elevação do padrão de vida e a democratização”, e devemos “lidar com conceitos estritos de poder”, não “limitados por slogans idealistas” a respeito de “altruísmo e do benefício do mundo”.
Kennan estava a referir-se especificamente à Ásia, mas as suas observações generalizam-se, com excepções, aos participantes no actual sistema de dominação global dos EUA. Ficou bastante claro que os “slogans idealistas” deveriam ser apresentados sobretudo quando dirigidos aos outros, inclusive às classes intelectualizadas, das quais era esperada a sua disseminação.
O plano de Kennan ajudou a formular e a implementar a tomada de controlo pelos EUA do Hemisfério Oeste, do Extremo Leste e das regiões do ex-império britânico (incluindo os incomparáveis recursos energéticos do Médio Oriente), e aquilo que foi possível da Eurásia, sobretudo os seus centros comerciais e industriais. Esses não eram objetivos irreais, dada a distribuição do poder. Mas o declínio foi então determinado de vez.
Em 1949, a China declarou a independência, um acontecimento conhecido no discurso do Ocidente como “a perda da China” – nos EUA, com algumas recriminações amarguradas e o conflito interpretativo a respeito de quem tinha sido o responsável por essa perda. A terminologia é reveladora. Só é possível perder o que em algum momento se teve. A assunção tácita era que os EUA tinham a China, por direito, juntamente com a maior parte do resto do mundo, tal como os estrategas do pós-guerra pensavam.
A “perda da China” foi o primeiro grande passo do “declínio americano”. Foi o que teve maiores consequências políticas. Uma delas foi a decisão imediata de apoiar o esforço francês de reconquista da sua ex-colónia da Indochina, para que esta também não fosse “perdida”.
A Indochina em si não era motivo de preocupação maior, a despeito das afirmações acerca das suas riquezas naturais por parte do presidente Eisenhower e outros. A preocupação maior era antes com a “teoria do efeito dominó”, a qual é frequentemente ridicularizada quando os dominós não caem, mas permanece um princípio regulador da política, porque é bastante racional. Para adoptar a versão que Henri Kissinger dele faz, uma localidade que cai fora do controle pode tornar-se um “vírus” que irá “contagiar”, induzindo outros a seguirem o mesmo caminho.
No caso do Vietname, a preocupação era que esse vírus do desenvolvimento independente pudesse infectar a Indonésia, que de facto é rica em recursos. E isso poderia levar o Japão – o “superdominó”, como o proeminente historiador da Ásia John Dower chamava – a “acomodar” uma Ásia independente como seu centro tecnológico e industrial num sistema que escaparia do alcance do poder dos EUA. Isso significaria, com efeito, que os EUA tinham perdido a fase Pacífico da Segunda Guerra, na qual lutaram para tentar impedir que o Japão estabelecesse uma Nova Ordem na Ásia.
O modo de lidar com um problema desses é claro: destruir o vírus e “inocular” aqueles que podem ser infectados. No caso do Vietname, a escolha racional era destruir qualquer esperança de desenvolvimento independente bem-sucedido e impor ditaduras brutais nos arredores. Essas tarefas foram levadas a cabo com sucesso – embora a história tenha a sua própria astúcia, e algo similar ao que foi temido desde então se tenha desenvolvido no Leste da Ásia, na maior parte dos casos para consternação de Washington.
A vitória mais importante das guerras da Indochina deu-se em 1965, quando um golpe de estado militar com o apoio dos EUA, liderado pelo general Suharto, significou crimes massivos comparados pela CIA aos de Hitler, Stalin e Mao. A “assombrosa matança massiva”, como a descreveu o New York Times, foi cuidadosamente reportada nos meios dominantes, e com desenfreada euforia.

*Turquinho