Da BBC Brasil
Críticos 'veem Brasil com olhos pequenos', afirma Amorim
Guila Flint
De Tel Aviv para a BBC Brasil
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou que os críticos da política externa brasileira veem o Brasil com "olhos pequenos" e "não conseguem compreender" que o país passou a ter "grandeza" no cenário internacional e, em consequência, está sendo chamado a desempenhar um papel ativo nas questões mundiais.
Em seu último dia de visita a Israel, o chanceler concedeu uma entrevista exclusiva à BBC Brasil na qual fez um balanço de seus oito anos de trabalho à frente do Itamaraty e rebateu diversas críticas à política externa brasileira.
Amorim também analisou o papel do Brasil no Oriente Médio e na América Latina e falou sobre sua visão do futuro da posição brasileira no cenário mundial.
O ministro dividiu os críticos à política externa brasileira em dois grupos principais – as grandes potências, que segundo ele, querem manter o monopólio do poder, e críticos dentro do país que não compreendem que "o Brasil é um país grande".
"Os críticos de fora do Brasil também não querem a participação (em questões da paz e segurança mundiais) da Índia, da África do Sul ou da Turquia, pois querem preservar o monopólio do poder que têm", afirmou.
"Já no Brasil (os críticos) são pessoas que não conseguem compreender que - sem nenhuma megalomania, sem nenhum exagero - o Brasil tem um tamanho e uma grandeza no cenário internacional."
Venezuela x Colômbia
Amorim rejeitou as críticas de que a participação crescente do Brasil nas questões mundiais, especialmente no Oriente Médio, se dá em detrimento dos esforços do país para ajudar a resolver os problemas da América Latina.
"Na questão da crise entre a Venezuela e a Colômbia, a primeira coisa que o presidente Lula fez foi telefonar para o presidente Chávez, e também entramos em contato com os ministros colombianos. Uma coisa não interfere na outra, pelo contrário, o prestígio internacional do Brasil nos ajuda também a trabalhar na região", disse.
O ministro disse que a América do Sul tem mecanismos para resolver crises como a que está ocorrendo entre a Venezuela e a Colômbia e lembrou que na próxima quinta-feira, dia 29, os ministros da Unasul vão se reunir para discutir a questão.
"A tarefa imediata é administrar a situação até a chegada do novo governo colombiano e então procurar uma solução mais permanente."
Oriente Médio
Amorim disse que os esforços que o Brasil dedicou, durante os últimos oito anos, às questões do Oriente Médio "valeram a pena".
"Política externa não é uma coisa que se faz com um horizonte de um ou dois mandatos, mas nós iniciamos um processo e temos hoje uma relação de intimidade e de conhecimento dos problemas que não sonhávamos ter dez anos atrás."
O chanceler disse que, cada vez que vai ao Oriente Médio, sente que há “um interesse na participação do Brasil, sinto isso da parte dos palestinos, dos israelenses e dos iranianos, e de outros - egípcios, sírios...."
“Vale a pena o esforço, porque aqui (no Oriente Médio) estão concentrados os problemas principais da paz mundial, e o Brasil é um grande país e todos nós temos que pagar um preço pela manutenção da paz. "
"A paz é como a liberdade, é como ar, você só sente como ela é importante quando ela não existe", disse Amorim.
E completou: "Os países que querem ter uma participação têm que pagar algo por isso e é melhor que seja em diplomacia do que em outras formas".
Irã
O ministro afirmou que o Brasil vai respeitar as sanções do Conselho de Segurança da ONU contra o Irã, embora tenha se oposto a elas, "pois respeita a lei internacional".
No entanto, segundo Amorim, o Brasil não tem obrigação de se alinhar a favor das sanções unilaterais decretadas pelos países europeus ou pelos Estados Unidos.
"Continuamos achando que o melhor caminho para resolver a questão do projeto nuclear iraniano é por meio do diálogo e não do isolamento".
O ministro afirmou que se houver uma guerra com o Irã as consequências poderão ser "absolutamente trágicas".
"Mas prefiro apostar na paz e temos que continuar trabalhando para evitar que isso aconteça", disse.
Eleições
Diante da aproximação das eleições no Brasil, Amorim afirmou que considera que mesmo na ausência do presidente Lula, o papel do Brasil no cenário internacional continuará crescendo.
"Pelé só teve um, mas o Brasil continuou a ser campeão mundial", comparou Amorim.
De acordo com a avaliação do ministro, daqui a dez anos ninguém terá duvidas sobre o papel importante e central do Brasil nas relações internacionais, inclusive nas questões da paz e segurança mundiais.
"O Brasil já tem um papel importante nas questões financeiras, nas relações comerciais e na questão do clima. A maior resistência em relação à participação do Brasil e de outros países em desenvolvimento é na parte de paz e segurança, pois os cinco membros do Conselho de Segurança são também potências nucleares que querem barganhar entre elas as condições da paz no mundo".
"Mas isso vai mudar, porque o mundo não pode continuar tendo, no seu processo decisório, os mesmos paises de 1945."
"Esses oito anos em que servi no Ministério foram muito privilegiados pois foram um momento de transformação do mundo e do Brasil", resumiu.
Sobre seus planos futuros, Amorim disse que no momento tem dois convites, "um é real, que é do reitor da Universidade do Rio de Janeiro, para ajudar na universidade, e o outro... eu gostaria de crer que tenho um convite... que é dos meus netos, para passar mais tempo com eles".
A projeção internacional do Brasil não é uma das metas do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, mas sim um recurso para privilegiar a integração entre os países e possibilitar a solução de conflitos por meio de negociações diplomáticas. A análise é do sociólogo
Emir Sader, que concedeu entrevista ao
Opera Mundi.
“O que o governo Lula busca não é colocar o Brasil em uma posição de destaque no cenário internacional para provar que possui um plano de política externa bem sucedido. O objetivo do Brasil é possibilitar um mundo multipolar no qual todos tenham o mesmo poder ou as mesmas possibilidades de negociar as questões internacionais por meio da diplomacia e do diálogo, o que consequentemente promove destaque internacional”, explicou ele que também é professor da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro).
Alvo tanto de críticas e quanto de elogios, a política externa aplicada por Lula colocou o Brasil uma posição no cenário internacional a ponto de possibilitar a mediação do conflito entre os Estados Unidos e o Irã em razão do programa nuclear.
Porém, para alguns, a aplicação das sanções a despeito do acordo firmado entre Irã, Brasil e Turquia é um dos exemplos que ilustram falhas da política externa conduzida pelo presidente brasileiro.
MultipolaridadeEm entrevista concedida ao jornal Folha de S. Paulo, o historiador mexicano Jorge Castañeda, que foi ex-ministro das Relações Exteriores do México durante o governo de Vicente Fox (2000-2006) classificou como “fracassados” os objetivos de Lula no âmbito internacional.
Para ele, Lula fez um bom governo internamente, porém nas questões internacionais deixou a desejar por não ter conseguido uma cadeira permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU, não ter tido êxito na Rodada Doha e na Conferência sobre o Clima, em Copenhague, onde tentou ser o protagonista de um possível acordo de redução de poluentes.
“Estes são alguns objetivos pontuais e metas ambiciosas. Antes de qualquer coisa, a política externa brasileira não se limita a estes episódios. O governo Lula se colocou como um agente promotor da multipolaridade, contribuiu para o fortalecimento da América Latina e soube atuar como potência regional”, disse Sader.
O sociólogo acredita que o fato de os conflitos regionais não serem mais mediados pelos Estados Unidos e a economia não depender das relações com os norte-americanos são as principais vitórias da política externa brasileira, que para ele foi “bem sucedida e feliz” nas mãos de Lula. “O Brasil atualmente tem uma política internacional soberana e independente”, acrescentou.
VisibilidadePara Sader há uma relação direta de dependência entre a administração das questões internas e externas. “É como um ciclo vicioso: a soberania externa depende da estabilidade interna, que por sua vez depende da independência econômica e social que o país tem internacionalmente”, explicou.
Portanto, segundo Sader, o que fez a diferença na relação do Brasil com o mundo foi o entendimento de Lula – e de seu corpo diplomático – de que a política externa não poderia ser apenas um recurso para dar mais visibilidade aos interesses nacionais, mas sim um instrumento para fortalecer o país diante do cenário internacional, o que poderá ser decisivo para o desenvolvimento interno do Brasil.
“Um dos méritos do governo Lula foi conseguir articular e definir prioridades voltadas para a relação entre as questões internas e externas, direcionando a posição que o país quer alcançar internacionalmente de acordo com os interesses nacionais internos”, argumentou.
América LatinaQuanto às críticas de Casteñeda em relação à “abstenção” de Lula em conflitos entre países que estão mais perto do Brasil como Uruguai, Argentina, Colômbia e Venezuela, Sader disse que o presidente brasileiro sempre prestou atenção aos impasses regionais, se colocando até mesmo à disposição para mediar o conflito entre os presidentes Álvaro Uribe e Hugo Chávez, por exemplo.
“A união latino-americana e o fortalecimento dos países da região como unidade foram extremamente importantes para o alcance da posição de respeito que o Brasil atingiu, e o Lula tem mérito nisso”, disse Sader.
EstabilidadeA estabilidade do Mercosul, a formação dos Bric (Brasil, Rússia, Índia e China, países que se destacam no cenário mundial pelo crescimento rápido), são alguns dos exemplos dados pelo sociólogo para comprovar o êxito da política externa brasileira.
Além disso, para ele as críticas de Castañeda não devem ser encaradas com tanto peso, já que foram feitas pelo ex-ministro das Relações Exteriores do México, que durante sua gestão não colocou o México entre os países com maior projeção internacional; ao contrário, “fez o México cada vez mais dependente dos Estados Unidos e com uma autonomia econômica, política e de articulação internacional extremamente limitadas”.
“O México hoje apresenta uma das situações mais catastróficas da região. Cerca de 90% das relações comerciais deles dependem dos EUA. Isso é uma política externa bem sucedida? Acho que no mínimo ele precisa rever o conceito de fracasso internacional”, concluiu.