Um Estado em luta contra a alienação
Por Pedro Ayres
Jornalista
As análises políticas que se baseiam na economia política burguesa, embora feitas com o objetivo de desvelar a verdade dos fatos e assim se constituirem em poderosa arma contra o encobrimento da verdade, na prática, dificultam esse desvelar. Há vários fatores capazes de produzir esse efeito. Um deles, por sinal o mais comum, é a redução do movimento histórico a momentos estáticos, como se fossem fotogramas isolados. Um exemplo, é o fracionamento da História do Brasil. O objetivo é dar uma idéia da História a partir de um momento ou circunstância isolada, como se fosse o acontecido. Esse isolamento do fato histórico do processo no qual se insere, descontextualizando-o, impede as necessárias conexões, o que sempre resulta na justificativa e sustentação aos que estão no poder.
Um exemplo é a sonegação de um dado essencial para que se possa compreender todo o desenvolvimento histórico brasileiro: o escamoteamento do caráter capitalista da exploração colonial do país, desde seu início e, depois, sob o jugo imperialista. Nesse caso, como forma de justificar o "progressismo" desenvolvimentista do sistema de espoliação que iria ser adotado como norma no País, optam por alegar que teria existido a continuidade de estruturas de produção de natureza semifeudal ou pré-capitalistas. Um fato incontestavelmente falso.
Segundo os mais criteriosos e atualizados historiadores econômicos brasileiros, o Brasil, foi durante grande parte do período colonial, não só um dos sustentáculos da Coroa Portuguesa, como um dos mais lucrativos empórios capitalistas do mundo. A fantástica produção industrial do açúcar, por exemplo, para garantir os seus altos lucros e rentabilidade, teve que se socorrer de sucessivos avanços técnicos no plantio da cana e na instalação e operação dos engenhos.
Como o Nordeste, do Maranhão até a Bahia, entre os séculos XVI, XVII e XVIII, já apresentava índices de desenvolvimento urbano e comercial compatível com alguns centros europeus e hispano-americanos, a mineração do Centro-oeste brasileiro, por exemplo, ao conquistar amplos territórios, exigirá novas necessidades econômicas capitalistas mais adequadas ao que se fazia no Velho Continente, além do constante aumento da agricultura de subsistência e a normal criação de excedentes, que servirá de base para um incipiente processo interno de acumulação capitalista. Enfim, como se pode ver, há uma relação de causa e efeito em todo esse processo, jamais fenômenos isolados de formidáveis e heróicos seres humanos.
Assim, enquanto o restante da Europa, menos aquinhoada de colônias ultramarinas desenvolvia formas superiores de atividades capitalistas, seja criando as bases do moderno sistema financeiro, seja com a alteração laboral e associativa das corporações ofício, Portugal, por exemplo, prisioneiro da prodigalidade da Coroa Portuguesa, endividado com os bancos ingleses, via toda a sua riqueza ser drenada. Era o clássico caso do multibilionário pobre. O resultado é que milhares de aventureiros ibéricos e europeus "fizeram a América", ora para fugir da miséria e das doenças que assolavam o Velho Continente, ora para reerguer fortunas perdidas com a mineração, o comércio ou com a exploração agrícola ou pastoril, a partir do trabalho escravo.
É, assim, de fotograma em fotograma que a História nos é apresentada. No Brasil, como não poderia deixar de ser, a Colônia vai ser rica em mitos e heróis, alguns bem perto da lenda, outros, mais simples. O processo histórico de formação econômica do país é objeto de análises políticas que de análises políticas isentas não têm nada, já que negam o movimento - que é a essência de todo processo histórico - e nos apresentam a História como sendo apenas uma sucessão de feitos heróicos, com o cuidado de sempre negar o fator trabalho como a base desse processo.
Um exemplo é a Siderurgia. A descoberta do minério de ferro data de 1589, segundo Calógeras em "As Minas do Brasil". Em 1597, a siderurgia tinha o seu início em dois engenhos de fundição localizados nas minas de Biraçoiaba, na capitania de São Vicente, com o uso de mão-de-obra essencialmente africana, posto que a metalurgia e a siderurgia já eram de amplo domínio na África, com regiões reputadas de grande excelência, como Nigéria, Daomé, Benin e o Antigo Egito.
Foram negros de São Vicente que introduziram a siderurgia em Minas Gerais, pelo primitivo processo dos cadinhos, o que aliás já era uma técnica africana muito antiga. Ferraduras para animais, aros de roda, instrumentos agrícolas e de mineração eram por eles fabricados. Embora tanto a metalurgia, quanto a siderurgia coloniais brasileiras tenham sofrido forte repressão por parte do capital industrial europeu não-lusitano, foi possível a sua sobrevivência principalmente nas Gerais e zonas periféricas à mineração ou centros de transporte.
Entretanto, como era uma atividade massiva e incapaz de forjar grandes heróis, a não ser nos casos de sonegação e furto fiscal, como acontecia em Minas, São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, há um forte silêncio sobre tais fatos, ao contrário do falso retrato de heroísmo das predadoras entradas e bandeiras, cujo escopo básico era o lucro imediato com o apresamento de índios e saques a alguns centros de mineração. Ora, como esses fotogramas das entradas e bandeiras foram transformados em mitos heróicos, passaram a simbolizar algo que nunca significaram realmente. Mas, como o sistema necessita criar mitos de permanência, toda uma província e depois um Estado é seduzido pela miragem do que não foi. Um fenômeno que vai sendo cada vez mais forte e trabalhado, não para honrar ou louvar esses tais "heróis", mas para justificar os novos predadores e os processos espoliativos capitalistas.
Como a História é sempre apresentada a partir desses fotogramas esparsos, o nexo fica perdido e assim, o processo político, composto por heróis e messias, vai se desenrolando, sem que o povo trabalhador, o verdadeiro protagonista do processo, sequer desconfie da importância básica de seu papel.
O resultado é a seqüência de governos "providenciais" e "carismáticos" (sic), como a mídia costuma dizer. Ou seja, em São Paulo, o trabalho político é desenvolvido como uma forma de preservação oligárquica e para que isso tenha sucesso é necessário que a população se oriente na crença da força de "heróis" nos moldes de um Adhemar de Barros, Jânio Quadros, Paulo Maluf, Franco Montoro, Orestes Quércia, Luiz Antonio Fleury, Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra.
Romper com esse secular tipo de condicionamento é algo bem difícil e às vezes até doloroso. O fim de algumas ilusões até pode causar certo desconforto e sofrimento, pois o restabelecimento da verdade nem sempre é de supetão e com pronto alívio. No entanto, "A exigência de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita de ilusões"(K.Marx, Introdução à Crítica da Filosofia do Direito de Hegel).
A atual batalha política de São Paulo é cada vez mais estratégica para o país. Justo fazer dessa batalha um dos mais sérios embates contra o neoliberalismo. É um bravo esforço, pois, ao se desvendar a falácia que era e é o poder do tucanato no Estado, foi possível compreender que uma vitória tucana seria o mesmo que consolidar um estado de exceção como algo inevitável e natural. Aliás, esse é o ardil que nos é vendido pela mídia, desde os idos de 1975, quando as teses de Friedman e Hayek sobre o (neo)liberalismo já faziam parte dos currículos universitários e dos governos.
O processo de desmonte do Estado de São Paulo e de alguns de seus serviços públicos essenciais foi feito aos poucos, tanto que grande parte das acusações de incúria administrativa a alguns governantes, a bem da verdade, são injustas do ponto de vista do julgamento individual desses governantes, já que apenas cumpriam, com maior ou menor rigor, a agenda estabelecida pelo sistema.
Em São Paulo, a partir de 1979, independentemente dos governantes, há extrema coerência nessa atividade. Uma ação que vai ter o seu ápice com Mário Covas, quando as bases de sustentação do Estado paulista são doadas às empresas privadas, sob o pífio e hipócrita argumento de modernização e reengenharia administrativa - nomes fantasias para o mais deslavado entreguismo do patrimônio público. Alckmin, como um fiel discípulo e seguidor da linha de Mário Covas, o grande líder político (neo)liberal de São Paulo e do país, representa a continuidade dessa política antinacionalista e desumana.
Agora, quando o império e sua economia política entram em colapso, torna-se fundamental que o Senador Aloizio Mercadante seja eleito Governador de São Paulo. É preciso extinguir com esse poder político neoliberal, que enquistado em São Paulo, tenta usá-lo como um aríete contra as políticas públicas integracionistas e nacionalistas.
Desse modo, para o Estado de São Paulo e para os paulistas comuns - aqueles que não fazem parte do sistema em termos de poder e servidão - é chegada a hora de construir sua desalienação política. Fazer com que todos esses isolados fotogramas de sua História passem a ter movimento e, com isso, surja o nexo que irá lhes garantir a libertação desse secular jugo capitalista.
Dilma, Mercadante, Netinho e Marta são os nexos que São Paulo precisa, ou seja, simbolizam os elos que irão fazer a ligação de todos os fotogramas isolados, porque fazem parte da tomada de consciência dos verdadeiros interesses e objetivos do povo paulista. Uma tomada de consciência possível, graças ao Governo Lula, que ao realizar políticas públicas efetivamente democráticas fez com que as ilusões perdessem a força. Uma força que lhes permitiu, até o momento, poderem sustentar o secular controle sobre tudo e todos.
Hoje, o povo paulista, analisando a verdadeira História de seu Estado e compreendendo o que está em jogo nas próximas eleições, pode perceber que estão presentes as reais condições para a sua liberdade.
Dilma, Mercadante, Netinho e Marta!
Venceremos!
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Pedro Ayres
Jornalista