SP usa prisão provisória para “controle” da população de rua
O fascismo grassa em SP
De acordo com o estudo da Pastoral
Carcerária e do ITCC, medida tem sido utilizada pelo governo paulista
“como instrumento político de gestão populacional”
Relatório elaborado pela Pastoral
Carcerária Nacional e pelo Instituto Terra,Trabalho e Cidadania (ITTC)
afirma que a prisão provisória tem sido usada em São Paulo “como
instrumento político de gestão populacional, voltado ao controle de uma
camada específica da população”. A Agência Brasil teve acesso à integra
do relatório, que deve ser divulgado essa semana.
De acordo com o documento, o uso da
prisão provisória tem sido dirigido a usuários de drogas e moradores de
rua da capital paulista. São Paulo é o estado com maior quantidade de
presos provisórios do país. De um universo de 174 mil detentos, 57,7 mil
estão privados de liberdade e ainda não foram julgados.
Segundo a pesquisa, juízes e promotores
corroboram a seletividade e a violência promovidas pelas polícias e
raramente questionam a necessidade da prisão cautelar. “Há uma grande
resistência dos operadores [do direito], que não se dão ao trabalho nem
mesmo de atentar para o caso concreto, emitindo cotas e decisões
caracterizadas pela generalidade e pela pobreza argumentativa”.
O relatório diz ainda que “inverte-se o
princípio da presunção de inocência, mantendo-se a pessoa privada de
liberdade de forma automática, como se o estado de flagrância
constituísse prova suficiente da culpabilidade ou como se a prisão
cautelar funcionasse como a antecipação de uma pena que não será
aplicada ao final do processo”.
De acordo com o documento, inúmeros
relatos de presos provisórios denunciam que, no momento da abordagem
policial, quando estavam utilizando drogas em grupo, os policiais
liberavam diversos usuários e prendiam alguns outros, em uma forma
discricionária de condução da abordagem.
“A escolha entre quem seria liberado ou
preso era fundada na ficha do indivíduo – reincidente ou primário –, na
sua cor ou raça, na sua vestimenta, na sua classe social. Foi possível
perceber o imenso poder que a atual Lei de Drogas confere aos policiais,
que podem tipificar determinada conduta como bem desejam”, diz o
relatório.
O coordenador do Núcleo de Situação
Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Patrick
Cacicedo, também entende que há abuso por parte das autoridades na hora
de prender as pessoas provisoriamente. “O estado quer resolver questões
sociais pelo sistema penal. Por isso, há hoje um encarceramento em
massa”.
A Agência Brasil procurou as secretarias
de Administração Penitenciária e de Segurança Pública de São Paulo, o
Ministério Público e o Tribunal de Justiça de São Paulo, mas até o
fechamento desta reportagem não havia recebido resposta.
O relatório é resultado do Projeto Tecer
Justiça: Repensando a Prisão Provisória, desenvolvido pelo Instituto
Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) e pela Pastoral Carcerária Nacional
para o atendimento e a defesa técnica de presos provisórios
recém-incluídos no Centro de Detenção Provisória 1 de Pinheiros e na
Penitenciária Feminina de Sant’Ana. A pesquisa foi realizada no período
de junho de 2010 a dezembro de 2011.
O documento analisa diversos casos de
permanência em detenção supostamente ilegal, entre eles o de um homem
preso sob acusação de ter roubado R$ 1,00 e um bilhete de transporte
público mediante ameaça verbal, sem uso de arma ou qualquer utensílio
que pudesse colocar em risco a integridade da vítima.
No entanto, apesar de ser primário e
nunca ter sido sequer processado, o homem permaneceu seis meses e doze
dias preso antes da sentença. As sentenças judiciais também se
apresentam desproporcionais: nesse mesmo caso, o homem foi condenado à
pena de cinco anos e quatro meses de reclusão em regime inicial fechado.
De acordo com o assessor jurídico da
Pastoral Carcerária Nacional, José de Jesus Filho, em muitos casos, os
presos provisórios são usuários de drogas que ficam até um ano
encarcerados. Além disso, é bastante elevado o número de pessoas que
afirmaram morar na rua.
No ano passado, entrou em vigor a Nova
Lei das Prisões, que beneficia presos não reincidentes que cometeram
crimes leves, puníveis com menos de quatro anos de reclusão, e que não
ofereçam risco à sociedade. Em tais casos, a prisão pode ser substituída
por medidas como pagamento de fiança e monitoramento eletrônico.
Segundo o relatório, no entanto, há
diversos casos nos quais o réu estava sendo acusado de delito para o
qual poderia receber uma medida alternativa à prisão. Porém, mesmo
assim, o acusado era mantido preso cautelarmente até a sentença. Somente
então o réu é colocado em liberdade, até mesmo quando condenado, porque
o período sob prisão provisória geralmente foi maior que o tempo de
condenação.
O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania é
uma organização não governamental, com sede em São Paulo, constituída
por profissionais que atuam em defesa dos direitos dos cidadãos.
Atualmente, desenvolve projetos em parceria com a Secretaria de
Administração Penitenciária do Estado de São Paulo e a Defensoria
Pública da União, entre outras instituições. A Pastoral Carcerária é uma
organização ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB),
promovendo direitos da população custodiada nos sistemas prisionais do
país.
*Cappacete