Sanguessugado do Sakamoto
A partir desta terça (1), o salário mínimo nacional passa a ser de R$ 678,00. São 56 jujubas a mais do que os R$ 622,00 válidos até 2012, ou seja, 9%.
Não
se nega que a política de valorização do mínimo levou a um aumento no
seu poder de compra. Em 1995, adquiria-se uma cesta básica com o mínimo.
Hoje, 2,26 cestas. E, considerando sua série histórica e deflacionando
os valores para este início de janeiro, o montante pago será o maior
valor real desde 1983.
Mas isso passa longe de
ser suficiente, pois não se come números ou se veste estatísticas. O
salário mínimo mensal necessário para manter dois adultos e duas
crianças deveria ser de R$ R$ 2.617,33 – em valores de outubro de 2012
(última previsão disponível). O cálculo é feito,mês a mês desde 1994, pelo Departamento Intesindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese).
O
Dieese considera o que prevê a Constituição, ou seja: “salário mínimo
fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas
necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia,
alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e
previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o
poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim”.
Mas
como todos sabemos, o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federativa
do Brasil, que trata dessa questão, é uma piada mais engraçada do que
aquela do papagaio gaúcho que passava trote em Macapá.
O
governo federal atrelou o ritmo de crescimento do PIB ao do salário
mínimo, na tentativa de resgatar seu poder de compra. O combinado prevê
reajustes baseados na inflação e na variação do PIB. Mas estamos longe
de garantir dignidade com esse “mínimo de brinquedo”. Nas grandes
cidades, são poucos os que recebem apenas o piso. Contudo, segue
referência para mais de 45 milhões de pessoas, entre aposentados,
empregadas domésticas, entre outros trabalhadores que são remunerados
com base nele.
Ninguém está pregando aqui a
irresponsabilidade fiscal geral e irrestrita, mas o aumento do salário
mínimo é uma das ações mais importantes para melhorar a qualidade de
vida do andar de baixo. Afinal de contas, salário mínimo não é programa
de distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente –
por um trabalho. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um
mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo.
Acordei
pensando o que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no
interior do país, recebe um mínimo com reajuste de 9% e tem que depender
de programas de renda mínima para comprar o frango do Ano Novo, quando
vê na sua TV a notícia de que políticos aproveitaram este fim de ano
para reajustarem seus próprios salários. Como o prefeito de Belo
Horizonte, Márcio Lacerda, que fez crescer seu ordenado e de seu
primeiro escalão em 22,8% e dos vereadores da capital mineira em 34,15%.
Ele ganhava R$ 19 mil e passará a receber R$ 23,4 mil.
A
justificativa é de que os aumentos serviram para repor as perdas
inflacionárias desde 2009, de 23%. Mas se não havia problema no aumento,
porque a decisão não foi feita antes das eleições que reconduziram
muitos deles aos cargos e não depois, como foi feito? Talvez porque
muita gente também pediria para ter um salário reajustado pelo IGP-M.
Nesse
momento, alguns desses engolem o choro da raiva ou da frustração de
ganharem como um passarinho, apesar de trabalharem como um camelo e
torcem para Salve Jorge começar rápido e poderem, enfim, ver outra
tragédia e poderem esquecer a que acabaram de ver. Não porque precisam
se mostrarem fortes – sabem que são. Mas porque também sabem de que não
adianta se indignarem. Afinal de contas, o país não é deles mesmo.
E
para controlar o rebanho de ovelhas, há todo um discurso criado e
difundido. Toda a vez que chega a época de debates sobre o mínimo,
“especialistas” descabelam-se na mídia com o impacto desse aumento nas
contas públicas. Muitas vezes essas análises são produzidas em uma
linguagem que poucos conseguem entender, ou seja, em código para atingir
aqueles que sabem decodificá-lo, ou seja, um grupo economicamente
seleto, ou seja, outras pessoas mas não você. Ou, por outro lado, podem
ser colocadas de forma a parecerem proposições tão claras e óbvias que
ir contra elas é um atentado à razão. Em outras palavra, “só um idiota
não concordaria com isso”.
“O governo
deve desvincular a Previdência do aumento do salário mínimo. Os
aposentados não podem receber aumentos na mesma progressão que a
população economicamente ativa.” Em outras palavras, quem pode
vender sua força de trabalho merece comer, pagar aluguel, comprar
remédios. O governo tem que se preocupar em garantir a manutenção da
mão-de-obra para o capital – o resto que se dane. Para que gastar com
quem já não é útil à sociedade com tanta dívida pública para ser paga?
Melhor seria instituir de vez que, chegando a tal idade, os idosos
pobres deveriam se destinar a instituições parecidas com aquelas do
livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, para serem reciclados.
Mais rápido e clean. De repente, pode-se até chamar uma blogueira de
moda jabazeira para sugerir decoração para o ambiente de abate dos mais
velhos, incentivando – com isso – a liberdade de expressão.
“Cada real a mais de salário mínimo representa um aumento de milhões no prejuízo do governo federal.”
Primeiro, se fossem efetivamente cobradas as grandes empresas
sonegadoras da Previdência, o “rombo” não seria desse tamanho. Mas isso é
de interesse de quem? Dos representantes políticos que receberam
doações de campanhas dessas mesmas empresas? Além disso, constata-se que
a cada aumento no salário mínimo ocorre um aquecimento na economia de
locais de baixa renda, o que gera empregos e melhora a qualidade de vida
de milhões de pessoas. Então, seria interessante o especialista definir
melhor o que é “prejuízo” antes de usar o termo.
“É
importante aumentar o mínimo? Sim. Mas a população tem que entender que
não é o aumento do mínimo que vai distribuir renda e sim o crescimento
da economia.” Os economistas da ditadura militar falavam a
mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro
fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo”. Por isso, apesar de
você ter ajudado a produzir o doce tira a mão dele que não é hora de
você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer. Vai chegar a sua vez de
provar do bom e do melhor. Enquanto isso, vai lambendo este mingau.
Considerando que nossa concentração de riqueza é uma das mais altas do
mundo, percebe-se o tipo de resultado que dá essa fórmula. Além do mais,
salário mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma
remuneração mínima – e insuficiente – por um trabalho. Não é caridade e
sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por parte dos
empregadores e do governo. O melhor de tudo é o tom professoral de “A
população tem que entender”, como se o especialista que disse isso fosse
um ser iluminado dirigindo-se para o povo, bruto e rude, para explicar
que aquilo que eles sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a
geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos
internacionais do país.
Por fim, neste Primeiro
de Janeiro desejo que você trabalhe menos em 2013. Bem menos. Que não
caia na conserva fiada de comerciais de TV que mostram pais e mães
sorridentes porque agora podem trabalhar de casa devido à tecnologia,
como se aquilo não gerasse – muitas vezes – tempo de serviço não
computado e não remunerado. Como se o saudável e necessário momento do
descanso físico e intelectual se fizesse obsoleto, de repente, com o
advento do e-mail e do wi-fi. Todos estão conectados o tempo todo e, com
isso, podem ser acionados a qualquer momento. E produzir a qualquer
instante. Sem, necessariamente, com mais felicidade.
Aliás,
é engraçado como o serviço associado ao espaço da casa não é, muitas
vezes, visto como trabalho e sim como prazer ou obrigação privada. Isso
tem o mesmo DNA do preconceito contra o serviço doméstico, considerado
subtrabalho pela sociedade brasileira, que garante às empregadas ou às
donas de casa menos direitos que as outras categorias.
Adoraria
defender o saudável direito ao ócio criativo, quase como uma espécie de
autocrítica deste workaholic que trabalha 24 por 7 e está escrevendo um
texto pós-ressaca de Ano Novo. Mas estaria indo muito longe. Prefiro
algo mais palpável, como a redução da jornada de trabalho semanal de 44
para 40 horas.
A última redução ocorreu há 25
anos, na Constituição de 1988, quando caiu de 48 para 44 horas semanais.
Aos catastrofistas de plantão: saibam que o Dieese (novamente ele)
calculou que uma jornada de 40 horas com manutenção de salário
aumentaria os custos de produção em apenas 1,99%. O aumento na qualidade
de vida do trabalhador, por outro lado, seria muito maior: mais tempo
com a família, mais tempo para o lazer e o descanso, mais tempo para
formação pessoal. Há uma proposta de emenda constitucional que propõe
essa mudança e também aumenta de 50% para 75% o valor a ser acrescido na
remuneração das horas extras. Ou seja, tem que trabalhar mais? Que se
pague bem por isso. De casa ou do escritório.
Outros
vão dizer: mas boa parte das empresas já opera com o chamado oito horas
por dia, cinco dias por semana. Mas não todas. Principalmente em
atividades rurais.
Com o progresso tecnológico,
uma quantidade sempre crescente de meios de produção pode ser acionada
por uma quantidade relativa cada vez menor de força de trabalho. Como
consequência, um número maior de mercadorias pode ser produzida com uma
quantidade menor de horas de esforço humano. Em muitos países, a redução
da quantidade de horas trabalhadas com a manutenção do salário é uma
tendência. Mas por aqui ainda assusta muita gente.
Na
crise de 2008, os balanços econômicos de muitas grandes empresas
mostravam que não havia necessidade de se aplicar um remédio tão amargo
quanto a redução de jornada com redução de salário, uma vez que várias
delas havia ganhado muito nos anos anteriores. Mesmo assim, tentaram
mostrar a necessidade desse amargor. Algumas queriam simplesmente
embolsar a diferença do ganho de produtividade. E que se danasse o
trabalhador. O “pibinho” de 2012 desencadeou abriu a possibilidade
retórica para muita gente de fé duvidosa aplicar novamente o “remédio”. E
assim vamos caminhando para trás.
É difícil celebrar o Ano Novo quando não se tem tempo para isso. Muito menos dinheiro.
*GilsonSampaio