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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, janeiro 02, 2013

Salário mínimo: Difícil celebrar o Ano Novo quando não se tem dinheiro para isso
Sanguessugado  do Sakamoto


A partir desta terça (1), o salário mínimo nacional passa a ser de R$ 678,00. São 56 jujubas a mais do que os R$ 622,00 válidos até 2012, ou seja, 9%.
Não se nega que a política de valorização do mínimo levou a um aumento no seu poder de compra. Em 1995, adquiria-se uma cesta básica com o mínimo. Hoje, 2,26 cestas. E, considerando sua série histórica e deflacionando os valores para este início de janeiro, o montante pago será o maior valor real desde 1983.
Mas isso passa longe de ser suficiente, pois não se come números ou se veste estatísticas. O salário mínimo mensal necessário para manter dois adultos e duas crianças deveria ser de R$ R$ 2.617,33 – em valores de outubro de 2012 (última previsão disponível). O cálculo é feito,mês a mês desde 1994, pelo Departamento Intesindical de Estatística e Estudos Econômicos (Dieese).
O Dieese considera o que prevê a Constituição, ou seja: “salário mínimo fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, reajustado periodicamente, de modo a preservar o poder aquisitivo, vedada sua vinculação para qualquer fim”.
Mas como todos sabemos, o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federativa do Brasil, que trata dessa questão, é uma piada mais engraçada do que aquela do papagaio gaúcho que passava trote em Macapá.
O governo federal atrelou o ritmo de crescimento do PIB ao do salário mínimo, na tentativa de resgatar seu poder de compra. O combinado prevê reajustes baseados na inflação e na variação do PIB. Mas estamos longe de garantir dignidade com esse “mínimo de brinquedo”. Nas grandes cidades, são poucos os que recebem apenas o piso. Contudo, segue referência para mais de 45 milhões de pessoas, entre aposentados, empregadas domésticas, entre outros trabalhadores que são remunerados com base nele.
Ninguém está pregando aqui a irresponsabilidade fiscal geral e irrestrita, mas o aumento do salário mínimo é uma das ações mais importantes para melhorar a qualidade de vida do andar de baixo. Afinal de contas, salário mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente – por um trabalho. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo.
Acordei pensando o que deve passar pela cabeça de uma pessoa que mora no interior do país, recebe um mínimo com reajuste de 9% e tem que depender de programas de renda mínima para comprar o frango do Ano Novo, quando vê na sua TV a notícia de que políticos aproveitaram este fim de ano para reajustarem seus próprios salários. Como o prefeito de Belo Horizonte, Márcio Lacerda, que fez crescer seu ordenado e de seu primeiro escalão em 22,8% e dos vereadores da capital mineira em 34,15%. Ele ganhava R$ 19 mil e passará a receber R$ 23,4 mil.
A justificativa é de que os aumentos serviram para repor as perdas inflacionárias desde 2009, de 23%. Mas se não havia problema no aumento, porque a decisão não foi feita antes das eleições que reconduziram muitos deles aos cargos e não depois, como foi feito? Talvez porque muita gente também pediria para ter um salário reajustado pelo IGP-M.
Nesse momento, alguns desses engolem o choro da raiva ou da frustração de ganharem como um passarinho, apesar de trabalharem como um camelo e torcem para Salve Jorge começar rápido e poderem, enfim, ver outra tragédia e poderem esquecer a que acabaram de ver. Não porque precisam se mostrarem fortes – sabem que são. Mas porque também sabem de que não adianta se indignarem. Afinal de contas, o país não é deles mesmo.
E para controlar o rebanho de ovelhas, há todo um discurso criado e difundido. Toda a vez que chega a época de debates sobre o mínimo, “especialistas” descabelam-se na mídia com o impacto desse aumento nas contas públicas. Muitas vezes essas análises são produzidas em uma linguagem que poucos conseguem entender, ou seja, em código para atingir aqueles que sabem decodificá-lo, ou seja, um grupo economicamente seleto, ou seja, outras pessoas mas não você. Ou, por outro lado, podem ser colocadas de forma a parecerem proposições tão claras e óbvias que ir contra elas é um atentado à razão. Em outras palavra, “só um idiota não concordaria com isso”.
“O governo deve desvincular a Previdência do aumento do salário mínimo. Os aposentados não podem receber aumentos na mesma progressão que a população economicamente ativa.” Em outras palavras, quem pode vender sua força de trabalho merece comer, pagar aluguel, comprar remédios. O governo tem que se preocupar em garantir a manutenção da mão-de-obra para o capital – o resto que se dane. Para que gastar com quem já não é útil à sociedade com tanta dívida pública para ser paga? Melhor seria instituir de vez que, chegando a tal idade, os idosos pobres deveriam se destinar a instituições parecidas com aquelas do livro “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, para serem reciclados. Mais rápido e clean. De repente, pode-se até chamar uma blogueira de moda jabazeira para sugerir decoração para o ambiente de abate dos mais velhos, incentivando – com isso – a liberdade de expressão.
“Cada real a mais de salário mínimo representa um aumento de milhões no prejuízo do governo federal.” Primeiro, se fossem efetivamente cobradas as grandes empresas sonegadoras da Previdência, o “rombo” não seria desse tamanho. Mas isso é de interesse de quem? Dos representantes políticos que receberam doações de campanhas dessas mesmas empresas? Além disso, constata-se que a cada aumento no salário mínimo ocorre um aquecimento na economia de locais de baixa renda, o que gera empregos e melhora a qualidade de vida de milhões de pessoas. Então, seria interessante o especialista definir melhor o que é “prejuízo” antes de usar o termo.
“É importante aumentar o mínimo? Sim. Mas a população tem que entender que não é o aumento do mínimo que vai distribuir renda e sim o crescimento da economia.” Os economistas da ditadura militar falavam a mesma coisa, mas de uma forma diferente, algo como “é preciso primeiro fazer o bolo crescer, para depois distribui-lo”. Por isso, apesar de você ter ajudado a produzir o doce tira a mão dele que não é hora de você consumi-lo. Hoje, são alguns que vão comer. Vai chegar a sua vez de provar do bom e do melhor. Enquanto isso, vai lambendo este mingau. Considerando que nossa concentração de riqueza é uma das mais altas do mundo, percebe-se o tipo de resultado que dá essa fórmula. Além do mais, salário mínimo não é programa de distribuição de renda, é uma remuneração mínima – e insuficiente – por um trabalho. Não é caridade e sim uma garantia institucional de um mínimo de pudor por parte dos empregadores e do governo. O melhor de tudo é o tom professoral de “A população tem que entender”, como se o especialista que disse isso fosse um ser iluminado dirigindo-se para o povo, bruto e rude, para explicar que aquilo que eles sentem não é fome. Mas sim sua contribuição com a geração de um superávit primário para que sejam honrados os compromissos internacionais do país.
Por fim, neste Primeiro de Janeiro desejo que você trabalhe menos em 2013. Bem menos. Que não caia na conserva fiada de comerciais de TV que mostram pais e mães sorridentes porque agora podem trabalhar de casa devido à tecnologia, como se aquilo não gerasse – muitas vezes – tempo de serviço não computado e não remunerado. Como se o saudável e necessário momento do descanso físico e intelectual se fizesse obsoleto, de repente, com o advento do e-mail e do wi-fi. Todos estão conectados o tempo todo e, com isso, podem ser acionados a qualquer momento. E produzir a qualquer instante. Sem, necessariamente, com mais felicidade.
Aliás, é engraçado como o serviço associado ao espaço da casa não é, muitas vezes, visto como trabalho e sim como prazer ou obrigação privada. Isso tem o mesmo DNA do preconceito contra o serviço doméstico, considerado subtrabalho pela sociedade brasileira, que garante às empregadas ou às donas de casa menos direitos que as outras categorias.
Adoraria defender o saudável direito ao ócio criativo, quase como uma espécie de autocrítica deste workaholic que trabalha 24 por 7 e está escrevendo um texto pós-ressaca de Ano Novo. Mas estaria indo muito longe. Prefiro algo mais palpável, como a redução da jornada de trabalho semanal de 44 para 40 horas.
A última redução ocorreu há 25 anos, na Constituição de 1988, quando caiu de 48 para 44 horas semanais. Aos catastrofistas de plantão: saibam que o Dieese (novamente ele) calculou que uma jornada de 40 horas com manutenção de salário aumentaria os custos de produção em apenas 1,99%. O aumento na qualidade de vida do trabalhador, por outro lado, seria muito maior: mais tempo com a família, mais tempo para o lazer e o descanso, mais tempo para formação pessoal. Há uma proposta de emenda constitucional que propõe essa mudança e também aumenta de 50% para 75% o valor a ser acrescido na remuneração das horas extras. Ou seja, tem que trabalhar mais? Que se pague bem por isso. De casa ou do escritório.
Outros vão dizer: mas boa parte das empresas já opera com o chamado oito horas por dia, cinco dias por semana. Mas não todas. Principalmente em atividades rurais.
Com o progresso tecnológico, uma quantidade sempre crescente de meios de produção pode ser acionada por uma quantidade relativa cada vez menor de força de trabalho. Como consequência, um número maior de mercadorias pode ser produzida com uma quantidade menor de horas de esforço humano. Em muitos países, a redução da quantidade de horas trabalhadas com a manutenção do salário é uma tendência. Mas por aqui ainda assusta muita gente.
Na crise de 2008, os balanços econômicos de muitas grandes empresas mostravam que não havia necessidade de se aplicar um remédio tão amargo quanto a redução de jornada com redução de salário, uma vez que várias delas havia ganhado muito nos anos anteriores. Mesmo assim, tentaram mostrar a necessidade desse amargor. Algumas queriam simplesmente embolsar a diferença do ganho de produtividade. E que se danasse o trabalhador. O “pibinho” de 2012 desencadeou abriu a possibilidade retórica para muita gente de fé duvidosa aplicar novamente o “remédio”. E assim vamos caminhando para trás.
É difícil celebrar o Ano Novo quando não se tem tempo para isso. Muito menos dinheiro.
*GilsonSampaio

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