Donos da EPTV controlam usina que tenta despejar assentamento Milton Santos
Via Repórter Brasil
Proprietários
da Usina Ester, que tenta na Justiça expulsar 68 famílias de área
considerada modelo em agroecologia, são donos da afiliada da Rede Globo
em Campinas
Guilherme Zocchio
Antônio
Carlos Coutinho Nogueira e José Bonifácio Coutinho Nogueira Filho,
donos da EPTV, afiliada da Rede Globo em Campinas, estão a frente da
Usina Ester, que conseguiu na Justiça Federal reintegração de posse da
área em que fica o Assentamento Milton Santos, em Americana, no interior
de São Paulo. Com a decisão, 68 famílias estão ameaçadas de despejo no
próximo dia 30. A área é considerada modelo em técnicas de agroecologia e na produção de alimentos sem veneno. A Repórter Brasil
tentou contato com ambos para obter uma posição sobre a situação por
meio da assessoria de imprensa da Usina Ester e da rede EPTV, mas não
obteve retorno. A assessoria da Usina limitou-se a informar que “aguarda
o cumprimento da decisão judicial”.
Além dos
dois empresários, representantes do grupo Abdalla também têm interesse
no processo. Foram eles que arrendaram o terreno para a Usina Ester e
que hoje alegam serem os legítimos proprietários da área. Ninguém ligado
ao grupo, que foi um dos mais poderosos do estado até a década de 1980,
foi encontrado para comentar o caso.
Horta no assentamento Milton Santos, que é referência em agroecologia e produz verduras, frutas e raízes (Foto: Eduardo Kimpara / Flickr (CC))
Nos balanços financeiros da Usina Ester disponíveis para download no site da empresa,
Antônio Carlos Coutinho Nogueira figura como presidente da companhia, e
José Bonifácio Coutinho Nogueira Filho, seu irmão, como acionista e
membro do conselho administrativo, ao lado de outros parentes. Eles
detêm a concessão de 5 veículos —duas estações de rádios e três canais
de televisão, quatro em São Paulo e um em Minas Gerais—, segundo
informações do site “Os Donos da Mídia”, que reúne informações sobre os principais proprietários de canais de mídia do país (veja o perfil de Antônio Carlos e de José Bonifácio na página do projeto).
Os irmãos José e Antônio, concessionários de mídia
e acionistas da Usina Ester (Foto: Divulgação)
Ambos são filhos de José Bonifácio Coutinho Nogueira, ex-diretor da TV Cultura que fundou em 1979
o grupo das Emissoras Pioneiras de Televisão (EPTV), conjunto de
retransmissoras da Rede Globo de Televisão no interior de São Paulo.
Além das atividades como empresário no setor de comunicações, o fundador
da EPTV também acumulou cargos e esteve próximo de figuras
significativas da política brasileira. Foi secretário de Agricultura do
Estado de São Paulo, no governo de Carvalho Pinto (1959-1963), e
secretário de Educação durante a gestão do governador biônico Paulo
Egydio Martins (1975-1979).
A concentração de
meios de comunicação nas mãos de políticos ou grandes grupos
empresariais é um fenômeno recorrente no Brasil, de acordo com Pedro
Ekman, membro de entidade da sociedade civil que estuda e trabalha sobre
o direito à comunicação no país, o coletivo Intervozes.
Ele explica que, como as concessões de rádio e televisão levam em conta
muito mais um critério econômico do que social, isso tende a concentrar
os meios de mídia nas mãos de poucos grupos ou pessoas com maior poder
aquisitivo.
“A falta de uma política de
redistribuição entre mais atores públicos e privados, de diferentes
estratos sociais, acaba gerando essa coincidência entre proprietários de
terras e concessionários de meios de comunicação”, avalia.
Família Abdalla A confusão jurídica que ameaça as famílias hoje está relacionada ao histórico do "Sítio Boa Vista", como é conhecida a propriedade. A Usina Ester alega ter direito sobre a área por ter arrendado o terreno do grupo Abdalla, fundado pelo empresário José João Abdalla —que respondeu em vida a mais de 500 processos judiciais, segundo levantamento disponível no Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Entre os processos está o movido pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) em 1976, que conseguiu o terreno como garantia de pagamento de dívidas trabalhistas.
Do
INSS a área foi repassada ao Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), onde, em 2006, as 68 famílias de camponeses
foram assentadas. O terreno estava ocupado pela plantação de cana de
açúcar da Usina Ester, mas, na Justiça Federal, o órgão conseguiu em
dezembro de 2005 garantir a implantação do projeto de agroecologia, hoje
tido como modelo no interior de São Paulo. A decisão foi revertida no
final do ano passado, quando, por meio de outro processo, a Usina Ester e
o Grupo Abdalla alegam ter quitado as dívidas que resultaram na
desapropriação e readqurido o terreno.
O grupo
Abdalla figurou durante mais de 50 anos como um dos mais poderosos
conglomerados econômicos do Estado de São Paulo. Constituído a partir
dos anos 1920 pelo empresário José João, o empreendimento manteve
negócios com empresas que iam desde o ramo têxtil até bancos, na área
financeira, ou outros investimentos rurais ou industriais. Seu fundador
também teve carreira política, pela qual passou nos cargos de vereador,
deputado estadual e federal e secretário do Trabalho, Indústria e
Comércio de São Paulo, na gestão do governador Ademar de Barros
(1947-1951).
Cercados por veneno
Visto por imagens de satélite, o Assentamento Milton Santos aparece cercado por extensas plantações de cana de açúcar. Maria de Fátima da Silva, moradora da área e dirigente estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), diz que o uso recorrente de veneno pela Usina Ester prejudica até hoje a lavoura dos produtores do assentamento. “O uso de agrotóxicos na região é um dos maiores conflitos”, aponta.
Visto por imagens de satélite, o Assentamento Milton Santos aparece cercado por extensas plantações de cana de açúcar. Maria de Fátima da Silva, moradora da área e dirigente estadual do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), diz que o uso recorrente de veneno pela Usina Ester prejudica até hoje a lavoura dos produtores do assentamento. “O uso de agrotóxicos na região é um dos maiores conflitos”, aponta.
Terreno
onde está o assentamento Milton Santos (em roxo) está cercado pela
produção de cana de açúcar da Usina Ester S/A (Fonte: Wikimapia)
Diante
da possibilidade de despejo, as famílias têm realizado mobilizações e
defendido que a presidência da República decrete a desapropriação da
área — medida que, na avaliação dos assentados, pode reverter a
reintegração de posse determinada pela Justiça Federal. No último dia
15, terça-feira, manifestantes ocuparam a sede do INCRA em São Paulo
(SP) para pressionar o governo federal. Outros deram início nesta semana
a uma greve de fome em frente ao escritório da Secretaria da
Presidência da República em São Paulo (SP), que fica na região da
Avenida Paulista. Na quarta-feira, 23, outro grupo de assentados ocupou a
sede do Instituto Lula, no bairro do Ipiranga, também em São Paulo
(SP).
Segundo manifesto redigido por
agricultores do assentamento, Lula foi o “presidente da República que,
em 2006, assinou a concessão do terreno do Assentamento Milton Santos
para fins de reforma agrária”. Eles pedem que o ex-presidente interceda
junto a Dilma Rousseff (PT), para que ela assine o decrete de
desapropriação da área e reverta a situação judicial em favor do
assentamento. O manifesto pode ser lido na íntegra aqui.
*GilsonSampaio
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