A história real por trás de Argo
Você só entende a Revolução Iraniana se conhecer o golpe promovido por americanos e ingleses
Argo, de Ben Affleck, foi um dos grandes destaques do Globo de Ouro.
Para surpresa geral, o filme levou o prêmio de melhor drama. Affleck foi
escolhido o diretor do ano.
O filme descreve o empenho de agentes da CIA para retirar americanos
de Teerã no curso da Revolução Iraniana de 1979. O movimento varreu a
ditadura do xá Reza Pahlevi, marionete ocidental, e instalou uma
república islâmica, chefiada pelo aiatolá Khomeini. Khomeini logo
declarou que os americanos eram o “grande satã” do mundo.
Por quê?
A notoriedade de Argo é uma boa oportunidade para discutir o caso.
Você tem que recuar um pouco mais para entender a crise Estados
Unidos-Irã. Para 1953, quando o Irã experimentava uma democracia secular
sob um líder popular, Mohammed Mossadegh. O Irã enfim se livrara de um
regime manipulado pelo Ocidente, e Mossadegh acabaria virando
primeiro-ministro. Ele tinha as credenciais necessárias: era um político
íntegro, prático, honesto, competente e comprometido com os interesses
do povo. Mossadegh de fundamentalista nada tinha. Chegou ao poder
democraticamente, e era respeitado e admirado pelos iranianos.
Eram tempos particularmente complexos na geopolítica, o início da
Guerra Fria que opunha Estados Unidos e União Soviética e ameaçava a
humanidade de extinção, dadas as armas de cada parte.
Mossadegh nacionalizou a Anglo-Persian Oil Company (atual British
Petroleum, ou BP), controlada pelos ingleses desde o início do século
XX. Uma tentativa de renegociar o contrato original e dividir os lucros
meio a meio fracassou. Mossadegh entendia que era hora de os recursos
naturais do Irã, a começar pelo petróleo, serem usados para reduzir a
pobreza enorme dos iranianos. Os iranianos vibraram com a
nacionalização.
Os ingleses nem tanto. Um líder britânico de então – o ministro das
relações exteriores, Ernst Bevin — comentou candidamente que, sem o
petróleo do Irã seria impossível alcançar o padrão de vida a que
“aspiramos” para os ingleses.
A solução era derrubar Mossadegh. Os ingleses convenceram os
americanos de que o Irã sob Mossadegh poderia passar para a órbita
soviética. Mossadegh, educado na França, não tinha simpatia nenhuma pelo
socialismo. Mas isso não importava muito, ou nada, na realidade. A
questão era o petróleo.
Os Estados Unidos entenderam que era importante, para seus
interesses, derrubar a jovem democracia iraniana. A tarefa de minar
Mossadegh foi entregue à CIA. Surgiria a Operação Ajax, cujos pormenores
estão registrados em documentos da CIA que depois do número protocolar de anos deixaram de ser considerados confidenciais e estão abertos ao público.
Mossadegh acabaria derrubado em 1953. Foi restalecida, pelos Estados
Unidos e pela Inglaterra, a dinastia Pahlevi, extremamente impopular
entre os iranianos pela subserviência ao Ocidente e pela ganância
ilimitada com que enriquecera ostensivamente no poder enquanto o povo
arrastava sua miséria sem esperanças.
O modelo vitorioso da Operação Ajax seria usado muitas vezes depois
pela CIA. Logo em 1954, na Guatemala. Em 1973, no Chile. As digitais da
CIA apareceriam, menos nítidas mas igualmente marcantes, no golpe
militar que derrubou o presidente João Goulart, no Brasil, em 1964.
Os iranianos foram obrigados a suportar o clã Pahlevi por 26 anos. Em
1979, mais ou menos como ocorreu agora em país como Tunísia e Egito, o
povo disse basta. Pahlevi encontrou abrigo nos Estados Unidos. A
embaixada americana em Teerã foi invadida por estudantes iranianos que
mantiveram as pessoas ali retidas por 444 dias. Havia um simbolismo
nisso. A Operação Ajax fora tramada exatamente ali.
Esse o contexto de Argo.
Alguns historiadores, vistas as coisas em retrospectiva, consideram
que o preço pago pela Operação Ajax acabaria se tornando
extraordinariamente caro para os Estados Unidos. A desastrosa presença
americana no Oriente Média – um horror para invadidos e invasores –
conheceu na Operação Ajax um marco de consequências piores do que
qualquer previsão pessimista que se fizesse então.
Teria sido melhor para os Estados Unidos recusar o convite inglês
para minar Mossadegh, mas o fato é que a resposta, depois de uma breve
relutância, foi sim.
Paulo Nogueira no DCM
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