Marta rechaça elitismo
Por Altamiro Borges
Na quinta-feira passada (10), a Folha publicou um editorial raivoso
contra o chamado “Vale-Cultura”, rotulado de “vale-populismo” já no
título, e abusou dos adjetivos para desqualificar a ministra Marta
Suplicy. Na visão elitista do jornal, a nova lei “é mais um exemplo do
uso equivocado de dinheiro público na área cultural do país”. A Folha
prefere que a grana dos impostos seja usada somente para bancar os juros
dos rentistas. Ela também adora os milhões de reais que recebe de
publicidade do governo – que só serve para alimentar cobras!
Pela nova lei, trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos
poderão receber o “Vale-Cultura” de R$ 50 mensais. Desse valor, R$ 45
serão subsidiados pelo governo por meio de renúncia fiscal. “Estima-se
que serão beneficiados 10 milhões de assalariados”, diz a Folha, para
torpedear: “O argumento fácil da ‘democratização da cultura’ sempre pode
ser esgrimido para justificar o espetáculo populista. Mas parece óbvio
que essa não é a melhor estratégia para empregar tais verbas públicas”.
O editorial elitista da Folha, que inclusive afirmou preconceituosamente
que o dinheiro seria usado para “livros de autoajuda”, deve ter gerado
chiadeira dos seus leitores – pelo menos da parcela que ainda tem senso
crítico. Tanto que hoje o jornal abriu espaço para a ministra da
Cultura, Marta Suplicy, defender o projeto. Reproduzo a resposta na
íntegra:
*****
"A gente não quer só comida"
A Folha publicou editorial ("Vale-populismo", 10/1) crítico do
Vale-Cultura (VC). Chama de "populismo" e promoção pessoal e eleitoreira
projeto de lei que buscava aprovação desde 2009. Com a regulamentação
do VC, empresas poderão passar R$ 50 a seus funcionários que recebam
prioritariamente até cinco salários mínimos (R$ 3.390) para gastarem em
cultura.
O Brasil nos últimos anos, com Lula e agora Dilma, tem dado passos
gigantescos para acabar com a miséria. Não preciso citar os números dos
que hoje comem nem dos que hoje entraram na classe média. O Bolsa
Família, trucidado pela oposição, hoje é comprovadamente um instrumento
de erradicação da pobreza.
O Vale-Cultura pode, sim, ser o "alimento da alma". Por que não? Pela
primeira vez o trabalhador terá um dinheiro que poderá gastar no consumo
cultural: sejam livros, cinema, DVDs, teatro, museus, shows,
revistas...
Lembro que, quando fizemos os CEUs (Centro Educacional Unificado), na
pesquisa (2004) realizada no primeiro deles, na zona leste, 100% dos
entrevistados nunca tinham entrado num teatro e 86%, num cinema. Quando
Denise Stoklos fez seu espetáculo de mímica, a plateia se remexia
inquieta até entender a linguagem e não se ouvir uma mosca no teatro,
fascinado.
*Ajusticeiradeesquerda
Fomento ao teatro, aquisição de conhecimento e bagagem cultural! Não foi
à toa que Fernanda Montenegro ficou pasma com a plateia dos CEUs. Essas
pessoas, se tiverem criado gosto, finalmente poderão usufruir e
escolher mais do que hoje podem.
E os que não têm CEU têm televisão e conhecem o que é oferecido para
determinado público. Sabem também o que aparece no bairro. E sabem que
não podem ir.
Existe toda uma multidão de brasileiros (17 milhões) que hoje ganha até
cinco salários mínimos (R$ 3.390) que potencialmente poderão, além de
comer, alimentar o espírito. Este é um projeto de lei que toca duas
pontas: o cidadão que vai consumir e o produtor cultural que terá mais
público para sua oferta.
Quando chegarmos nesse potencial, serão R$ 7 bilhões injetados na cultura. Nossa previsão é atingir R$ 500 milhões neste ano.
Em 2008, o Ibope realizou pesquisa sobre indicadores de cultura no
Brasil e mostrou que a grande maioria da população está alijada do
consumo dos produtos culturais: 87% não frequentavam cinemas, 92% nunca
foram a um museu; 90% dos municípios do país não tinham sala de cinema e
78% nunca assistiram a um espetáculo de dança.
Segundo a Folha, estaremos incentivando blockbusters e livros de
autoajuda. Visão elitista. Cada um tem direito de consumir o que lhe
agrada. Não esqueço quando, visitando um telecentro, fiquei indignada
que a maioria dos jovens estava nos chats de um reality show. Fui
advertida pela gestora: "Esse é um instrumento que eles estão aprendendo
a usar. Depois, poderão voar para outros interesses. Ou não".
Não custa lembrar que a fome pelo acesso à cultura é enorme, o que ficou
evidente nas filas quilométricas na mostra sobre impressionistas quando
apresentada gratuitamente pelo Banco do Brasil.
O que a Folha também menosprezou é a enorme alavanca que o VC pode
representar e desencadear na economia. A cadeia produtiva da cultura é o
investimento de maior rentabilidade a curto prazo. Para uma peça de
teatro, você vai desde os artistas, ao carpinteiro, cenógrafo,
vestuário, iluminador...
Quanto ao recurso ir para formação e atividades de menor sustentação
comercial, citadas como prioritários pela Folha, os editais do
ministério, os Pontos de Cultura, têm exatamente essa preocupação, assim
como os CEUs das Artes e Esporte que são, no momento, 124 em construção
no país.
"A gente quer comida, diversão e arte." (Titãs)
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