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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

quarta-feira, abril 03, 2013

"Fascismo cristão" ganha força nos EUA



 Dezenas de milhões de cidadãos estadunidenses, reunidos em um movimento difuso e rebelde conhecido como a direita cristã, começam a desmantelar o rigor científico e intelectual do Iluminismo.

Eles estão a criar um Estado teocrático, baseado na lei bíblica, e buscam aniquilar a todos aqueles que definem como inimigos. Esse movimento, que vai cada vez mais se aproximando ao fascismo tradicional, procura forçar um mundo recalcitrante à submissão ante uma América imperial. Ele defende a erradicação dos “desviantes sociais”, a começar pelos homossexuais, e avança sobre os imigrantes, os humanistas seculares, feministas, judeus, muçulmanos e aqueles que rejeitam como "cristãos nominais", como são denominados os fiéis que não aceitam a sua interpretação pervertida e herética da Bíblia. Os que se opõem a este movimento de massas são condenados por constituírem uma ameaça à saúde e higiene do país e da família. Todos devem ser expurgados.
Os seguidores das religiões desviantes, do judaísmo ao islamismo, deverão ser convertidos ou reprimidos. Os meios de comunicação desviantes, as escolas públicas desviantes, a desviante indústria do entretenimento, os desviantes governos e judiciários seculares e humanistas e as igrejas desviantes serão enquadradas, ou fechadas. Haverá uma promoção implacável de "valores cristãos", que já ocorre nas cadeias de rádios e televisões cristãs e nas escolas cristãs, com informações e fatos sendo substituídos por formas abertas de doutrinação. A marcha em direção a essa terrível distopia já começou. Isso está acontecendo nas ruas do Arizona, nos canais de notícias a cabo, nos comícios do Tea Party, nas escolas públicas texanas, entre membros de milícias e no interior de um Partido Republicano que está sendo açambarcado por estes lunáticos.Elizabeth Dilling, que escreveu "The Red Network" (A Rede Vermelha) e foi simpatizante do nazismo, é leitura recomendada por apresentadores de TV trash-talk como Glenn Beck. Thomas Jefferson, que favoreceu a separação entre igreja e estado, é ignorado nas escolas cristãs e em breve será ignorado nos livros das escolas públicas do Texas. A direita cristã passou a saudar a contribuição "significativa" da Confederação sulista [que reunia os estados separatistas durante a Guerra Civil]. O senador Joseph McCarthy, que comandou a caça às bruxas anticomunista na década de 1950, foi reabilitado, e o conflito entre Israel e a Palestina é definido como parte da luta mundial contra o terror islâmico. Leis semelhantes às recém-aprovadas Jim Crow [conjunto de leis que definiam a segregação racial nos EUA] do Arizona estão em discussão em 17 outros estados do país.

A ascensão do fascismo cristão, que temos ignorado por nossa conta e risco, é alimentada por uma classe dirigente liberal[1] ineficaz e falida, que tem se mostrado incapaz de reverter o desemprego crescente, proteger-nos dos especuladores da Wall Street, ou salvar a nossa desafortunada classe trabalhadora das retomadas de casas hipotecadas, da falência pessoal e da miséria. A classe dirigente revelou-se inútil na luta contra o maior desastre ambiental da nossa história, incapaz de encerrar caras e inúteis guerras imperiais ou de parar a pilhagem do país por suas empresas. A covardia dessa classe dirigente e os valores que ela representa acabaram por se tornar injuriados e odiados.

Os democratas se recusaram a revogar as graves violações ao direito internacional e nacional transformadas em lei pela administração Bush. Isto significa que, quando o fascismo cristão ascender ao poder, terá à disposição as ferramentas legais para espionar, capturar, negar habeas corpus e torturar ou assassinar cidadãos estadunidenses, como faz o governo Obama.

As pessoas que vivem no mundo real muitas vezes imaginam que essa massa de descontentes é constituída por bufões e imbecis. Eles não levam a sério aqueles que, como Beck, cultivam seus desejos primitivos de vingança, nova glória e de renovação moral. Os críticos do movimento continuam a empregar as ferramentas da razão, da pesquisa e dos fatos para contestar os absurdos propagados pelos criacionistas, que crêem que boiarão pelados no céu quando Jesus retornar à Terra. O pensamento mágico, a interpretação flagrantemente distorcida da Bíblia, as contradições abundantes em seu conjunto de crenças e a pseudociência ridícula são, no entanto, impermeáveis à razão. Não podemos convencer aqueles que se engajam nesse movimento a despertar. Nós é que estamos a dormir.

Aqueles que abraçam este movimento veem a vida como uma batalha épica contra as forças do mal e do satanismo. O mundo é em preto-e-branco. Eles precisam ver-se, mesmo que imaginariamente, como vítimas cercadas por bandos sombrios e sinistros empenhados na sua destruição. Eles precisam crer que conhecem a vontade de Deus e podem cumpri-la, principalmente através da violência. Eles precisam santificar sua raiva, uma raiva que está no cerne da ideologia. Eles buscam a dominação cultural e política total. Eles estão usando o espaço que a sociedade lhes oferece para destruí-la. Estes movimentos trabalham dentro das regras estritas do Estado secular porque não têm escolha. A intolerância que promovem é suavizada em público por seus operadores mais sagazes. Uma vez que reúnam energia suficiente, e eles estão a trabalhar duramente para obtê-la, tal cooperação desaparecerá. Em seus templos, fica evidente a ideia de construção de uma nação cristã baseada em controle total sobre os indivíduos e na recusa a permitir que qualquer dissidência se manifeste explicitamente. Estes pastores criaram, dentro de suas igrejas, pequenos feudos despóticos, e buscam replicar essas pequenas tiranias em uma escala maior.

Muitas dessas dezenas de milhões de pessoas que hoje se encontram na direita cristã vivem no limite da pobreza. A Bíblia, interpretada por pastores cuja conexão direta com Deus os coloca à prova de questionamentos, é o seu manual para a vida diária. A rigidez e simplicidade de suas crenças são armas potentes na luta contra seus próprios demônios e no combate diário pela sobrevivência. O mundo real, no qual Satanás, os milagres, o destino, os anjos e a magia não existem, golpeia-os como a troncos de árvore em um rio. Leva seus empregos e destroi o seu futuro. Este mundo apodreceu as suas comunidades e inundou as suas vidas com álcool, drogas, violência física, privação e desespero. E então eles descobriram que Deus tem um plano para eles. Deus vai salvá-los. Deus intervirá em suas vidas para promovê-los e protegê-los. A distância emocional que separa o mundo real do mundo da fantasia cristã é imensa. E as forças seculares e racionais, aquelas que falam a língua dos fatos e dados, são odiadas e temidas, em última instância, porque puxam os fiéis de volta para a “cultura da morte” que quase os destruiu.

Há contradições selvagens neste sistema de crenças. A independência pessoal é exaltada ao lado de uma subserviência abjeta aos líderes que afirmam falar por Deus. O movimento diz que defende a santidade de vida e defende a pena de morte, o militarismo, a “guerra justa” e o genocídio. Ele fala de amor e promove o medo da condenação e o ódio. Há uma dissonância cognitiva aterrorizante em cada palavra que proferem.

O movimento é, para muitos, um salva-vidas emocional. É tudo o que os une. Mas a ideologia, que rege e ordena suas vidas, é impiedosa. Aqueles que dela se desviam, como "apóstatas" que deixam as organizações da igreja, são marcados como heréticos e submetidos a pequenas inquisições, que surgem como conseqüência natural de movimentos messiânicos. Se o fascismo cristão vier a conquistar os poderes republicanos, as pequenas inquisições pouco a pouco se tornarão grandes.

O culto da masculinidade permeia o movimento. Os crentes são levados a pensar que o feminismo e homossexualidade tornaram o homem estadunidense física e espiritualmente impotente. Jesus, para a direita cristã, é um vigoroso homem de ação, que expulsa demônios, luta contra o Anticristo, ataca hipócritas e castiga os corruptos. Este culto da masculinidade, com sua glorificação da violência, é profundamente atraente para aqueles que se sentem impotentes e humilhados. Ele transmite a raiva que levou muitas pessoas para os braços do movimento. Ele os incita a chicotear aqueles que, dizem, procuram destruí-los. A paranóia sobre o mundo exterior é alimentada através de bizarras teorias da conspiração, muitas delas defendidas em livros como o de Pat Robertson, “The New World Order", uma tirada xenófoba que inclui ataques contra os liberais e as instituições democráticas.

A obsessão com a violência permeia os romances populares como o escrito por Tim LaHaye e Jerry B. Jenkins. Em seu apocalíptico “Glorious Appearing” (Glorioso Aparecimento) , baseado na interpretação própria de LaHaye das profecias bíblicas sobre o Segundo Advento, Cristo volta e estripa a carne de milhões de não-crentes com o som de sua voz. Há descrições longas de horror e sangue, de como “as palavras do Senhor haviam superaquecido seu sangue, fazendo com que estourassem suas veias e pele. Olhos se desintegraram. Línguas derreteram. A carne se dissolveu.” A série Left Behind (Deixados para Trás), à qual pertence este romance, é a mais vendida para adultos no país.

A violência deve ser usada para purificar o mundo. Os fascistas cristãos são chamados a um permanente estado de guerra. “Qualquer ensinamento de paz antes do retorno [de Cristo] é uma heresia...” diz o televangelista James Robinson.

Os desastres naturais, ataques terroristas, a instabilidade em Israel e até mesmo as guerras no Iraque e no Afeganistão são vistos como indícios gloriosos. Os fiéis insistem que a guerra no Iraque está prevista no nono capítulo do Apocalipse, onde quatro anjos “que estão presos no grande rio Eufrates serão libertados, para matar a terça parte dos homens.” A marcha é inevitável e irreversível e exige que todos estejam prontos para lutar, matar e talvez morrer. A guerra mundial, até mesmo nuclear, não é para ser temida, mas sim celebrada como precursora do Segundo Advento. À frente dos exércitos vingadores virá um bravo e violento Messias que condenará centenas de milhões de apóstatas a uma morte terrível e horripilante.

A direita cristã, enquanto abraça o primitivismo, procura legitimar suas mitologias absurdas nos marcos do direito e da ciência. Seus membros o fazem, a despeito de suas idéias retrógradas, porque se constituem em movimento totalitário distintamente moderno. Eles tratam de cooptar os pilares do Iluminismo, a fim de aboli-lo. O criacionismo, ou o “projeto inteligente”, assim como a eugenia para os nazistas ou a “ciência” soviética de Stalin, deve ser introduzido no mainstream como uma disciplina científica válida – daí, portanto, a reescrita dos livros didáticos. A direita cristã defende-se no jargão jurídico-científico da modernidade. Fatos e opiniões, a partir do momento em que são utilizados “cientificamente” para apoiar o irracional, tornam-se intercambiáveis. A realidade não é mais baseada na coleta de fatos e provas, e sim, baseada em ideologia. Fatos são alterados. Mentiras se tornam verdades. Hannah Arendt chamou a isso “relativismo niilista”, embora uma definição mais adequada pudesse ser “insanidade coletiva”.

A direita cristã tem, assim, o seu próprio corpo de “cientistas” criacionistas que usam a linguagem da ciência para promover a anticiência. Ela lutou, com sucesso, para ter seus livros criacionistas vendidos em livrarias como a do parque nacional do Grand Canyon e ensinados nas escolas públicas de estados como Texas, Louisiana e Arkansas. O criacionismo molda a visão de centenas de milhares de estudantes nas escolas e faculdades cristãs. Esta pseudociência alega ter provado que todas as espécies animais, ou pelo menos seus progenitores, couberam na arca de Noé. Contesta as pesquisas sobre a AIDS e a prevenção da gravidez. Ela corrompe e desacredita as disciplinas de biologia, astronomia, geologia, paleontologia e física.

No momento em que os criacionistas podem argumentar em pé de igualdade com geólogos, afirmando que o Grand Canyon não foi criado há 6.000.000.000 de anos, e sim há 6.000 pela grande enchente que ergueu a arca de Noé, estamos perdidos. A aceitação da mitologia como uma alternativa legítima à realidade é um duro golpe para o Estado racional e secular. A destruição dos sistemas de crença racional e empiricamente fundamentados é essencial para a criação de todas as ideologias totalitárias. A certeza, para aqueles que não podem lidar com as incertezas da vida, é um dos apelos mais poderosos do movimento. A desapaixonada curiosidade intelectual, com suas correções constantes e sua eterna procura de provas, é uma ameaça às certezas. Por isso, a incerteza deve ser abolida.

“O que convence as massas não são fatos”, Arendt escreveu nas “Origens do Totalitarismo”, “nem sequer a invenção dos mesmos, mas apenas a coerência do sistema de que presumivelmente fazem parte. A repetição, com sua importância um pouco exagerada devido à crença difundida na capacidade inferior das massas de compreender e lembrar, é importante porque as convence de que há uma consistência ao longo do tempo”.

Santo Agostinho definiu a graça do amor como Volo ut sis – Desejo que sejas. Há – escreveu – uma afirmação do mistério do outro nas relações baseadas no amor, uma afirmação de diferenças inexplicáveis e insondáveis. As relações baseadas no amor reconhecem que os outros têm o direito à existência. Essas relações aceitam a sacralidade da diferença. Esta aceitação significa que nenhum indivíduo ou sistema de crenças apreende ou defende uma verdade absoluta. Todos se esforçam, cada um à sua maneira, uns fora dos sistemas religiosos e outros dentro deles, para interpretar o mistério e a transcendência.

A sacralidade do outro é um anátema para os cristãos de direita, que não reconhecem a legitimidade de outras formas de ser e de pensar. Caso se reconheça que outros sistemas de crenças, inclusive o ateísmo, têm uma validade moral, a infalibilidade da doutrina do movimento, que constitui o seu principal apelo, é destruída. Não pode haver formas alternativas de pensar ou de ser. Todas as alternativas devem ser esmagadas.

Debates teológicos, ideológicos e políticos são inúteis com a direita cristã. Ela não responde a um diálogo. É impermeável ao pensamento racional e à discussão. As tentativas ingênuas de aplacar um movimento voltado à nossa destruição, através de provas de que nós, também, temos "valores", só reforça a sua legitimidade e a nossa própria fraqueza. Se não temos o direito de ser, se nossa existência não é legítima aos olhos de Deus, não pode haver diálogo. A esta altura, trata-se de uma luta pela sobrevivência.

As pessoas arregimentadas para o fascismo cristão lutam desesperadamente para sobreviver em um ambiente cada vez mais hostil aos seus olhos. Nós falhamos e estamos em dívida para com eles e não o contrário: esta é sua resposta. As perdas financeiras, o enfrentamento da violência doméstica e sexual, a luta contra os vícios, a pobreza e o desespero que muitas delas têm de suportar são trágicas, dolorosas e reais. Elas têm direito à sua raiva e alienação. Mas elas também estão sendo usadas e manipuladas por forças que buscam desmantelar o que resta da nossa democracia e eliminar o pluralismo que um dia foi um marco da nossa sociedade.

A faísca que poderá atear as chamas deste movimento pode estar adormecida nas mãos de uma pequena célula terrorista islâmica. Pode estar nas mãos de gananciosos especuladores de Wall Street que jogam com dinheiro do contribuinte no elaborado sistema global do capitalismo de cassino. O próximo ataque catastrófico, ou o colapso econômico seguinte, podem ser o nosso incêndio do Reichstag[2]. Pode vir a ser a desculpa empregada por essas forças totalitárias, este fascismo cristão, para extinguir o que resta da nossa sociedade aberta.

Não nos deixemos ficar humildemente aos portões da cidade, esperando que os bárbaros apareçam. Eles já estão chegando. Eles estão indo tranquilamente para sua Belém. Deitemos fora nossa complacência e nosso cinismo. Desafiemos abertamente o establishment liberal, que não irá nos salvar, para exigir e lutar por reparações econômicas para a nossa classe trabalhadora. Vamos reintegrar esses despossuídos em nossa economia. Vamos dar-lhes uma esperança real para o futuro. O tempo está se esgotando. Se não agirmos, os fascistas estadunidenses, empunhando cruzes cristãs, agitando bandeiras nacionais e orquestrando corais do Juramento à Bandeira[3], usarão essa raiva para nos destruir a todos.

Chris Hedges é formado na escola teológica de Harvard e foi, por quase vinte anos, correspondente estrangeiro para o New York Times. É autor de vários livros, entre estes War Is A Force That Gives Us Meaning, What Every Person Should Know About War, e American Fascists: The Christian Right and the War on America. Seu livro mais recente é Empire of Illusion: The End of Literacy and the Triumph of Spectacle.

Notas:

[1] Nos EUA, o termo “liberal” corresponde à definição dada, aqui, a “social-democrata”.
[2] Episódio que precipitou a ascensão de Hitler ao poder na Alemanha.
[3] Em inglês, Pledge of Allegiance. Trata-se da cerimônia de juramento de fidelidade ao país e à bandeira dos EUA.

Regulamentação da mídia: o PT quer, a Dilma quer. Quando na política real a vontade política não basta


por Paulo Jonas de Lima Piva


Não é fácil governar. Criticar quem governa, por ouro lado, é muito, mas muito fácil. A esquerda sabe disso. Criticar é seu oficio. Aliás, qualquer um é capaz de criticar. Uns com mais inteligência, outros com menos. E nem sempre quem critica com mais inteligência é o mais lúcido e sensato em suas críticas. Qualquer um tem solução para todos os problemas políticos, econômicos e sociais. Acham que vencer uma eleição, chegar a um prefeitura ou a uma presidência da república é sinônimo de adquirir poderes absolutos. É prefeito, pode tudo. Se não faz é porque não quer. Simples assim.
Muitos partidos que se dizem de esquerda, mesmo na prática funcionando como cabos eleitorais da pior direita, nunca foram governo de fato, nunca pegaram um rojão de um executivo na mão. Por isso deliram como deliram, esbravejavam como esbravejam, arrogam como arrogam, teorizam como teorizam, pois o compromisso desses partidos não é com o real e com o simulacro, mas sim com o conceito, com o ideal, com a teoria, a fábula da utopia, enfim, com o paradigma .

Nossa visão de poder e de política é muito livresca, muito idealista, muito teórica, muito classe média universitária, muito alienada, a priori e moralista. Há um intelectualismo deslumbrado, embevecido e neopetencostal, que se crê onipotente, que se diz "dialético"(?!), mas que só sabe negar, dizer que tudo está uma bosta, que nada avançou, e fugir por meio de uma lógica formal para o mundo confortável das teorias e dos discursos de teletubies. Por isso acaba no sectarismo, como piada.

O PT quer sim a regulamentação da mídia. A militante de esquerda Dilma quer isso mais do que ninguém. Ninguém sofre mais com o jogo sujo do oligopólio das comunicações do que o seu governo. A democratização da mídia por meio da sua regulamentação é uma necessidade explícita, porém, para satisfazê-la, é preciso força política, muita força política, não só para enfrentar os setores poderosos que não a querem, mas para vencê-los. O fato é que, apesar de toda vontade política do PT e da presidenta, a regulamentação da mídia como projeto aprovado no Congresso é uma briga que o governo Dilma não tem munição para encarar. A bancada dos meios de comunicação é enorme, dá sustentação ao governo e brigar com ela pode representar uma crise na base governista, pois o que não falta é disposição dessa máfia para fazer dos seus noticiários campos de linchamento contra o PT e o governo federal caso seus interesses sejam feridos.

A Carta Capital e a blogosfera de esquerda estão fazendo o seu papel de pressionar o governo e o ministro Paulo Bernardo para declarar guerra à máfia midiática brasileira. Acontece que se o PT e  a esquerda tivessem uma bancada forte no Congresso, ou se as grandes massas organizadas das quais tanto fala a extrema esquerda estivessem lotando as ruas, a regulamentação, a essa altura, já estaria aprovada. Infelizmente, essa realidade ainda não existe. Confrontar, declarar guerra sem ter a capacidade de ganhá-la, é fanfarronice suicida. Em outras palavras, na política real, na política que acontece fora dos livros encantados e encantadores da Boitempo, não basta vontade política.

"Em nome da decência, exigimos uma retratação e um pedido de desculpas do Governo do Estado de SP" 

exige-se uma retratação 

Marcelo Rubens Paiva


Nesta semana, na cerimônia de entrega de parte dos arquivos do DOPS-SP digitalizados, o governador do Estado, Geraldo Alckmin, apareceu com o novo secretário particular, o advogado Ricardo Salles, que já disse coisas como “felizmente tivemos uma ditadura de direita no Brasil”.
Ele já concorreu duas vezes, a deputado federal e estadual, pelo PFL e depois pelo DEM, mas não conseguiu se eleger.
Minha colega do ESTADÃO, Júlia Duailibi, lembrou ontem no jornal: Salles é fundador do radical Instituto Endireita Brasil, que, na rede social, entre outras pérolas, como criticar o casamento gay e a Comissão da Verdade, já publicou que Dilma é uma terrorista. Segundo o analista Glauco Cortez: “Salles cuidará de toda a agenda do governador do estado mais rico do País. Aparentemente uma função burocrática, mas o fato é que, com essa nomeação, o político tucano instala, dentro do Palácio dos Bandeirantes, um movimento que exala obscurantismo.”
Mas a declaração mais chocando embrulha o estômago de muitas famílias vítimas da Ditadura, como a minha.
Segundo o assessor do governador de SP: “Não vamos ver generais e coronéis acima dos 80 anos presos por crimes de 64, se é que esses crimes ocorreram.”
Sim, crimes ocorreram.
Nem precisamos citar a extensa biografia à respeito, nem os testemunhos colhidos há décadas, no projeto TORTURA NUNCA MAIS, da Igreja Católica. Nem depoimentos de gente das fileiras do partido do governador, como FHC e José Serra, que foram exilados pela ditadura, ou da liderança e base tucana que foi torturada.
Sou testemunha viva. Eu e minhas irmãs. Vimos nossa casa no Rio de Janeiro ser invadida por militares armados com metralhadoras em 20 de janeiro de 1971.
Vimos meu pai, minha mãe e irmã Eliana serem levados.
Minha mãe ficou 13 dias presas no DOI/Codi, sem que o Exército reconheça ou tenha feito qualquer acusação.
Meu pai entrou no quartel do II Exército e não saiu vivo de lá. Também não sabemos o motivo da prisão, a acusação. Não entendemos as negativas posteriores de que estivesse preso.
Abaixo, documentos que provam que, sim, crimes ocorreram.
Em nome da decência, exigimos uma retratação do secretário e um pedido de desculpas do Governo do Estado.
Que está onde está graças aos que lutaram e derramaram vida pela redemocratização do País.

DOCUMENTO DE ENTREGA À MINHA TIA RENNÉ PAIVA DO CARRO QUE MEU PAI DIRIGIU ESCOLTADO ATÉ A PRISÃO


DOCUMENTO DA ENTRADA DELE NO DOI, DESCOBERTO RECENTEMENTE EM ARQUIVO DO EX-CHEFE, CORONEL REFORMADO JOSÉ MIGUEL MOLINA


ATESTADO DE ÓBITO DE 1996, 25 ANOS DEPOIS DO DESAPARECIMENTO, POSSÍVEL GRAÇAS À LEI DE RECONHECIMENTO DOS DESAPARECIDOS POLÍTICOS, ENVIADA PELO PRESIDENTE FHC AO CONGRESSO

*Mariadapenhaneles

O MUNDO DAS REDES SOCIAIS AJUDOU A CRIAR A ERA DAS IMAGENS EM QUE VALE MAIS REGISTRAR PARA MOSTRAR DO QUE VIVER

A fotografia não existe mais para lembrar, mas para esquecer
A fotografia não existe mais para lembrar, mas para esquecer
Mallarmé, o mais lógico dos estetas do século XIX, disse que tudo no mundo existe para terminar num livro. Hoje, tudo existe para terminar numa foto.” (Susan Sontag. “Sobre fotografia”)
Da Carta Capital
Clicar, em vez de viver, tornou-se norma Por Marsílea Gombata
Em meio ao burburinho da sala onde fica o quadro Mona Lisa, no Museu do Louvre, em Paris, o fotógrafo Fabio Seixo percebeu algo não exatamente errado, mas exagerado. Os visitantes se espremiam para disparar os flashs da máquina e ter a foto de uma das imagens mais intrigantes e conhecidas do mundo. A guerra para fotografar a musa enigmática imortalizada por Leonardo da Vinci revelava, ali, algo maior: a necessidade de se vivenciar, por meio da foto, a experiência do presente.
“É uma imagem tão icônica quanto aquela de Che Guevara (feita por Alberto Korda em 1960). Pensei: ‘Nossa, que loucura. Será que as pessoas não conhecem a Mona Lisa?’ Então tive um estalo e vi que elas, na verdade, viajam muito mais para marcar território e dizer que estiveram lá do que para curtir a viagem”, reflete.
A experiência em 2005 fez germinar uma semente batizada de Photoland. O projeto, que tem pretensão de virar livro depois de ter ganho exposições no Rio de Janeiro e espaço no festival Paraty em Foco, busca refletir de que modo o ato de fotografar se tornou mais importante do que a vivência e como, em uma espécie de compulsão, ganha fôlego no fértil terreno da tecnologia digital. “Quando você está na Torre Eiffel, se fotografa ali e posta essa imagem, está afirmando sua presença nesse lugar, dizendo que esteve lá”, fala o autor sobre o que considera uma experiência narcisista. “A câmera é um anteparo entre você e as coisas. Então, quando se fotografa, deixa-se de viver o presente para vivenciar a experiência de estar fotografando.”
Foi a possibilidade de mergulhar no universo da escrita com luz que lhe permitiu a reflexão sobre essa dinâmica. O fotógrafo nascido no Rio de Janeiro tem contato com o ofício desde a infância, quando frequentava a redação da extinta Iris Foto, revista histórica com auge nos anos 1970 e 1980, cuja editora era da família de sua tia. Ao concluir a faculdade de jornalismo, não teve dúvida sobre qual caminho seguir e foi trabalhar como fotógrafo de jornal diário. A experiência durou cinco anos. Em 2004, tornou-se autônomo.
Ao refletir sobre a experiência do mundo da fotografia digital atrelada ao narcisismo, existe a intenção de transformar o ato de fotografar em paisagem. A fotografia passa a fazer o papel da natureza, instaurando-se como realidade física. Seixo observa que a intenção de debater os fotógrafos amadores em ação como se fossem paisagem vem da própria imagem autobiográfica. Até que ponto o autor da foto faz parte da cena? “Nesse ato, acabamos perdendo a paisagem. É como se ela não tivesse importância e nós nos tornássemos a própria.”
Na fotografia da fotografia, os cartões-postais não são a Torre Eiffel, o Coliseu, o Empire State Building ou o Buckingham Palace. São, no lugar, quem ali esteve na busca por um arquivo fotográfico cada vez mais amplo. Os traços sobre a necessidade de ser visto são propositais na obra. “O projeto esbarra na questão da visibilidade. Não basta ser um bom médico, um bom professor ou um bom jornalista se você não estiver referendado pelos dispositivos de visibilidade, como mídia e redes sociais”, analisa. “Isso, paradoxalmente, denota o quanto estamos nos tornando uma fotografia de nós mesmos. Não sabemos mais quando estamos posando ou sendo natural. É como se estivéssemos o tempo todo representando um personagem”. (Texto completo)
*Educação Política:

terça-feira, abril 02, 2013

Abaixo-assinado contra a redução de cotas para pessoas com deficiência; Participe e divulgue!

Abaixo-assinado contra a redução de cotas para pessoas com deficiência; Participe e divulgue!

O Projeto de Lei 112/2006 de autoria do Senador José Sarney, com relatoria do Senador Romero Jucá (PMDB), que poderá desempregar milhares de pessoas com deficiência já contratadas pela Lei de Cotas e reduzirá drasticamente o potencial das vagas reservadas, caso seja aprovado vai reduzir as cotas para deficientes.
Entre as alterações está a redução do limite da cota para 3%. Na região de Osasco, isso significaria o desemprego de cerca de 300 pessoas com deficiências hoje incluídas pelas cotas nas metalúrgicas de 12 municípios. Justo num setor onde a inclusão chega a 82,4%.
O Senador José Sarney, com o Projeto de Lei nº 112/2006, reduz o número de contratações de pessoas com deficiência nas empresas, dos atuais 5% para 3%, e confina milhares de pessoas com deficiência nas oficinas de trabalhos manuais e artesanato; ainda terceiriza a mão-de-obra de pessoas com deficiência como forma de cumprir a Lei de Cotas 8.213/91, existente há mais de 20 anos.
O Senador Benedito de Lira, com o Projeto de Lei nº 234/2012, propõe desviar para o FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) a verba destinada para a contratação de pessoas com deficiência pelas empresas.
O relator, Senador Romero Jucá, propõe a redução do número de contratações de 5% para 0,5%.
Estes projetos contrapõem às leis atuais que já beneficiam 45 milhões de pessoas com deficiência, remetendo –as novamente à exclusão social e profissional! (Fonte Deficiente Online)
Não permita o retrocesso e o desamparo legalizado para uma população que sempre foi excluída!
Se esses Projetos forem aprovados e virarem leis, NUNCA MAIS as pessoas com deficiência terão direito ao trabalho e ao convívio com a sociedade. E aqueles que hoje já trabalham serão demitidos.
Veja como participar do abaixo-assinado: http://www.peticaopublica.com.br/?pi=PL112

Charge foto e frase do dia









































No JN, processar jornalistas é um "revés catastrófico" para a liberdade de expressão. Só o Kamel pode?

http://rd1.ig.com.br/wp-content/uploads/2013/01/ali-kamel.jpg 
Ano passado, o Jornal Nacional, da Rede Globo, principal peça do jornalismo da Rede, cujo diretor geral chama-se Ali Kamel, exibiu reportagem em que criticava duramente o presidente do Equador, Rafael Correa, que havia processado um jornalista e os donos do jornal que publicou a coluna, onde o jornalista afirmava o seguinte contra Correa:
Rafael Correa entrou com a ação por causa de uma coluna publicada em fevereiro do ano passado. Nela, Emílio Palácio criticava a atuação de Correa durante uma revolta de policiais em setembro de 2010. E dizia que o presidente, a quem chamava de ditador, "tinha dado ordem de abrir fogo, sem aviso prévio, contra um hospital cheio de civis e gente inocente".
O presidente Correa os processou e a Justiça condenou jornalistas e donos do El Universo (uma Rede Globo do Equador) a três anos de prisão e ao pagamento de uma indenização de US$ 40 milhões ao presidente.
Edições do Jornal Nacional (repito, sob Ali Kamel) criticaram a atitude do presidente Correa:
A OEA poderá pedir oficialmente ao governo equatoriano que respeite os direitos humanos dos jornalistas e que faça uma revisão de todo o processo.
A organização Repórteres Sem Fronteiras declarou que a decisão da Suprema Corte é um "revés catastrófico" para a liberdade de expressão.
A Sociedade Interamericana de Imprensa considerou a sentença desproporcional e teme que outros veículos adotem a autocensura. [Fonte]
O Instituto Internacional de Imprensa disse que ficou escandalizado com a sentença, desproporcional ao possível delito. A organização Repórteres Sem Fronteiras considerou a decisão uma intimidação judicial.
O Instituto de Imprensa e Sociedade afirmou que Rafael Correa é um exemplo deplorável de abuso e falta de tolerância de um mandatário. Para a Sociedade Interamericana de Imprensa a sentença é um golpe aos princípios da liberdade de informação. [Fonte]
O curioso é que o presidente do Equador, Rafael Correa, não é exatamente um defensor da liberdade de imprensa, ao contrario de Assange. O presidente equatoriano vive dizendo que a imprensa está a serviço de grandes grupos empresariais, que só querem desestabilizar as instituições. [Fonte]
Agora, o mesmo Ali Kamel do Jornal Nacional, que criticou processos contra jornalistas como atentados à liberdade de expressão, processa jornalistas, conseguindo algumas vitórias na Justiça, ainda que em primeira instância. O último condenado foi o Azenha, do Viomundo.
Será que o JN de hoje vai denunciar o Diretor de Jornalismo e Esportes da Rede Globo, Ali Kamel, por perseguição a jornalistas e atentado à liberdade de imprensa?
No Blog do Mello

Israel e as crianças dos outros

Declarou em Janeiro de 2012 Mark Regev, porta-voz do primeiro-ministro israelita Benyamin Netanyahu.
O teste de uma democracia reside no tratamento dos prisioneiros, das pessoas na prisão e, especialmente, das crianças
Obviamente tudo isso não conta quando o assunto for israel: o País está além de qualquer lei ou juízo moral. Por isso não espanta o relatório da Unicef, que analisa mais de 400 casos documentados de detenção e maus-tratos de jovens prisioneiros nas prisões de Rei David.
Afirma o mesmo relatório:
As crianças palestinianas que entram em contacto com o sistema de detenção militar de israel são submetidas a maus-tratos generalizados, sistemáticos e institucionalizados. Isto baseia-se nas repetidas queixas que ocorreram durante os últimos dez anos, na entidades das mesmas, fundamentação e persistência.
Esta conclusão é apoiada também pelo exame dos casos através de um sistema de monitorização das
graves violações dos direitos das crianças, bem como das entrevistas com advogados israelitas e palestinianos. E também com as crianças alvos de mau-tratos.
Durante a última década, cerca de 7.000 crianças palestinianas com idades entre os 12 e os 17 anos foram presas, interrogadas, processadas pelo sistema de justiça militar israelita, uma média de 700 crianças por ano, duas por dia. A análise dos casos monitorizados pela Unicef identificou exemplos de práticas que equivalem a tratamento cruel, desumano ou degradante no âmbito da Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção contra a Tortura. O relatório da Unicef conclui recomendando uma série de medidas concretas para melhorar a protecção das crianças no interior do sistema judiciário israelita, em linha com os padrões internacionais.
O relatório, depois de uma breve introdução acerca do quadro jurídico e da estrutura do sistema penitenciário israelita, descreve com um arrepiante realismo a experiência de um adolescente palestiniano qualquer, acusado de atirar pedras contra um veículo militar israelita.
A detenção
Um esquadrão de soldados armados até os dentes invadem a casa no meio da noite e acorda os moradores: é o começo. Depois de uma rápida busca, muitas vezes acompanhada pela destruição de móveis e outros objectos, o jovem suspeito é amarrado pelos pulsos e os olhos são vendados. É muito jovem, entre os 14 e os 16 anos de idade. Às vezes, alguém é preso nas ruas perto de casa, não longe das casas dos colonos israelitas ou dos postos de controle do Exército na Cisjordânia.
Para algumas crianças, a cena é devastadora, entre gritos e ameaças verbais e familiares forçados a ficar de fora da casa em pijama, enquanto o jovem é levado com explicações vagas, tais como: "ele vem connosco, mais tarde é devolvido", ou, simplesmente, "é procurado".
Os presentes raramente são informados acerca da razão pela qual a pessoa é detida. Sem poder cumprimentar os pais, a criança é carregada num jipe, com os olhos vendados, forçadas a sentar-se no chão do veículo e muitas vezes atingida por socos e pontapés enquanto fica amarrada.
A viagem para o local do interrogatório pode durar uma hora ou até um dia inteiro e, geralmente, inclui paradas em bases militares onde o jovem prisioneiro pode ficar ao longo de horas, às vezes um dia inteiro, sem comer ou beber e sem acesso ao banheiro. Durante estas paragens, muitas crianças são levadas perante o pessoal médico que aborda algumas questões sobre a saúde do preso. No entanto, mesmo no caso em que sejam óbvios os sinais de abuso, é muito raro que possam receber atenção médica adequada. Por fim, as crianças são levadas para o local do interrogatório.
O interrogatório
Os lugares mais comuns para o interrogatório das crianças são as delegações da polícia da Cisjordânia, Gush Etzion, Ari'el, a prisão de Ofer e o Centro de Huwwara.
Nenhuma criança é acompanhada por um advogado ou um membro da família durante o interrogatório, não obstante o artigo 37 (d) da Convenção sobre os Direitos da Criança estabeleça que:
Qualquer criança privada da sua liberdade tem direito a um pronto acesso à assistência jurídica ou a qualquer assistência apropriada.
As crianças presas raramente são informadas dos direitos, incluindo o direito de não auto-incriminar-se. Não há nenhuma supervisão independente do interrogatório, que muitas vezes atinge a intimidação, as ameaças e a violência física, com a clara intenção de forçar o menino a confessar.
Os detidos durante o interrogatório muitas vezes são ligados a cadeira em que estão sentados. Esta posição pode ser mantida por longos períodos de tempo, o que resulta em dor nas mãos, nas costas e nas pernas. Algumas crianças são ameaçadas de morte, violência física, isolamento e abuso sexual: contra ele ou contra membros da sua família. No final do interrogatório, a maioria dos presos admite as culpas das quais é acusado (geralmente "ter atirado pedras") e assina a confissão em hebraico, na maioria dos casos sem a menor ideia do que estiver escrito no papel.
O relatório da Unicef afirma que algumas crianças foram colocadas numa cela solitária por um período entre dois dias e um mês antes do julgamento e da condenação. Nessas celas, de acordo com o documento, são tratados de forma "cruel" e "desumana". O impacto negativo da prática do isolamento no estado de saúde psicológico de uma criança convenceu o Comitê sobre os Direitos da Criança a impor a rigorosa proibição de tal prática.
A audiência e o julgamento
Depois do interrogatório, o pequeno preso é geralmente levado perante um tribunal militar. Entra no tribunal com algemas, correntes e veste a uniforme da prisão. O jovem encontra pela primeira vez o seu advogado no tribunal e a detenção provisória pode ser prolongada, ao contrário do que é prescrito pelas normas internacionais, até um período de 188 dias. Também em violação da Convenção sobre os Direitos da Criança, não há nenhuma possibilidade de libertação sob fiança.
Nem todos os advogados têm fácil acesso à documentação militar necessária e a legislação penal de israel nem sempre está disponível em árabe, como seria exigido pelo direito internacional. Por esta razão, os advogados da defesa palestinianos estão em clara desvantagem em comparação com o advogado da acusação (que é de israel), com o risco de comprometer a capacidade da criança acusada de receber um julgamento justo.
Finalmente, é altura da punição, geralmente muito grave. Duas das prisões onde a maioria das crianças palestinianas são fechadas, em violação da Convenção de Genebra, situa-me em israel, o País ocupante. Em termos práticos, isto torna muito difícil, e em alguns casos impossível, que a família possa visitar a criança devido às regulamentações que proíbem aos Palestinianos da Cisjordânia de viajar no interior de israel, isto sem contar o tempo necessário para obter a eventual permissão. De acordo com o artigo 37 (c) da Convenção sobre os Direitos da Criança, a criança "tem o direito de manter contactos com a sua família através de correspondência e visitas, salvo que em circunstâncias excepcionais".
A prisão das crianças tem óbvios efeitos deletérios no longo prazo. Afastada da família às vezes ao longo de meses, a detenção provoca um stress emocional profundo, além de violar o direito à educação dos jovens.
As crianças palestinianas acusadas de crimes seguem um percurso processual muito diferente das crianças israelitas: enquanto os primeiros são julgados em tribunais militares, ao abrigo da lei de ocupação militar, as crianças israelitas estão protegidas pelo direito penal e civil israelitas que, naturalmente, concede maiores garantias.
Conclusão
Esta não é a primeira vez que as organizações internacionais denunciam maus-tratos de crianças palestinianas detidas pelo exército israelita. Preocupações foram levantadas em Julho de 2012 pela Comissão Especial das Nações Unidas sobre as práticas israelitas nos territórios ocupados. Pode-se ler num comunicado de imprensa do Presidente da Comissão, o embaixador Palitha Kohona:
De acordo com as provas reunidas, israel pratica o isolamento em 12% das crianças palestinianas detidas.
A Comissão Especial também alertou para um modelo de detenção e de maus-tratos de maior alcance:
Testemunhas relataram à Comissão de que os maus-tratos das crianças palestinianas começam a partir do momento da detenção. Um grande número são normalmente presos. As casas das crianças são cercadas por soldados israelitas durante a noite, "bombas de som" são detonadas nas habitações, as portas são arrombadas, tiros são disparados, nenhuma ordem judicial é mostrada aos moradores. As crianças são presas, de olhos vendados, e forçadas a entrar nos veículos militares.
É quanto descrito pelo documento da Unicef.
Um relatório de Defence for Children International (DCI) de Abril de 2012, com o título "Amarrado, vendado e preso", analisou 311 depoimentos recolhidos entre 2008 e 2012: 75% dos prisioneiros palestinianos entre os 12 e os 17 anos foram espancados durante os interrogatórios, a detenção ou a prisão preventiva.
As provas apresentadas pela DCI mostram que as crianças chegam aos centros de interrogatórios israelitas vendadas, amarradas e privadas do sono. Ao contrário dos seus homólogos israelitas, as crianças palestinianas não têm o direito de ser acompanhadas pelos pais durante o interrogatório e raramente são informadas dos seus direitos, especialmente o direito de não auto-acusar-se.
As técnicas de interrogatório são muitas vezes mentalmente e fisicamente coercitivas, incluindo uma mistura de intimidação, ameaças e violência física, com o claro intuito de obter uma confissão.
Como recomendado por um editorial do Lancet:
As autoridades militares israelitas devem imediatamente adoptar e aplicar as recomendações da Unicef [...]. As crianças palestinianas prisioneiras devem ser tratadas de acordo com a lei e as normas internacionais, com proibição absoluta de tortura e de todas as formas de maus-tratos, sem excepção.
Afirma o jornalista israelita Gydeon Levy:
Tudo isto acontece num País onde as crianças são consideradas uma fonte de alegria, em que a preocupação com o bem-estar delas é uma prioridade. Tudo isto acontece no nosso País, a menos de uma hora de distância dos quartos dos nosso filhos.
Verdade: mas as crianças palestinianas não fazem parte do "povo escolhido".
Azar delas.

Ipse dixit.
*GilsonSampaio