O MUNDO DAS REDES SOCIAIS AJUDOU A CRIAR A ERA DAS IMAGENS EM QUE VALE MAIS REGISTRAR PARA MOSTRAR DO QUE VIVER
A fotografia não existe mais para lembrar, mas para esquecer
Mallarmé, o mais lógico dos
estetas do século XIX, disse que tudo no mundo existe para terminar num
livro. Hoje, tudo existe para terminar numa foto.”
(Susan Sontag. “Sobre fotografia”)
Da Carta Capital
Clicar, em vez de viver, tornou-se norma
Por Marsílea Gombata
Em meio ao burburinho da sala onde fica o quadro Mona Lisa, no Museu
do Louvre, em Paris, o fotógrafo Fabio Seixo percebeu algo não
exatamente errado, mas exagerado. Os visitantes se espremiam para
disparar os flashs da máquina e ter a foto de uma das imagens mais
intrigantes e conhecidas do mundo. A guerra para fotografar a musa
enigmática imortalizada por Leonardo da Vinci revelava, ali, algo maior:
a necessidade de se vivenciar, por meio da foto, a experiência do
presente.
“É uma imagem tão icônica quanto aquela de Che Guevara (feita por
Alberto Korda em 1960). Pensei: ‘Nossa, que loucura. Será que as pessoas
não conhecem a Mona Lisa?’ Então tive um estalo e vi que elas, na
verdade, viajam muito mais para marcar território e dizer que estiveram
lá do que para curtir a viagem”, reflete.
A experiência em 2005 fez germinar uma semente batizada de Photoland.
O projeto, que tem pretensão de virar livro depois de ter ganho
exposições no Rio de Janeiro e espaço no festival Paraty em Foco, busca
refletir de que modo o ato de fotografar se tornou mais importante do
que a vivência e como, em uma espécie de compulsão, ganha fôlego no
fértil terreno da tecnologia digital. “Quando você está na Torre Eiffel,
se fotografa ali e posta essa imagem, está afirmando sua presença nesse
lugar, dizendo que esteve lá”, fala o autor sobre o que considera uma
experiência narcisista. “A câmera é um anteparo entre você e as coisas.
Então, quando se fotografa, deixa-se de viver o presente para vivenciar a
experiência de estar fotografando.”
Foi a possibilidade de mergulhar no universo da escrita com luz que
lhe permitiu a reflexão sobre essa dinâmica. O fotógrafo nascido no Rio
de Janeiro tem contato com o ofício desde a infância, quando frequentava
a redação da extinta Iris Foto, revista histórica com auge nos anos
1970 e 1980, cuja editora era da família de sua tia. Ao concluir a
faculdade de jornalismo, não teve dúvida sobre qual caminho seguir e foi
trabalhar como fotógrafo de jornal diário. A experiência durou cinco
anos. Em 2004, tornou-se autônomo.
Ao refletir sobre a experiência do mundo da fotografia digital
atrelada ao narcisismo, existe a intenção de transformar o ato de
fotografar em paisagem. A fotografia passa a fazer o papel da natureza,
instaurando-se como realidade física. Seixo observa que a intenção de
debater os fotógrafos amadores em ação como se fossem paisagem vem da
própria imagem autobiográfica. Até que ponto o autor da foto faz parte
da cena? “Nesse ato, acabamos perdendo a paisagem. É como se ela não
tivesse importância e nós nos tornássemos a própria.”
Na fotografia da fotografia, os cartões-postais não são a Torre
Eiffel, o Coliseu, o Empire State Building ou o Buckingham Palace. São,
no lugar, quem ali esteve na busca por um arquivo fotográfico cada vez
mais amplo. Os traços sobre a necessidade de ser visto são propositais
na obra. “O projeto esbarra na questão da visibilidade. Não basta ser um
bom médico, um bom professor ou um bom jornalista se você não estiver
referendado pelos dispositivos de visibilidade, como mídia e redes
sociais”, analisa. “Isso, paradoxalmente, denota o quanto estamos nos
tornando uma fotografia de nós mesmos. Não sabemos mais quando estamos
posando ou sendo natural. É como se estivéssemos o tempo todo
representando um personagem”. (Texto completo)
*Educação Política:
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