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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

domingo, abril 28, 2013

Reforma agrária, urgente, necessária e esquecida


Foto João Roberto Ripper
Editorial do Brasil de Fato

O governo Dilma está em dívida com os trabalhadores rurais sem terra. Seu desempenho nesta área é tão pífio que corre o risco de entrar para a história como o pior governo para a reforma agrária desde a redemocratização do país. Os movimentos sociais seguem fazendo sua parte, com pressão. Na última semana houve a jornada nacional de luta pela reforma agrária, em que o MST e outros movimentos da Via Campesina se mobilizaram em 18 estados. Em Brasília, mais de 500 trabalhadores estão acampados desde 8 de março, fazendo vigílias e pressões.

Os sem terra interromperam o trânsito em mais de 60 rodovias em todo país, para pedir justiça pela impunidade dos fazendeiros, nas centenas de casos de assassinatos de trabalhadores ainda impunes. Da parte dos povos indígenas, aproveitaram também a semana para protestar. Mais de 700 integrantes de diversas etnias ocuparam o plenário da Câmara dos Deputados e depois o Ministério da Justiça.

Mas nada disso parece sensibilizar as autoridades federais, em especial o segundo escalão responsável pelas medidas concretas para resolver os problemas sociais que se multiplicam pelo interior do país. Parece repetir- se a máxima de que “os muros dos palácios são tão altos, que deixam os governantes surdos e cegos” para o povo. Os problemas relacionados com a ausência de uma política séria e verdadeira de reforma agrária só se acumulam.

Nesses dois anos de governo Dilma, tivemos o menor número de desapropriações de toda história recente. Há no poder Judiciário 581 processos de desapropriações parados, alguns com os recursos depositados pelo Incra. E nenhuma instância do governo se mexe para pressionar o Judiciário a ser mais célere, já que é um programa social cumprindo o que determina a Constituição. Nas beiras das estradas do país se amontoam mais de 120 mil famílias de sem terras acampados, ligados a diversos movimentos sociais, como da Contag, MST, MLST, sindicatos de trabalhadores rurais e CUT.

Com frequência ouvem-se desculpas na imprensa que seria muito caro desapropriar terras, em temos do agronegócio e da valorização da renda da terra. É a surrada desculpa das elites, sempre que se trata de programas sociais. Da elevação das taxas de juros, dos bilhões pagos em juros para os bancos, das obras públicas desperdiçadas, dos bilhões repassados ao agronegócio, ninguém reclama! Na imprensa, ouvem-se vozes governamentais dizerem que agora a prioridade é a qualidade dos assentamentos e depois resolveriam dos sem terra. Outro disparate. Seria como dizer aos sem-tetos da cidade, que primeiro vamos reformar as casas de quem tem, para depois construir novas. Uma coisa não exclui a outra, ao contrário, são complementares.

Mas mesmo assim, se o argumento fosse válido, qual é a situação dos assentamentos no Brasil? Os dados do Incra são reveladores, da inoperância do governo. Há 180 mil famílias de sem-terra que já foram assentadas e ainda não têm casa. Depois de dois anos, o governo baixou portaria incluindo os assentados no programa Minha Casa, Minha Vida, mas agora falta outra portaria para regulamentar a primeira. E nenhuma casa foi construída ainda pelo programa. Os assentados não têm acesso a crédito. O MST sempre alertou que o Pronaf era apenas um crédito para o pequeno agricultor já estabilizado e integrado ao mercado.

Hoje, das 800 mil famílias assentadas, cerca de apenas 50 mil têm acesso ao Pronaf, e ainda ficam endividadas. Portanto, é urgente implementar uma nova forma de apoio ao crédito às famílias assentadas.

O Programa de compra antecipada de alimentos da Conab é excelente. Talvez uma das melhores heranças do governo Lula para a agricultura familiar. Porém, menos de 30 mil famílias assentadas têm tido acesso. Da mesma forma o programa que obriga cada prefeitura comprar no mínimo 30% dos alimentos da merenda escola de agricultores familiares. Os assentados têm muito pouco acesso a esse programa, tal a burocracia de editais, concorrências, e má vontade da maioria dos prefeitos, que preferem seguir com suas negociatas com as grandes empresas fornecedoras pelo atacado, das bolachas, leite em pó e outras enrolações.

O tema da educação no campo também está pendente. Os movimentos do campo denunciaram que nos últimos 15 anos, desde FHC até o governo Dilma foram fechadas mais de 20 mil escolas fundamentais no campo. Em troca o MEC financia vans para os prefeitos trazerem as crianças do campo para estudarem na cidade. Todos os dias se obrigam a fazer 20, 30 até 100 quilômetros de distância. Uma tragédia.

Os movimentos insistem. É preciso retomar a necessidade de que as escolas estejam nas comunidades rurais, próximo das moradias dos trabalhadores. E inclusive organizar escolas de ensino médio, onde o transporte dos alunos seja entre as comunidades rurais, sem levar para a cidade. E ampliar as vagas e cotas para filhos de camponeses acessarem o ensino superior, pelo Programa Nacional de Ensino da Reforma Agrária (Pronera), que adota o sistema de cursos especiais, em alternância para filhos de camponeses, e assim evita a migração para a cidade, mesmo durante o curso superior.

A situação é grave. E o governo se faz de desentendido, se iludindo com a falsa propaganda do sucesso do agronegócio. O agronegócio é o modelo do capital, dá lucro para alguns fazendeiros e para as empresas transnacionais, mas não resolve os problemas dos pobres do campo; ao contrário, os amplia.

*Tecedora

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