Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

terça-feira, abril 30, 2013


HORA DE REAGIR



         
 (JB)-Em sua cruzada contra o totalitarismo, Arthur Koestler disse que é possível explicar o racismo e identificar a origem da brutalidade dos torturadores e dos genocidas. Mas é necessário combatê-los, isola-los, impedir que nos agridam e  matem. Em alguns casos, podemos até mesmo curá-los. Mas isso não significa que devamos perdoá-los.
       A aceitação das idéias alheias, que é o sumo das sociedades democráticas, tem limites e eles se encontram na intolerância dos fanáticos e extremistas.
       Na verdade, dois são os vetores da brutalidade: o medo e a loucura. Os grandes assassinos são movidos pela paranóia, e a paranóia oscila entre o ilusório sentimento de absoluta potência e a frustração da impotência. É dessa forma que Adorno, em Mínima Moralia, diz que o fascista é um masoquista, que só a mentira transforma em sádico, em agente da repressão.
       Quem são esses jovens embrutecidos que agrediram um nordestino junto à Estação das Barcas, em Niterói – e foram contidos pelas pessoas que ali se encontravam? São trastes humanos, ainda que sejam trabalhadores e estudantes, tenham família e amigos. O que os faz reunir-se, armar-se, sair às ruas, a fim de agredir e - quando podem – matar outras pessoas?
       Individualmente, apesar de suas artes marciais, seus socos ingleses, seus punhais e correntes de aço, são apenas seres acoelhados, agachados atrás de si mesmos, que só crescem quando se agrupam e se multiplicam, em suas patas, seus punhos, suas armas.
      Eles não nasceram com garras, nem tendo a cruz suástica e outros símbolos  riscados  na pele. Foram crianças iguais às outras, que encontraram pela frente uma sociedade brutalizada pelo egoísmo.
     Não é difícil que tenham sentido no lar o eco de uma civilização corrompida pela competição e destruída, em sua alma, sob o capitalismo sem freios. Às vezes nos esquecemos que só um por cento dos homens controla toda a riqueza do mundo.
      Tampouco nasceram assim os que matam os moradores de rua, movidos pelo mesmo medo e pela mesma idéia de que é preciso manter as cidades “limpas”. Nestes últimos meses, tem aumentado o número de moradores de rua assassinados em todo o país – mas mais intensamente em São Paulo, no Rio, em Belo Horizonte,  em Goiânia.
      De acordo com as estatísticas, 195 deles foram mortos em 2012 e nos primeiros meses deste ano. A imprensa internacional está debitando o massacre à conveniência de “sanear” as maiores cidades, antes do afluxo de visitantes que se esperam para a Jornada Internacional da Juventude e a Copa das Confederações, neste ano, e para a Copa do Mundo, no ano que vem.
      É bom lembrar que a matança  de crianças na Candelária, foi atribuída a uma “caixinha” de comerciantes da região, interessados em varrer as ruas desses bichos “incômodos e sujos”, que são os meninos pobres.   
      Há historiadores e antropólogos que amenizam o mal-estar contemporâneo diante dessa realidade, com a afirmação de que, desde as cavernas, o homem é naturalmente predador. Ocorre que, contra essa perturbadora condição de bichos que somos, prevaleceu o sentimento de solidariedade que nos tornou humanos, e foi possível sobreviver às catástrofes naturais, como os terremotos e as pestes, e às guerras continuadas. Mas, dentro da idéia dialética de que a quantidade altera a qualidade, chegamos a ponto insuportável.   
      Há dois caminhos na luta contra essa nova barbárie. Um é o da fé religiosa, outro o da razão materialista. A fé – um acordo entre o homem primitivo e o mistério da vida, a que ele deu o nome de Deus – tem sido o principal suporte da espécie, sempre e quando ela não se perde no fanatismo.
       A razão se encontra com a fé no exercício do humanismo. Mas há sempre razão na fé, como há  fé na lógica do ateu. As duas posturas são de autodefesa da sociedade humana e se realizam na coerente ação política. Como disse Tomás de Aquino, a filosofia das coisas humanas só se concretiza com a prática da política.
       Há novos pensadores, sobretudo na velha França, que buscam recuperar o humanismo de Marx, o do jovem filósofo dos Manuscritos Econômicos e Filosóficos, de 1844, e as suas reflexões sobre a alienação. O trabalho de Marx correspondeu à necessidade de defesa dos trabalhadores contra o liberalismo do século 19, e a desapiedada exploração dos pobres pelas oligarquias burguesas, substitutas do velho feudalismo.
       Retornar a Marx é buscar novas e mais eficazes respostas contra o neoliberalismo de nossos dias. É ainda possível a aliança entre o humanismo cristão e os pensadores agnósticos, fundada em uma constatação fácil, a de que é preciso salvar o homem de si mesmo. É urgente salva-lo do barbarismo reencontrado na estupidez do egoísmo neoliberal. Isso faria do planeta o seguro espaço da vida. O retorno esperado à Teologia da Libertação é uma das vias de acesso à Terra Prometida.
       O filósofo francês Dany-Robert Dufour, em um de seus ensaios, pergunta que homem emergirá do ultraliberalismo de hoje. Não é necessária a pergunta: ele já está aí, no corpo volumoso adquirido nas academias e nutrido de anabolizantes; na cabeça reduzida pelas mensagens de uma cultura castradora, fundada no efêmero e no inútil; na pele usada como o anúncio de cada um, mediante as tatuagens; na ilusão da fama e da eternidade, nas postagens arrogantes no Facebook; no ódio ao outro, celebrado no culto à morte.
       Essa  visão nublada do mundo está contaminando grande parte de nossa juventude, nas escolas e universidades. É preciso que as escolas deixem o tecnicismo que as reduz, e voltem ao módulo ético, para fazer dos homens, homens, e deles afastar os instintos dos predadores.
       É preciso reagir. Os alemães dos anos 20 e 30 não reagiram, quando grupos de nazistas atacavam os judeus e comunistas. Os democratas europeus não reagiram contra as chantagens de Hitler no caso do Sarre, da anexação da Áustria, do ultimato de Munique.  Dezenas de milhões pagaram, com o sofrimento e a vida, essa acovardada tolerância.  
       
         


OS APLAUSOS AOS CHILENOS



   
(HD)-Na última quarta-feira,  a seleção brasileira foi vaiada, e a chilena foi aplaudida, em jogo amistoso em Belo Horizonte, no recém-inaugurado novo estádio do Mineirão. Chamou a atenção, de todos os torcedores, a postura de absoluto respeito dos jogadores da equipe chilena por sua nação, perfilando-se, com a mão sobre o peito, para cantar, com orgulho e firmeza, o hino nacional de seu país, contrastando com a atitude acintosa de nossa seleção.

   Não há como apagar da mente a imagem do preparador  Carlos Alberto Parreira, ex-técnico da seleção brasileira, mastigando, displicentemente,  chicletes, ou a de jogadores brasileiros se coçando, ou gaguejando o Hino Nacional.

  Certos símbolos não se devem ao acaso. Eles têm o papel de carregar a idéia de Nação, ao longo do tempo; de representar um povo e a sua história, seus heróis e o seu território: os valores e os ideais de um país.

   Eles deveriam, portanto, ser conhecidos por todos os cidadãos que tiveram  o privilégio de ter nascido em nosso chão. A eles devemos recorrer, sempre, para celebrar o Brasil: os estandartes têm que ser erguidos e os hinos cantados, com júbilo, nos bons momentos, e indignação, sempre que a liberdade e a dignidade de nosso povo se encontrarem ameaçadas. Assim ocorreu,  nos últimos cem anos, nas manifestações populares, contra o afundamento de nossos navios e exigindo a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial; nos protestos contra o regime militar; na campanha das Diretas Já; ou nos memoráveis comícios, que, com a eleição de Tancredo Neves nos levaram à redemocratização.

    O Hino Nacional deveria ser cantado, em primeiro lugar, pelos nossos jogadores, com o mesmo fervor de outras orações que, de vez em quando,  proferem de mãos dadas, em altos brados, antes de jogos importantes.  Todo homem é livre para adotar o Deus ou a religião que preferir, ou, até mesmo, não adotar nenhuma, nem aceitar a idéia de Deus.

    A Pátria, assim como a família, não se escolhe, a não ser que alguém resolva trocar de nacionalidade. A Pátria se herda, como se herda o sangue e o nome do pai, o afago da mãe, o retrato do avô. Na Pátria  - e milhares já morreram para defender a nossa - estão todos aqueles que nos antecederam, e que, nos seus genes e vicissitudes, nos legaram o misterioso privilégio de viver.

     Nas concentrações, mais do que preparo físico e treinamento, falta que todas as manhãs se hasteie a nossa bandeira e que se cante (e não se tartamudeie) o Hino Nacional. Trata-se de um ritual cívico, que também deve voltar às escolas. É preciso “sentir” a pátria, com a voz forte, a mão sobre o peito, ao cantar  o hino nacional, como fizeram os chilenos quarta-feira. E, aos jogadores, corpo técnico e dirigentes, incluído o presidente da CBF, faltam vergonha,  reverência e,  amor pelo Brasil. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário