Genocida argentino foi cumprir resto da pena na cadeia do capeta
do Pragmatismo Político
Morte de genocida Videla gera reações diversas na Argentina
Avós da Praça de Maio sobre Videla: “ser desprezível deixou este mundo”.
Nobel da Paz argentino diz que Videla traiu Argentina. Políticos,
ativistas de direitos humanos e artistas criticam trajetória de
ex-ditador; veja reações
A morte do ex-ditador argentino argentino Jorge Rafael Videla, ocorrida
nesta manhã (17/05), em Buenos Aires, gerou uma rápida reação de
políticos e ativistas argentinos nos meios de comunicação e em redes
sociais, todos críticos ao passado e à postura do líder da junta militar
que comandou violentamente o país entre 1976 a 1983. O ex-ditador
morreu por volta das 6h30 em sua cela na prisão Marcos Páz.
General Jorge Videla comandou a sangrenta ditadura argentina (Foto: Arquivo)
O Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquível classificou Videla, que
morreu aos 87 anos de “causas naturais”, como “um homem que passou a
vida fazendo muito mal e traindo os valores de todo um país”. No
entanto, o ativista de Direitos Humanos, que ficou 28 meses preso
durante o regime, diz que “não se alegra com a morte de ninguém”.
“Jamais me acusaram ou julgaram por nada, sou um sobrevivente dos voos
morte. Mas a morte de Videla não deve alegrar a ninguém, temos de seguir
trabalhando por uma sociedade melhor, mais justa, mais humana, para que
todo esse horror não volte a se repetir nunca mais”.
“Isso (a morte de Videla) não fecha um ciclo. (A ditadura) vai além de
Videla, é uma política que se implementou em todo o país e na América
Latina”.
Nora Cortiñas, integrante e fundadora das Mães da Praça de Maio, seguiu a
mesma linha ao preferir não festejar a morte do ditador. “Mesmo com
minha dor, não festejo a morte. Porque eles (os ditadores) se vão e
levam junto consigo alguns dos segredos mais importantes da história”.
A associação de direitos humanos H.I.J.O.S., (acrônimo em espanhol para
Filho pela Identidade e Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio) da
capital, Buenos Aires, postou em sua conta no Twitter: “Morreu sem dizer
onde eles (os desaparecidos) estão”. Fundada em 1994, essa organização,
dividida em diversas filiais pela Argentina, reúne, filhos de
desaparecidos e assassinados, e outros que se consideram “filhos da
geração ditatorial”. Entre outras ações, investigam casos de bebês
sequestrados, e organizaram “escrachos” com ex-participantes do regimes.
A H.I.J.O.S. de Tucumán, por sua vez, postou: “nem esquecimento nem
perdão. Morreu o genocida Videla”.
Políticos
General Jorge Rafael Videla encontrava-se preso pelo assassinato e tortura de milhares de argentinos durante a ditadura militar
O líder da oposicionista UCR (União Cívica Radical) na Câmara dos
Deputados, Ricardo Gíl Lavedra, que também foi integrante de um tribunal
que condenou a última junta militar, afirmou que Videla será “lembrado
como um ditador que semeou a morte na Argentina e produziu a ditadura
mais sangrenta e terrível” na história do país. Em entrevista à rede de
TV Todo Notícias, ele lembrou que o ditador, assim como outros
integrantes do regime “lamentavelmente nunca mostrou arrependimento
sobre os fatos, tampouco considerou uma reparação às vítimas”.
O porta-voz do partido de esquerda FAP (Frente Ampla Progressista),
Hermes Binner, postou, em sua conta no microblog Twitter, ao saber da
morte do ex-ditador: “Morreu Videla: choremos as 30.000 vítimas de sua
ditadura”.
O ministro de Cultura de Buenos Aires, Hernán Lombardi, recordou Videla
como um “tirano sangrento” o qual “a democracia argentina teve o valor
de julgar e condenar”.
O secretário nacional de Direitos Humanos, Martín Fresneda, defendeu que
“o Estado não deve nunca celebrar a morte de ninguém”, mas sim
“comemorar o fato de que foi feita justiça”. “Pudemos reparar a maioria
dos crimes que esses homens cometeram” com os julgamentos realizados.
Sociedade
Em declarações ao canal C5N, o músico e compositor Víctor Heredia disse
que “morreu um criminoso”: “Foi uma monstruosidade o que ele fez em
vida”, disse o artista, cuja irmã foi sequestradas e dada como
desaparecida quando estava grávida. Ele também foi perseguido pelo
regime, período o qual afirmou que ficará marcado para o resto de sua
vida.
Morre Videla. Na Argentina. Onde ditador vai para a cadeia
do Sakamoto
Leonardo Sakamoto
Morreu,
nesta quinta (17), de “causas naturais”, o general e ex-ditador Jorge
Videla, aos 87 anos, no Centro Penitenciário Marcos Paz, onde cumpria
pena de prisão perpétua por cometer crimes de lesa humanidade.
Ele
comandou o golpe de março de 1976, que derrubou o regime democrático, e
coordenou a repressão entre 1976 e 1983 – quando mais de 30 mil pessoas
foram assassinadas por questões políticas, e mais de 500 bebês de
ativistas foram sequestrados ou desapareceram. Em 2010, foi condenado à
prisão perpétua, depois de ter sido condenado e anistiado anteriormente.
Videla chegou a confessar que as mortes foram necessárias.
A
Argentina pode ter um milhão de problemas. Mas conseguiu lidar com seu
passado de uma forma bem melhor do que nós, punindo responsáveis por sua
ditadura militar (uma das mais cruéis da América Latina), reformando
sua anistia.
Por aqui, as coisas não funcionaram assim.
Por
exemplo, o coronel Erasmo Dias morreu, em 2010, aos 85 anos. Na época,
muita gente entrou em júbilo orgásmico com a notícia. Entendo a alegria
de todos os que, durante a ditadura, foram atropelados pelos seus
cavalos ou torturados sob sua responsabilidade. Mas não deixo de dar
meus pêsames pela nossa incompetência, por não conseguirmos fazer com
que esse arauto da retrocesso respondesse por tudo aquilo que fez. De
1974 a 1979, Erasmo ocupou o cargo de secretário de Segurança Pública em
São Paulo, garantindo a ordem sob as técnicas persuasivas da Gloriosa.
Ficou conhecido pela invasão da PUC-SP em setembro de 1977, ao reprimir
um ato pela reorganização da União Nacional dos Estudantes.
Um
amigo comentou que a “justiça” finalmente havia chegado para Erasmo
através do câncer que o consumiu. Discordo. O sujeito com 85 anos,
morando confortavelmente, sem ter que responder pelo passado, passa
dessa para a melhor e isso é “justiça”? Não só não tivemos a competência
para abrir e limpar publicamente as feridas que ele causou, como a
sociedade ainda o elegeu deputado federal, deputado estadual e vereador.
Outra alma ceifada tempos atrás pela mesma
“justiça” foi a do Coronel Ubiratan, responsável pela execução de 111
presos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. Não é que a
sociedade não conseguiu puni-lo, ela não quis puni-lo. Ele fez o
servicinho sujo que muitos paulistanos desejam em seus sonhos mais
íntimos, de limpeza social. Morreu em 2006, em um crime não solucionado.
Estava a caminho de ser facilmente reeleito como deputado estadual,
ironizando o país ao candidatar-se com o número 14.111.
Os
dois não são casos únicos. Se listássemos os fazendeiros que
assassinaram trabalhadores e lideranças rurais no Brasil e morreram com
processos criminais (lentamente) tramitando contra eles, gastaríamos
hectares e mais hectares. Quer mais um exemplo? O julgamento de
Vitalmiro Bastos de Moura, condenado por ser um dos mandantes do
assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, foi novamente
cancelado.
Todos os que lutam para que os
direitos humanos não sejam um monte de palavras bonitas emolduradas em
uma declaração sexagenária não se sentem contemplados com o passamento
de Erasmo Dias, Ubiratan, ou mesmo de ditadores como Pinochet. Mas podem
ficar tranquilos com a ida de Videla.
Não
quero fazer Justiça por minhas mãos, não sou lelé da cuca. Quero apenas
que a nossa justiça funcione. Ou, no mínimo, que a nossa sociedade
consiga saldar as contas com seu passado.
Por
aqui o governo brasileiro resolveu não mais tentar buscar a revisão da
Lei da Anistia. Mais do que punir torturadores, seria uma ótima forma de
colocar pontos-finais em muitas das histórias em aberto e fazer com que
pessoas tivessem, pela primeira vez em décadas, uma noite de sono
inteira. A Presidência da República resolveu investir suas fichas na
Comissão da Verdade, criada pelo Congresso Nacional. Ela é uma grande
iniciativa. Mas, mesmo assim, não irá garantir que representantes
daquele tempo, como o coronel Brilhante Ustra, deixem de reinventar a
História como quiserem sem medo de serem punidos.
A
Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que o Brasil é
responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas entre os anos de 1972 e
1974, durante a Guerrilha do Araguaia. A Corte afirmou que as
disposições da Lei de Anistia brasileira, que impedem a investigação e
punição de violações contra os direitos humanos, são incompatíveis com a
Convenção Americana dos Direitos Humanos. Ou seja, a Lei da Anistia vai
contra um documento internacional assinado pelo Brasil e que o país
deve respeitar. O tribunal, vinculado à Organização dos Estados
Americanos (OEA), concluiu também que o país é responsável pela violação
do direito à integridade pessoal de familiares das vítimas, em razão do
sofrimento pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento
dos fatos. Além disso, é responsável pela violação do direito de acesso à
informação, estabelecido no artigo 13 da Convenção Americana, pela
negativa de dar acesso aos arquivos em poder do Estado com informação
sobre esses fatos. E deve, enfim, investigar e punir as mortes por meio
da Justiça.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal,
que vem sendo sensível em decisões sobre a dignidade humana, também deu
de ombros e disse que tudo fica como está.
Uma
pesquisa do Datafolha em 2010 apontou que 45% da população era contrária
à punição de agentes que torturaram presos políticos durante a ditadura
militar contra 40% a favor. Agarro-me desesperadamente à esperança de
que o pessoal não entendeu exatamente do que se tratava.
Como
já disse aqui, o impacto de não resolvermos o nosso passado se faz
sentir no dia-a-dia dos distritos policiais, nas salas de
interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, nos grotões da zona
rural, com o Estado aterrorizando parte da população (normalmente mais
pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). A ponto
de ser banalizada em filmes como Tropa de Elite, em que parte de nós
torceu para os mocinhos que usavam o mesmo tipo de método dos bandidos
no afã de arrancar a “verdade”.
A justificativa é
a mesma usada nos anos de chumbo brasileiros ou nas prisões no Iraque e
em Guantánamo, em Cuba: estamos em guerra. Ninguém explicou, contudo
que essa guerra é contra os valores que nos fazem humanos e que, a cada
batalha, vamos deixando um pouco para trás. Esse é o problema de sermos o
país do “deixa disso” ou mesmo do “esquece, não vamos criar caso, o que
passou, passou” e ainda do “você vai comprar briga por isso? Ninguém
gosta de briguentos”.
Enquanto não acertarmos
as contas com nossa história, não teremos capacidade de entender qual
foi a herança deixada por ela – na qual estamos afundados até o pescoço e
que nos define.
*GilsonSampaio