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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 18, 2013

Genocida argentino foi cumprir resto da pena na cadeia do capeta

  do Pragmatismo Político
Morte de genocida Videla gera reações diversas na Argentina
Avós da Praça de Maio sobre Videla: “ser desprezível deixou este mundo”. Nobel da Paz argentino diz que Videla traiu Argentina. Políticos, ativistas de direitos humanos e artistas criticam trajetória de ex-ditador; veja reações
A morte do ex-ditador argentino argentino Jorge Rafael Videla, ocorrida nesta manhã (17/05), em Buenos Aires, gerou uma rápida reação de políticos e ativistas argentinos nos meios de comunicação e em redes sociais, todos críticos ao passado e à postura do líder da junta militar que comandou violentamente o país entre 1976 a 1983. O ex-ditador morreu por volta das 6h30 em sua cela na prisão Marcos Páz.
general jorge videla argentina
General Jorge Videla comandou a sangrenta ditadura argentina (Foto: Arquivo)
O Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquível classificou Videla, que morreu aos 87 anos de “causas naturais”, como “um homem que passou a vida fazendo muito mal e traindo os valores de todo um país”. No entanto, o ativista de Direitos Humanos, que ficou 28 meses preso durante o regime, diz que “não se alegra com a morte de ninguém”.
“Jamais me acusaram ou julgaram por nada, sou um sobrevivente dos voos morte. Mas a morte de Videla não deve alegrar a ninguém, temos de seguir trabalhando por uma sociedade melhor, mais justa, mais humana, para que todo esse horror não volte a se repetir nunca mais”.
“Isso (a morte de Videla) não fecha um ciclo. (A ditadura) vai além de Videla, é uma política que se implementou em todo o país e na América Latina”.
Nora Cortiñas, integrante e fundadora das Mães da Praça de Maio, seguiu a mesma linha ao preferir não festejar a morte do ditador. “Mesmo com minha dor, não festejo a morte. Porque eles (os ditadores) se vão e levam junto consigo alguns dos segredos mais importantes da história”.
A associação de direitos humanos H.I.J.O.S., (acrônimo em espanhol para Filho pela Identidade e Justiça contra o Esquecimento e o Silêncio) da capital, Buenos Aires, postou em sua conta no Twitter: “Morreu sem dizer onde eles (os desaparecidos) estão”. Fundada em 1994, essa organização, dividida em diversas filiais pela Argentina, reúne, filhos de desaparecidos e assassinados, e outros que se consideram “filhos da geração ditatorial”. Entre outras ações, investigam casos de bebês sequestrados, e organizaram “escrachos” com ex-participantes do regimes. A H.I.J.O.S. de Tucumán, por sua vez, postou: “nem esquecimento nem perdão. Morreu o genocida Videla”.
Políticos
General Jorge Rafael Videla
General Jorge Rafael Videla encontrava-se preso pelo assassinato e tortura de milhares de argentinos durante a ditadura militar
O líder da oposicionista UCR (União Cívica Radical) na Câmara dos Deputados, Ricardo Gíl Lavedra, que também foi integrante de um tribunal que condenou a última junta militar, afirmou que Videla será “lembrado como um ditador que semeou a morte na Argentina e produziu a ditadura mais sangrenta e terrível” na história do país. Em entrevista à rede de TV Todo Notícias, ele lembrou que o ditador, assim como outros integrantes do regime “lamentavelmente nunca mostrou arrependimento sobre os fatos, tampouco considerou uma reparação às vítimas”.
O porta-voz do partido de esquerda FAP (Frente Ampla Progressista), Hermes Binner, postou, em sua conta no microblog Twitter, ao saber da morte do ex-ditador: “Morreu Videla: choremos as 30.000 vítimas de sua ditadura”.
O ministro de Cultura de Buenos Aires, Hernán Lombardi, recordou Videla como um “tirano sangrento” o qual “a democracia argentina teve o valor de julgar e condenar”.
O secretário nacional de Direitos Humanos, Martín Fresneda, defendeu que “o Estado não deve nunca celebrar a morte de ninguém”, mas sim “comemorar o fato de que foi feita justiça”. “Pudemos reparar a maioria dos crimes que esses homens cometeram” com os julgamentos realizados.
Sociedade
Em declarações ao canal C5N, o músico e compositor Víctor Heredia disse que “morreu um criminoso”: “Foi uma monstruosidade o que ele fez em vida”, disse o artista, cuja irmã foi sequestradas e dada como desaparecida quando estava grávida. Ele também foi perseguido pelo regime, período o qual afirmou que ficará marcado para o resto de sua vida.

Morre Videla. Na Argentina. Onde ditador vai para a cadeia

 do Sakamoto
Leonardo Sakamoto
Morreu, nesta quinta (17), de “causas naturais”, o general e ex-ditador Jorge Videla, aos 87 anos, no Centro Penitenciário Marcos Paz, onde cumpria pena de prisão perpétua por cometer crimes de lesa humanidade.
Ele comandou o golpe de março de 1976, que derrubou o regime democrático, e coordenou a repressão entre 1976 e 1983 – quando mais de 30 mil pessoas foram assassinadas por questões políticas, e mais de 500 bebês de ativistas foram sequestrados ou desapareceram. Em 2010, foi condenado à prisão perpétua, depois de ter sido condenado e anistiado anteriormente. Videla chegou a confessar que as mortes foram necessárias.
A Argentina pode ter um milhão de problemas. Mas conseguiu lidar com seu passado de uma forma bem melhor do que nós, punindo responsáveis por sua ditadura militar (uma das mais cruéis da América Latina), reformando sua anistia.
Por aqui, as coisas não funcionaram assim.
Por exemplo, o coronel Erasmo Dias morreu, em 2010, aos 85 anos. Na época, muita gente entrou em júbilo orgásmico com a notícia. Entendo a alegria de todos os que, durante a ditadura, foram atropelados pelos seus cavalos ou torturados sob sua responsabilidade. Mas não deixo de dar meus pêsames pela nossa incompetência, por não conseguirmos fazer com que esse arauto da retrocesso respondesse por tudo aquilo que fez. De 1974 a 1979, Erasmo ocupou o cargo de secretário de Segurança Pública em São Paulo, garantindo a ordem sob as técnicas persuasivas da Gloriosa. Ficou conhecido pela invasão da PUC-SP em setembro de 1977, ao reprimir um ato pela reorganização da União Nacional dos Estudantes.
Um amigo comentou que a “justiça” finalmente havia chegado para Erasmo através do câncer que o consumiu. Discordo. O sujeito com 85 anos, morando confortavelmente, sem ter que responder pelo passado, passa dessa para a melhor e isso é “justiça”? Não só não tivemos a competência para abrir e limpar publicamente as feridas que ele causou, como a sociedade ainda o elegeu deputado federal, deputado estadual e vereador.
Outra alma ceifada tempos atrás pela mesma “justiça” foi a do Coronel Ubiratan, responsável pela execução de 111 presos na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. Não é que a sociedade não conseguiu puni-lo, ela não quis puni-lo. Ele fez o servicinho sujo que muitos paulistanos desejam em seus sonhos mais íntimos, de limpeza social. Morreu em 2006, em um crime não solucionado. Estava a caminho de ser facilmente reeleito como deputado estadual, ironizando o país ao candidatar-se com o número 14.111.
Os dois não são casos únicos. Se listássemos os fazendeiros que assassinaram trabalhadores e lideranças rurais no Brasil e morreram com processos criminais (lentamente) tramitando contra eles, gastaríamos hectares e mais hectares. Quer mais um exemplo? O julgamento de Vitalmiro Bastos de Moura, condenado por ser um dos mandantes do assassinato da missionária norte-americana Dorothy Stang, foi novamente cancelado.
Todos os que lutam para que os direitos humanos não sejam um monte de palavras bonitas emolduradas em uma declaração sexagenária não se sentem contemplados com o passamento de Erasmo Dias, Ubiratan, ou mesmo de ditadores como Pinochet. Mas podem ficar tranquilos com a ida de Videla.
Não quero fazer Justiça por minhas mãos, não sou lelé da cuca. Quero apenas que a nossa justiça funcione. Ou, no mínimo, que a nossa sociedade consiga saldar as contas com seu passado.
Por aqui o governo brasileiro resolveu não mais tentar buscar a revisão da Lei da Anistia. Mais do que punir torturadores, seria uma ótima forma de colocar pontos-finais em muitas das histórias em aberto e fazer com que pessoas tivessem, pela primeira vez em décadas, uma noite de sono inteira. A Presidência da República resolveu investir suas fichas na Comissão da Verdade, criada pelo Congresso Nacional. Ela é uma grande iniciativa. Mas, mesmo assim, não irá garantir que representantes daquele tempo, como o coronel Brilhante Ustra, deixem de reinventar a História como quiserem sem medo de serem punidos.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos concluiu que o Brasil é responsável pelo desaparecimento de 62 pessoas entre os anos de 1972 e 1974, durante a Guerrilha do Araguaia. A Corte afirmou que as disposições da Lei de Anistia brasileira, que impedem a investigação e punição de violações contra os direitos humanos, são incompatíveis com a Convenção Americana dos Direitos Humanos. Ou seja, a Lei da Anistia vai contra um documento internacional assinado pelo Brasil e que o país deve respeitar. O tribunal, vinculado à Organização dos Estados Americanos (OEA), concluiu também que o país é responsável pela violação do direito à integridade pessoal de familiares das vítimas, em razão do sofrimento pela falta de investigações efetivas para o esclarecimento dos fatos. Além disso, é responsável pela violação do direito de acesso à informação, estabelecido no artigo 13 da Convenção Americana, pela negativa de dar acesso aos arquivos em poder do Estado com informação sobre esses fatos. E deve, enfim, investigar e punir as mortes por meio da Justiça.
Contudo, o Supremo Tribunal Federal, que vem sendo sensível em decisões sobre a dignidade humana, também deu de ombros e disse que tudo fica como está.
Uma pesquisa do Datafolha em 2010 apontou que 45% da população era contrária à punição de agentes que torturaram presos políticos durante a ditadura militar contra 40% a favor. Agarro-me desesperadamente à esperança de que o pessoal não entendeu exatamente do que se tratava.
Como já disse aqui, o impacto de não resolvermos o nosso passado se faz sentir no dia-a-dia dos distritos policiais, nas salas de interrogatórios, nas periferias das grandes cidades, nos grotões da zona rural, com o Estado aterrorizando parte da população (normalmente mais pobre) com a anuência da outra parte (quase sempre mais rica). A ponto de ser banalizada em filmes como Tropa de Elite, em que parte de nós torceu para os mocinhos que usavam o mesmo tipo de método dos bandidos no afã de arrancar a “verdade”.
A justificativa é a mesma usada nos anos de chumbo brasileiros ou nas prisões no Iraque e em Guantánamo, em Cuba: estamos em guerra. Ninguém explicou, contudo que essa guerra é contra os valores que nos fazem humanos e que, a cada batalha, vamos deixando um pouco para trás. Esse é o problema de sermos o país do “deixa disso” ou mesmo do “esquece, não vamos criar caso, o que passou, passou” e ainda do “você vai comprar briga por isso? Ninguém gosta de briguentos”.
Enquanto não acertarmos as contas com nossa história, não teremos capacidade de entender qual foi a herança deixada por ela – na qual estamos afundados até o pescoço e que nos define.
*GilsonSampaio

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