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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sábado, maio 25, 2013

O Relatório Figueiredo e o massacre de indígenas na ditadura


Por Bobo
Do Estado de Minas
Ele relembra a perseguição imposta à família quando o texto foi tornado público, em pleno regime militar
“O relatório é uma bomba atômica na história recente do país. Tinha muita gente importante envolvida. Essa é uma das melhores notícias que já recebi nos últimos 40 anos”, se emociona o advogado Jader de Figueiredo Correia Júnior, ao saber que o relatório produzido por seu pai em 1968, sobre violação de direitos humanos de indígenas, foi encontrado quase intacto, depois de mais de 40 anos desaparecido. “Eu tinha certeza de que ele tinha sido queimado. Diziam na época que tinha sido proposital”, lembra o advogado, que reclama de o trabalho do pai ter sido escondido e ignorado na história do país, perpetrando as injustiças constatadas. “Era uma voz solitária na ditadura, contra o AI-5 e contra um regime que censurava a imprensa”, diz. O vice-presidente do Tortura Nunca Mais de São Paulo e coordenador do projeto Armazém Memória, Marcelo Zelic, um dos principais atores na recuperação do material, concorda: “Jader de Figueiredo foi uma figura republicana superinteressante, apagada injustamente da história”.
Em 1977, uma comissão parlamentar de inquérito foi aberta na Câmara para investigar violações de direitos humanos dos índios. No ano anterior, o procurador que produziu o relatório morreu em acidente de ônibus, aos 53 anos. Perguntado se a morte do pai pode ter sido provocada por opositores, o filho considera: “Eu nunca tinha pensado nisso, eu tinha 14 anos incompletos na época. Pode ser. Meu pai morreu em um acidente que nunca foi esclarecido”. 

 15 das 68 páginas estavam em estado precário, mas foram totalmente recuperadas (Marcelo Zelic / Divulgação)
 Foto incluída no Relatório Figueiredo: 15 das 68 páginas estavam em estado precário, mas foram totalmente recuperadas

Jader Figueiredo Júnior relembra o transtorno que a divulgação do relatório trouxe à família e diz que seu pai chegou a ser ameaçado de morte. “Ele sofreu atentados, foi perseguido por pistoleiros durante a investigação. Nossa família vivia sob segurança da Polícia Federal”, relembra. Ele destaca que o pai não era uma pessoa vaidosa e não gostava de aparecer. “Ele se indignava de pensar que seu trabalho podia ficar no ‘dito pelo não dito’. Viu muita injustiça, muita crueldade. E morreu na esperança de seu trabalho aparecer de novo, de algum jeito. Onde ele estiver agora, estará feliz”, acredita o filho.

Jader Júnior relata uma passagem que o pai costumava contar em casa, sobre uma índia que foi morta e cortada ao meio em público. Segundo ele, quando o procurador chegou à aldeia, encontrou a mulher amarrada entre duas estacas pelos pés, de cabeça para baixo, partida longitudinalmente ao meio por piques de facão. “O brasileiro costuma assistir a filmes de Hollywood onde cauboís matam índios e acha bonito. O que o americano fez com os índios foi brincadeira em relação ao que foi feito aqui. Lá foi uma matança, aqui foi genocídio. Uma coisa nazista, hitlerista. E o brasileiro não tem consciência disso. Isso é uma coisa que o mundo precisa saber”, revolta-se o filho. A perplexidade do pai está indelével no relatório recuperado: “Os criminosos continuam impunes, tanto que o presidente dessa comissão viu um dos asseclas desse hediondo crime (assassínio de Cintas Largas, no Mato Grosso) sossegadamente vendendo picolé a crianças em uma esquina de Cuiabá (MT)”.
Catalogação

Marcelo Zelic também expressa grande alegria pela descoberta do documento. “Eu o achei inteirinho”, exclama o pesquisador, que percebeu que os papeis ilegíveis eram o famoso Relatório Figueiredo, que ficou batizado com o nome do procurador. Ele descreve que foi chamado ao Museu do Índio em agosto do ano passado para analisar documentação que estava em posse da entidade desde 2008 e havia sido catalogada em 2010. Das 62 páginas finais entregues ao ministro Albuquerque Lima pelo procurador Jader de Fiqueiredo, 15 estavam em estado precário de preservação. O ativista garante, porém, que os trabalhos desenvolvidos pelo Museu do Índio, Tortura Nunca Mais de São Paulo, Comissão Justiça e Paz de São Paulo, Konoinia Presença e Serviço, Associação Juízes para a Democracia e Armazém Memória, com apoio da deputada Luíza Erundina (PSB-SP), conseguiu recuperar todas elas, que estão sendo catalogadas. 
Dois dos questionamentos que o relatório pode suscitar são em relação a posse de terras – como a dos índios kadieus, em Mato Grosso – e a acusados de crimes não apurados. Em uma das páginas entregues a Albuquerque Lima, por exemplo, quatro nomes são citados como responsáveis por diversos crimes. São eles: Abílio Aristimunho, Acir Barros, Airton de França e Alan Kardec Martins Pedrosa.
*Nina

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