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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 27, 2013

 
“Gente simples, fazendo coisas simples em lugares pouco importantes conseguem mudanças inacreditáveis.”(Provérbio africano)
muroberlim
Querer ter um parto normal (natural, humanizado, domiciliar, na água, de cócoras, seja como for…) atualmente tem sido um tabu enfrentado por mulheres e suas famílias no Brasil. Os paradigmas obstétricos brasileiros mostram-se como uma grande muralha, em uma realidade onde cirurgias eletivas financiam e norteiam a lógica do sistema de saúde do país, onde o inconsciente coletivo correlaciona parto normal a sofrimento e mais da metade dos bebês chegam ao mundo em um cenário de rotinas violentas que, apesar dos evidentes malefícios, ainda são repetidas e ensinadas dia após dia nos estágios, internatos e residências dos profissionais da saúde.
A busca por condições dignas e seguras para o atendimento ao parto não é recente, desde 1996 a Organização Mundial da Saúde manifestou-se contra rotinas sem respaldo científico, ineficazes e até mesmo iatrogênicas com a publicação do “Care in normal birth: a pratic guide”. Em 2001 o Ministério da Saúde, em parceria com a Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a Associação Brasileira de Enfermagem Obstétrica (ABENFO) publicou e distribuiu amplamente o manual “Parto, Aborto e Puerpério – Assistência Humanizada à Mulher”, com o objetivo de assegurar segurança e dignidade para as mulheres no momento do parto e nascimento. Apesar da qualidade do material tivemos poucos resultados, e continuamos nos envergonhando com o recorde mundial de taxa de cesarianas e o disparate das altas taxas de morbidade e mortalidade materna e neonatal.
Desde então, as informações e evidências sobre a má qualidade de assistência no país e formas de mudar essa realidade vêm aumentando consideravelmente. E temos visto como marco desta década a utilização das redes sociais e seu imenso poder de mobilização de massas para discutir essa questão. Ficou muito mais fácil nas comunidades e grupos de apoio virtual divulgar, discutir, curtir e compartilhar as informações sobre as práticas de assistência, os direitos dos usuários, evidências científicas e ações de mobilização de massas.
A militância pelo parto humanizado foi impulsionada e ganhou muitos adeptos quando a discussão ultrapassou os limites da internet e foi para a televisão. A partir das notícias dos partos da topmodel Gisele Bündchen e da filha da apresentadora Ana Maria Braga, a discussão a respeito de um novo modelo de assistência extrapolou o lugar-comum das rodas de gestantes, parteiras, doulas e profissionais da saúde. Ao envolver talentos como os produtores de vídeos e fotografias de parto, das artes gráficas e da comunicação, possibilitou a disseminação de informação com qualidade e estimulou os bate-papos sobre parto no cotidiano das cidades, nos programas de tv, nas rádios, nos grupos, nas famílias.
Em 2012, o jornal Fantástico abordou a questão do parto domiciliar, referindo-se ao sucesso do vídeo do “Parto da Sabrina, nascimento do Lucas” no youtube, que foi o mais visto da internet por algumas semanas e hoje já acumula mais de 3 milhões de visualizações. Foi então que esta discussão conseguiu transpor mais uma barreira e deu visibilidade às ações de agências reguladoras e conselhos de classe. Como resposta, o Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) despertou o olhar de todo o país para a defesa do modelo tecnocrático centrado no poder do médico quando publicou uma proibição arbitrária e anti-ética aos médicos de participarem de partos domiciliares, mesmo que na retaguarda hospitalar e dando um péssimo exemplo de cerceamento da liberdade de expressão ao denunciar um dos médicos que se mostrou favorável à liberdade de escolha da mulher sobre o local de parto, com apoio da equipe e intervenções somente em casos necessários.
marchaparto
Este cenário foi favorável a muitas mulheres e homens, que encontraram então espaço para dialogar, exigir e lutar pelos direitos humanos na assistência ao parto – QUEREMOS UM PARTO SEGURO E RESPEITOSO! Fomos às ruas em marcha, com cartazes, camisetas, faixas e gritos de mulheres e suas famílias que manifestaram seu desejo de ter seus corpos respeitados e um parto que não seja mais apenas um horário na agenda do centro cirúrgico. Explodiram por todo o Brasil os movimentos virtuais e os encontros de ativistas, os grupos de gestantes buscando aquela experiência de parto mostrada nas fotos e nos vídeos da internet e televisão.
E então nos deparamos o Paradoxo Perinatal Brasileiro. A qualificação profissional, estrutura física e logística das maternidades, tecnologias e recursos de alta complexidade que são utilizados indiscriminadamente, dificultando o acesso a quem realmente necessita. Nesta lógica, torna-se praticamente impossível respeitar as “Boas práticas de assistência ao parto”, preconizadas pela OMS desde 1996. Estas são as verdadeiras muralhas a serem derrubadas para a humanização do parto.
Felizmente a luta pela mudança da realidade obstétrica brasileira foi incorporada por ações políticas e governamentais sérias, com o objetivo nada modesto de modificar a lógica de assistência aos partos no Sistema Único de Saúde, pautado em uma assistência de qualidade, privacidade, respeito à mulher e a sua família e acesso aos recursos que garantam segurança e uma efetiva redução da morbi-mortalidade materna e neonatal.
cegonharomerobritto
A difícil missão de derrubar as muralhas encontrou o suporte tão esperado quando a atual presidenta que tem em seu plano prioritário de governo a melhora da qualidade da assistência ao parto no Brasil. E hoje a Rede Cegonha traz investimentos em estrutura física e qualificação profissional das maternidades, muito trabalho para apoiar gestores e trabalhadores do SUS nas mudanças de práticas, valorização do SUS que dá certo, enfrentamento má administração dos recursos e a consciência na contratualização com os serviços.
O caminho já está meio andado. Há muitas críticas, é bem verdade, e elas sempre existirão, pois ainda não conseguimos ver o horizonte por cima do muro. Quando nos deparamos com a lógica das políticas públicas em nosso país, as infinitas amarras em todos os níveis de gestão, outra muralha se apresenta. Mas não vamos desistir! Temos uma base sólida e a certeza de que estamos fazendo história com a mudança do paradigma perinatal brasileiro.
E é assim que começa meu trabalho neste blog. Estarei por aqui todas as terças-feiras, esperando por vocês com os bons olhos atentos e com a cordialidade e respeito não apenas na assistência à saúde, mas também na comunicação virtual.
Angela Rios que também escreve para o http://www.saudedamulher.net/

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