“Gente simples, fazendo coisas simples em lugares pouco importantes conseguem mudanças inacreditáveis.”(Provérbio africano)
Querer ter um parto normal (natural,
humanizado, domiciliar, na água, de cócoras, seja como for…) atualmente
tem sido um tabu enfrentado por mulheres e suas famílias no Brasil. Os
paradigmas obstétricos brasileiros mostram-se como uma grande muralha,
em uma realidade onde cirurgias eletivas financiam e norteiam a lógica
do sistema de saúde do país, onde o inconsciente coletivo correlaciona
parto normal a sofrimento e mais da metade dos bebês chegam ao mundo em
um cenário de rotinas violentas que, apesar dos evidentes malefícios,
ainda são repetidas e ensinadas dia após dia nos estágios, internatos e
residências dos profissionais da saúde.
A busca por condições dignas e seguras
para o atendimento ao parto não é recente, desde 1996 a Organização
Mundial da Saúde manifestou-se contra rotinas sem respaldo científico,
ineficazes e até mesmo iatrogênicas com a publicação do “Care in normal birth: a pratic guide”.
Em 2001 o Ministério da Saúde, em parceria com a Federação Brasileira
de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) e a Associação Brasileira de
Enfermagem Obstétrica (ABENFO) publicou e distribuiu amplamente o manual
“Parto, Aborto e Puerpério – Assistência Humanizada à Mulher”,
com o objetivo de assegurar segurança e dignidade para as mulheres no
momento do parto e nascimento. Apesar da qualidade do material tivemos
poucos resultados, e continuamos nos envergonhando com o recorde mundial
de taxa de cesarianas e o disparate das altas taxas de morbidade e
mortalidade materna e neonatal.
Desde então, as informações e evidências
sobre a má qualidade de assistência no país e formas de mudar essa
realidade vêm aumentando consideravelmente. E temos visto como marco
desta década a utilização das redes sociais e seu imenso poder de
mobilização de massas para discutir essa questão. Ficou muito mais fácil
nas comunidades e grupos de apoio virtual divulgar, discutir, curtir e
compartilhar as informações sobre as práticas de assistência, os
direitos dos usuários, evidências científicas e ações de mobilização de
massas.
A militância pelo parto humanizado foi
impulsionada e ganhou muitos adeptos quando a discussão ultrapassou os
limites da internet e foi para a televisão. A partir das notícias dos
partos da topmodel Gisele Bündchen e da filha da apresentadora Ana Maria
Braga, a discussão a respeito de um novo modelo de assistência
extrapolou o lugar-comum das rodas de gestantes, parteiras, doulas e
profissionais da saúde. Ao envolver talentos como os produtores de
vídeos e fotografias de parto, das artes gráficas e da comunicação,
possibilitou a disseminação de informação com qualidade e estimulou os
bate-papos sobre parto no cotidiano das cidades, nos programas de tv,
nas rádios, nos grupos, nas famílias.
Em 2012, o jornal Fantástico abordou a questão do parto domiciliar, referindo-se ao sucesso do vídeo do “Parto da Sabrina, nascimento do Lucas” no youtube,
que foi o mais visto da internet por algumas semanas e hoje já acumula
mais de 3 milhões de visualizações. Foi então que esta discussão
conseguiu transpor mais uma barreira e deu visibilidade às ações de
agências reguladoras e conselhos de classe. Como resposta, o Conselho
Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) despertou o olhar de
todo o país para a defesa do modelo tecnocrático centrado no poder do
médico quando publicou uma proibição arbitrária e anti-ética aos médicos
de participarem de partos domiciliares, mesmo que na retaguarda
hospitalar e dando um péssimo exemplo de cerceamento da liberdade de
expressão ao denunciar um dos médicos que se mostrou favorável à
liberdade de escolha da mulher sobre o local de parto, com apoio da
equipe e intervenções somente em casos necessários.
Este cenário foi favorável a muitas
mulheres e homens, que encontraram então espaço para dialogar, exigir e
lutar pelos direitos humanos na assistência ao parto – QUEREMOS UM PARTO
SEGURO E RESPEITOSO! Fomos às ruas em marcha, com cartazes, camisetas,
faixas e gritos de mulheres e suas famílias que manifestaram seu desejo
de ter seus corpos respeitados e um parto que não seja mais apenas um
horário na agenda do centro cirúrgico. Explodiram por todo o Brasil os
movimentos virtuais e os encontros de ativistas, os grupos de gestantes
buscando aquela experiência de parto mostrada nas fotos e nos vídeos da
internet e televisão.
E então nos deparamos o Paradoxo
Perinatal Brasileiro. A qualificação profissional, estrutura física e
logística das maternidades, tecnologias e recursos de alta complexidade
que são utilizados indiscriminadamente, dificultando o acesso a quem
realmente necessita. Nesta lógica, torna-se praticamente impossível
respeitar as “Boas práticas de assistência ao parto”, preconizadas pela
OMS desde 1996. Estas são as verdadeiras muralhas a serem derrubadas
para a humanização do parto.
Felizmente a luta pela mudança da
realidade obstétrica brasileira foi incorporada por ações políticas e
governamentais sérias, com o objetivo nada modesto de modificar a lógica
de assistência aos partos no Sistema Único de Saúde, pautado em uma
assistência de qualidade, privacidade, respeito à mulher e a sua família
e acesso aos recursos que garantam segurança e uma efetiva redução da
morbi-mortalidade materna e neonatal.
A difícil missão de derrubar as muralhas
encontrou o suporte tão esperado quando a atual presidenta que tem em
seu plano prioritário de governo a melhora da qualidade da assistência
ao parto no Brasil. E hoje a Rede Cegonha
traz investimentos em estrutura física e qualificação profissional das
maternidades, muito trabalho para apoiar gestores e trabalhadores do SUS
nas mudanças de práticas, valorização do SUS que dá certo,
enfrentamento má administração dos recursos e a consciência na
contratualização com os serviços.
O caminho já está meio andado. Há muitas
críticas, é bem verdade, e elas sempre existirão, pois ainda não
conseguimos ver o horizonte por cima do muro. Quando nos deparamos com a
lógica das políticas públicas em nosso país, as infinitas amarras em
todos os níveis de gestão, outra muralha se apresenta. Mas não vamos
desistir! Temos uma base sólida e a certeza de que estamos fazendo
história com a mudança do paradigma perinatal brasileiro.
E é assim que começa meu trabalho neste
blog. Estarei por aqui todas as terças-feiras, esperando por vocês com
os bons olhos atentos e com a cordialidade e respeito não apenas na
assistência à saúde, mas também na comunicação virtual.
Angela Rios que também escreve para o http://www.saudedamulher.net/
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