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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 24, 2013

A compra de votos para a reeleição de FHC

 

Em maio de 1997, a Folha de S. Paulo publicou matéria com transcrição da gravação de uma conversa na qual os deputados Ronivon Santiago e João Maia, do PFL do Acre, confessavam ao repórter Fernando Rodrigues, ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da emenda que instituía a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos.
Da série "Escândalos não investigados da era FHC", ler também:

O Caso Sivam

O recheio da pasta rosa e o caso do Banco Econômico

A reeleição de Fernando Henrique Cardoso começou mesmo a ser urdida em círculos fechados nos primeiros seis meses do governo, em 1995. Numa reunião em Nova York, com banqueiros, Pedro Malan deixou escapar as intenções da cúpula da aliança neoliberal. Alguns jornais repercutiram a fala de Malan, que dizia quatro anos ser muito pouco para Fernando Henrique realizar o seu plano de governo e que, de duas uma, ou ampliaria o mandato para cinco anos ou instituiria a reeleição.

Sérgio Motta, na época Ministro das Comunicações e principal articulador político do governo, dizia que o PSDB se estruturava para permanecer no governo por pelo menos vinte anos. O PFL, na mesma época, lançou seu projeto PFL-2000, uma estratégia eleitoral e de ocupação de espaços políticos muito bem montada. Naquele momento o horizonte de permanência no poder da aliança neoliberal era largo. Havia popularidade presidencial de sobra para gastar. Grande parte dos formadores de opinião da grande mídia mostrava-se convencida da "modernidade" do governo, até a tungada de 1998, quando o Brasil sofreu um mega ataque especulativo e o governo fez uma desvalorização recorde do real, levando o país a uma das mais dramáticas crises financeiras.

Editoriais e artigos de opinião, longas reportagens nas revistas e jornais de grande circulação e redes de televisões estão documentados, é só ter o trabalho de ir aos arquivos para ver as perspectivas dos governistas naquela época.

As denúncias de autoritarismo, corrupção, tráfico de influência, vulnerabilidade econômica, erros do Plano Real, nada disso era capaz de mudar a gramática da grande mídia. Foram tempos difíceis para os oposicionistas que enfrentavam os governistas no Congresso Nacional e nos debates país a fora. Imperava o "pensamento único", a esquerda era taxada de “dinossauros”. Mas, aos poucos os fatos se encarregaram de desnudar a face oculta do governo Fernando Henrique Cardoso. A denúncia de compra de votos de parlamentares do PFL e do PMDB, para aprovação da emenda constitucional que instituiu a reeleição, é um deles.

Em maio de 1997, o jornal Folha de S. Paulo publicou extensa matéria com transcrição da gravação de uma conversa na qual os Deputados Ronivon Santiago e João Maia, ambos do PFL do Acre, confessavam ao repórter Fernando Rodrigues, ter recebido R$ 200 mil para votar a favor da emenda constitucional que instituía a reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos. Naquele momento a emenda já havia sido aprovada na Câmara dos Deputados e aguardava a votação no Senado.

Segundo eles, o deputado Pauderney Avelino, PFL/AM, e o então presidente da Câmara, Luiz Eduardo Magalhães, PFL/BA, eram os intermediários das negociações. Na matéria da Folha de São Paulo consta que Ronivon Santiago e João Maia revelaram alguns detalhes das negociações. Os deputados disseram a Fernando Rodrigues que o assunto era tratado diretamente com o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, o principal articulador político do governo e fiel escudeiro de Fernando Henrique Cardoso. O jornal informou ainda que os pagamentos eram feito pelos então governadores: Amazonino Mendes, PFL/AM e Orleir Cameli, PFL/AC. Na gravação, segundo o jornal, Ronivon Santiago dizia que os deputados de estados do norte, Osmir Lima, Chicão Brígido e Zila Bezerra, também, haviam vendido seus votos.

No dia seguinte, após a publicação da matéria, foi constituída uma comissão de sindicância para apurar as denúncias. Os partidos de oposição começaram a colher assinaturas para instalação de uma CPI, mas acabaram enfrentando uma manobra pesada do governo, que tinha maioria esmagadora. O noticiário da época informa que cargos e verbas foram distribuídos para os deputados da base governista para não assinarem o requerimento da CPI.

Enquanto isso, a comissão de sindicância corria contra o tempo. Era perceptível no movimento da comissão a intenção de esvaziar os argumentos para a instalação da CPI. Ao final do prazo estabelecido para a apuração, a comissão apresentou relatório dizendo que não havia necessidade de uma CPI porque as provas eram insuficientes. A comissão tomou uma decisão que pulverizou a apuração do caso. O relatório recomendou que a Procuradoria-Geral da República, chefiada por Geraldo Brindeiro, recém-reconduzido ao cargo e chamado “Engavetador-geral da República, cuidasse das investigações sobre o envolvimento do ex-ministro Sérgio Motta, que as Assembléias do Acre e do Amazonas tomassem as providências necessárias para averiguar as denúncias contra os respectivos governadores e que a Câmara dos Deputados tratasse do caso dos deputados. Ao final todos foram inocentados por falta de provas, a emenda constitucional foi aprovada no Senado e Fernando Henrique Cardoso ganhou o seu segundo mandato.

A apuração desse caso não fugiu à regra dos demais. Foram preservados réus-confessos e sacrificadas as instituições. O Congresso ficou desmoralizado perante a opinião pública e o governo seguiu sua rota de decadência moral.

(*) Jornalista e escritor, autor, entre outros trabalhos de Florestan Fernandes – vida e obra, Florestan Fernandes – um mestre radical e O Outro Lado do Real, em parceria com o deputado Henrique Fontana.
*CartaMaior

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