Cartas de Geisel a Videla mostram elos da Operação Condor
Carta Maior
Jorge Videla cumpriu o papel que dele se esperava na Operação Condor, o pacto terrorista que há 27 anos ocupou um capítulo importante na agenda argentina com o Brasil. O ditador Ernesto Geisel recebeu de bom grado a “nova” política externa do processo de reorganização nacional (e internacional), tal como se lê nos documentos, em sua maioria secretos, até hoje, obtidos pela Carta Maior.
“Foi com a maior satisfação
que recebi, das mãos do excelentíssimo senhor contra-almirante César
Augusto Guzzetti, ministro de Relações Exteriores, a carta em que Sua
Excelência teve a gentileza de fazer oportunas considerações a respeito
das relações entre nossos países...que devem seguir o caminho da mais
ampla colaboração”.
A correspondência de Ernesto Beckman Geisel dirigida a Videla exibe uma
camaradagem carregada de adjetivos que não era característico desse
general, criado numa família de pastores luteranos alemães.
“O Brasil, fiel a sua História e ao seu destino irrenunciavelmente
americanista, está seguro de que nossas relações devem basear-se numa
afetuosa compreensão...e no permanente entendimento fraterno”, extravasa
Geisel, o mesmo que havia reduzido a quase zero as relações com os
presidentes Juan Perón e Isabel Martinez, quando seus embaixadores na
Argentina pareciam menos interessados em visitar o Palácio San Martin do
que frequentar cassinos militares, trocando ideias sobre como somar
esforços na “guerra contra a subversão”.
A carta de Geisel a Videla, de 15 de dezembro de 1976, chegou a Buenos
Aires dentro de uma “mala diplomática”, não por telefone, como era
habitual. No documento consta “secreto e urgentíssimo”, ao lado dessa
nota.
Em 6 de dezembro de 1976, nove dias antes da correspondência de Geisel, o
presidente João Goulart havia morrido, em seu exílio de Corrientes, o
qual, de acordo com provas incontestáveis, foi um dos alvos prioritários
da Operação Condor no Brasil, que o espionou durante anos na Argentina,
no Uruguai e na França, onde ele realizava consultas médicas por causa
de seu problema cardíaco.
Mais ainda: está demonstrado que, em 7 de dezembro de 1976, a ditadura
brasileira proibiu a realização de necropsia nos restos do líder
nacionalista e potencial ameaça, para que não respingassem em Geisel a
parada cardíaca de origem incerta.
Não há elementos conclusivos, mas suspeitas plausíveis, de que Goulart
foi envenenado com pastilhas misturadas entre seus medicamentos, numa
ação coordenada pelos regimes de Brasília, Buenos Aires e Montevidéu, e
assim o entendeu a Comissão da Verdade, da presidenta Dilma Rousseff, ao
ordenar a exumação do corpo enterrado na cidade sulista de São Borja,
sem custódia militar, porque o Exército se negou a dar-lhe há 10 dias,
depois de receber um pedido das autoridades civis.
Voltemos à correspondência de Geisel de 15 de dezembro de 1976.
O brasileiro escreveu em resposta a outra carta, de Videla (de 3 de
dezembro de 1976), na qual ele se dizia persuadido de que a
“Pátria...vive uma instância dinâmica no plano das relações
internacionais, particularmente em sua ativa e fecunda comunicação com
as nações irmãs”.
“A perdurável comunidade de destino americano nos assinala hoje, mais do
que nunca, o caminho das realizações compartilhadas e a busca das
grandes soluções”, propunha Videla, enterrado ontem junto aos crimes
secretos transnacionais sobre os quais não quis falar perante o Tribunal
Federal N1, onde transita o mega processo da Operação Condor.
Os que estudaram essa trama terrorista sul-americana sustentam que ela
se valeu dos serviços da diplomacia, especialmente no caso brasileiro,
onde os chanceleres teriam sido funcionais aos imperativos da guerra
suja.
Portanto, esse intercâmbio epistolar enquadrado na diplomacia
presidencial de Geisel e Videla, pode ser lido como um contraponto de
mensagens cifradas sobre os avanços do terrorismo binacional no combate à
resistência brasileira ou argentina. Tudo em nome do “interesse
recíproco de nossos países”, escreveu Videla.
Em dezembro de 1976, 9 meses após a derrubada do governo civil, a
tirania argentina demonstrava que, além de algumas divergências
geopolíticas sonoras com o sócio maior, havia de fato uma
complementariedade das ações secretas “contra a subversão”.
Assim, pouco após a derrubada de Isabel Martínez, o então chanceler
brasileiro e antes embaixador em Buenos Aires, Francisco Azeredo da
Silveira, recomendou o fechamento das fronteiras para colaborar com
Videla, para impedir a fuga de guerrilheiros e militantes argentinos.
Por sua parte, Videla, assumindo-se como comandante do Condor celeste e
branco, autorizava o encarceramento de opositores brasileiros,
possivelmente contando com algum nível de coordenação junto aos adidos
militares (os mortíferos “agremiles”) destacados no Palácio Pereda, a
mansão de linhas afrancesadas onde tem sede a missão diplomática na
qual, segundo versões, havia um número exagerado de armas de fogo.
Entre março, mês do golpe, e dezembro de 1976, foram sequestrados e
desaparecidos na Argentina os brasileiros Francisco Tenório Cerqueira
Júnior, Maria Regina Marcondes Pinto, Jorge Alberto Basso, Sergio
Fernando Tula Silberberg e Walter Kenneth Nelson Fleury, disse o informe
elaborado pelo Grupo de Trabalho Operação Condor, da Comissão da
Verdade.
O organismo foi apresentado por Dilma Rousseff perante rostos
contidamente iracundos dos comandantes das Forças Armadas, os únicos,
entre as centenas de convidados para a cerimônia, que evitaram
aplaudi-la.
Ao finalizar o ato realizado em novembro de 2011, o então secretário de
Direitos Humanos argentino Eduardo Luis Duhalde, declarava a este site
que um dos segredos melhor guardados da Operação Condor era a
participação do Brasil e a sua conexão com a Argentina, e que essa
associação delituosa só será revelada quando Washington liberar os
documentos brasileiros com a mesma profusão com que liberou os
documentos sobre a Argentina e o Chile.
Averiguar até onde chegou a cumplicidade de Buenos Aires e Brasília será
mais difícil depois do falecimento de Videla, mas não há que se
subestimar as pistas diplomáticas.
Em 6 de agosto de 1976, um telefonema “confidencial” degravado na
embaixada brasileira informa aos seus superiores que o ministro de
Relações Exteriores Guzzetti falou sobre a “nova” política externa
vigente desde que “as forças armadas assumiram o poder” e a da vocação
de aproximar-se mais do Brasil, após anos de distanciamento.
Ao longo de 1976, os chanceleres Azeredo da Silveira e Guzzetti
mantiveram reuniões entre si e com o principal fiador da Condor, Henry
Kissinger que, segundo os documentos que vieram a público há anos a
pedido do “Arquivo Nacional de Segurança” dos EUA, recomendou a ambos
ser eficazes na simulação no trabalho de extermínio dos inimigos.
“Nós desejamos o melhor para o novo governo (Videla)...desejamos seu
êxito...Se há coisas a fazer, vocês devem fazê-las rápido...”,
recomendou o Prêmio Nobel da Paz estadunidense, ao contra-almirante e
chanceler
*Cappacete
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