Páginas

Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

segunda-feira, maio 20, 2013

Cartas de Geisel a Videla mostram elos da Operação Condor



Carta Maior


Jorge Videla cumpriu o papel que dele se esperava na Operação Condor, o pacto terrorista que há 27 anos ocupou um capítulo importante na agenda argentina com o Brasil. O ditador Ernesto Geisel recebeu de bom grado a “nova” política externa do processo de reorganização nacional (e internacional), tal como se lê nos documentos, em sua maioria secretos, até hoje, obtidos pela Carta Maior.


“Foi com a maior satisfação que recebi, das mãos do excelentíssimo senhor contra-almirante César Augusto Guzzetti, ministro de Relações Exteriores, a carta em que Sua Excelência teve a gentileza de fazer oportunas considerações a respeito das relações entre nossos países...que devem seguir o caminho da mais ampla colaboração”.

A correspondência de Ernesto Beckman Geisel dirigida a Videla exibe uma camaradagem carregada de adjetivos que não era característico desse general, criado numa família de pastores luteranos alemães.
“O Brasil, fiel a sua História e ao seu destino irrenunciavelmente americanista, está seguro de que nossas relações devem basear-se numa afetuosa compreensão...e no permanente entendimento fraterno”, extravasa Geisel, o mesmo que havia reduzido a quase zero as relações com os presidentes Juan Perón e Isabel Martinez, quando seus embaixadores na Argentina pareciam menos interessados em visitar o Palácio San Martin do que frequentar cassinos militares, trocando ideias sobre como somar esforços na “guerra contra a subversão”.
A carta de Geisel a Videla, de 15 de dezembro de 1976, chegou a Buenos Aires dentro de uma “mala diplomática”, não por telefone, como era habitual. No documento consta “secreto e urgentíssimo”, ao lado dessa nota.
Em 6 de dezembro de 1976, nove dias antes da correspondência de Geisel, o presidente João Goulart havia morrido, em seu exílio de Corrientes, o qual, de acordo com provas incontestáveis, foi um dos alvos prioritários da Operação Condor no Brasil, que o espionou durante anos na Argentina, no Uruguai e na França, onde ele realizava consultas médicas por causa de seu problema cardíaco.
Mais ainda: está demonstrado que, em 7 de dezembro de 1976, a ditadura brasileira proibiu a realização de necropsia nos restos do líder nacionalista e potencial ameaça, para que não respingassem em Geisel a parada cardíaca de origem incerta.
Não há elementos conclusivos, mas suspeitas plausíveis, de que Goulart foi envenenado com pastilhas misturadas entre seus medicamentos, numa ação coordenada pelos regimes de Brasília, Buenos Aires e Montevidéu, e assim o entendeu a Comissão da Verdade, da presidenta Dilma Rousseff, ao ordenar a exumação do corpo enterrado na cidade sulista de São Borja, sem custódia militar, porque o Exército se negou a dar-lhe há 10 dias, depois de receber um pedido das autoridades civis.
Voltemos à correspondência de Geisel de 15 de dezembro de 1976.
O brasileiro escreveu em resposta a outra carta, de Videla (de 3 de dezembro de 1976), na qual ele se dizia persuadido de que a “Pátria...vive uma instância dinâmica no plano das relações internacionais, particularmente em sua ativa e fecunda comunicação com as nações irmãs”.
“A perdurável comunidade de destino americano nos assinala hoje, mais do que nunca, o caminho das realizações compartilhadas e a busca das grandes soluções”, propunha Videla, enterrado ontem junto aos crimes secretos transnacionais sobre os quais não quis falar perante o Tribunal Federal N1, onde transita o mega processo da Operação Condor.
Os que estudaram essa trama terrorista sul-americana sustentam que ela se valeu dos serviços da diplomacia, especialmente no caso brasileiro, onde os chanceleres teriam sido funcionais aos imperativos da guerra suja.
Portanto, esse intercâmbio epistolar enquadrado na diplomacia presidencial de Geisel e Videla, pode ser lido como um contraponto de mensagens cifradas sobre os avanços do terrorismo binacional no combate à resistência brasileira ou argentina. Tudo em nome do “interesse recíproco de nossos países”, escreveu Videla.
Em dezembro de 1976, 9 meses após a derrubada do governo civil, a tirania argentina demonstrava que, além de algumas divergências geopolíticas sonoras com o sócio maior, havia de fato uma complementariedade das ações secretas “contra a subversão”.
Assim, pouco após a derrubada de Isabel Martínez, o então chanceler brasileiro e antes embaixador em Buenos Aires, Francisco Azeredo da Silveira, recomendou o fechamento das fronteiras para colaborar com Videla, para impedir a fuga de guerrilheiros e militantes argentinos.
Por sua parte, Videla, assumindo-se como comandante do Condor celeste e branco, autorizava o encarceramento de opositores brasileiros, possivelmente contando com algum nível de coordenação junto aos adidos militares (os mortíferos “agremiles”) destacados no Palácio Pereda, a mansão de linhas afrancesadas onde tem sede a missão diplomática na qual, segundo versões, havia um número exagerado de armas de fogo.
Entre março, mês do golpe, e dezembro de 1976, foram sequestrados e desaparecidos na Argentina os brasileiros Francisco Tenório Cerqueira Júnior, Maria Regina Marcondes Pinto, Jorge Alberto Basso, Sergio Fernando Tula Silberberg e Walter Kenneth Nelson Fleury, disse o informe elaborado pelo Grupo de Trabalho Operação Condor, da Comissão da Verdade. 
O organismo foi apresentado por Dilma Rousseff perante rostos contidamente iracundos dos comandantes das Forças Armadas, os únicos, entre as centenas de convidados para a cerimônia, que evitaram aplaudi-la.
Ao finalizar o ato realizado em novembro de 2011, o então secretário de Direitos Humanos argentino Eduardo Luis Duhalde, declarava a este site que um dos segredos melhor guardados da Operação Condor era a participação do Brasil e a sua conexão com a Argentina, e que essa associação delituosa só será revelada quando Washington liberar os documentos brasileiros com a mesma profusão com que liberou os documentos sobre a Argentina e o Chile.
Averiguar até onde chegou a cumplicidade de Buenos Aires e Brasília será mais difícil depois do falecimento de Videla, mas não há que se subestimar as pistas diplomáticas.
Em 6 de agosto de 1976, um telefonema “confidencial” degravado na embaixada brasileira informa aos seus superiores que o ministro de Relações Exteriores Guzzetti falou sobre a “nova” política externa vigente desde que “as forças armadas assumiram o poder” e a da vocação de aproximar-se mais do Brasil, após anos de distanciamento.
Ao longo de 1976, os chanceleres Azeredo da Silveira e Guzzetti mantiveram reuniões entre si e com o principal fiador da Condor, Henry Kissinger que, segundo os documentos que vieram a público há anos a pedido do “Arquivo Nacional de Segurança” dos EUA, recomendou a ambos ser eficazes na simulação no trabalho de extermínio dos inimigos.
“Nós desejamos o melhor para o novo governo (Videla)...desejamos seu êxito...Se há coisas a fazer, vocês devem fazê-las rápido...”, recomendou o Prêmio Nobel da Paz estadunidense, ao contra-almirante e chanceler 

*Cappacete

Nenhum comentário:

Postar um comentário