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Ser de esquerda é não aceitar as injustiças, sejam elas quais forem, como um fato natural. É não calar diante da violação dos Direitos Humanos, em qualquer país e em qualquer momento. É questionar determinadas leis – porque a Justiça, muitas vezes, não anda de mãos dadas com o Direito; e entre um e outro, o homem de esquerda escolhe a justiça.
É ser guiado por uma permanente capacidade de se estarrecer e, com ela e por causa dela, não se acomodar, não se vender, não se deixar manipular ou seduzir pelo poder. É escolher o caminho mais justo, mesmo que seja cansativo demais, arriscado demais, distante demais. O homem de esquerda acredita que a vida pode e deve ser melhor e é isso, no fundo, que o move. Porque o homem de esquerda sabe que não é culpa do destino ou da vontade divina que um bilhão de pessoas, segundo dados da ONU, passe fome no mundo.
É caminhar junto aos marginalizados; é repartir aquilo que se tem e até mesmo aquilo que falta, sem sacrifício e sem estardalhaço. À direita, cabe a tarefa de dar o que sobra, em forma de esmola e de assistencialismo, com barulho e holofotes. Ser de esquerda é reconhecer no outro sua própria humanidade, principalmente quando o outro for completamente diferente. Os homens e mulheres de esquerda sabem que o destino de uma pessoa não deveria ser determinado por causa da raça, do gênero ou da religião.
Ser de esquerda é não se deixar seduzir pelo consumismo; é entender, como ensinou Milton Santos, que a felicidade está ancorada nos bens infinitos. É mergulhar, com alegria e inteireza, na luta por um mundo melhor e neste mergulho não se deixar contaminar pela arrogância, pelo rancor ou pela vaidade. É manter a coerência entre a palavra e a ação. É alimentar as dúvidas, para não cair no poço escuro das respostas fáceis, das certezas cômodas e caducas. Porém, o homem de esquerda não faz da dúvida o álibi para a indiferença. Ele nunca é indiferente. Ser de esquerda é saber que este “mundo melhor e possível” não se fará de punhos cerrados nem com gritos de guerra, mas será construído no dia-a-dia, nas pequenas e grandes obras e que, muitas vezes, é preciso comprar batalhas longas e desgastantes. Ser de esquerda é, na batalha, não usar os métodos do inimigo.
Fernando Evangelista

sexta-feira, maio 24, 2013

O BRASIL E O PACÍFICO



(JB)-Não foi uma caminhada fácil, nem se iniciou ontem, mas o Brasil deixou para trás a situação acanhada, quando, de tempos em tempos, nossos ministros da Fazenda viajavam aos Estados Unidos, de chapéu na mão. A dívida externa nacional, sempre acumulada, pelos juros brutais, tinha que ser “rolada” de maneira humilhante. Os que procuraram escapar ao “contrato de Fausto com o diabo”, conforme Severo Gomes, sofreram a articulação golpista comandada de fora, como ocorreu a Vargas, a Juscelino e a João Goulart.     
Livramo-nos, durante o governo Lula, do constrangimento de abrir a contabilidade nacional aos guarda-livros do FMI, que vinham periodicamente ao Brasil dizer como devíamos agir, em relação à política fiscal ou na direção dos parcos investimentos do Estado. Ainda temos débitos com o exterior, mas as nossas reservas cobrem, com muita folga, os  compromissos externos.
Não obstante isso, os nossos adversários históricos não descansam. Ontem, na cidade colombiana de Cali, os governos do México, do Chile, da Colômbia e do Peru se reuniram para mais um passo na criação da Aliança do Pacífico — sob a liderança dos Estados Unidos e da Espanha — claramente oposta ao Mercosul. O Tratado que reúne, hoje, o Brasil, a Argentina, a Venezuela e o Uruguai — e que deverá ampliar-se ao Paraguai e à Bolívia — representa poderoso mercado interno, com um dinamismo que assegurará desenvolvimento autônomo e relações de igualdade com outras regiões do mundo.
Os norte-americanos, em sua política latino-americana, agem sempre dentro do velho princípio, que Ted Roosevelt atribuía aos africanos, de falar mansinho, mas levar um porrete grande. Ainda agora, preparam uma recepção de alto nível para a chefe de Estado do Brasil, que visitará Washington, em outubro — e será recebida com todas as homenagens diplomáticas. Ao mesmo tempo montam o esquema de cerco continental ao nosso país.

Sendo assim, foi importante a visita que fez anteontem a Washington o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves, a convite do Instituto do Brasil, do Centro Woodrow Wilson, e do US Businness Council. O parlamentar, exibindo números bem conhecidos em Washington, mostrou que o Brasil deixou de ser país em desenvolvimento, para tornar-se uma potência consolidada. Ele argumentou que o Brasil é investidor importante na economia norte-americana, e, embora não o tenha feito, poderia lembrar que somos o país que tem o terceiro maior crédito junto ao Tesouro dos Estados Unidos.
Os espanhóis que, em troca do tratamento privilegiado que lhes damos no Brasil, tratam de nos prejudicar, estão exultando com a Aliança do Pacífico. No entender de seus analistas, a nova organização vai sufocar o Mercosul. Ainda que alguns de nossos parceiros estejam encontrando dificuldades ocasionais, a pujança conjunta supera, de longe, a economia dos países da Aliança. A economia mexicana depende de empresas norte-americanas, que se aproveitam de seus baixos salários e outras vantagens para ali montar seus automóveis e “maquiar” outros produtos.
A força da economia brasileira, na indústria de porte — em que se destaca a engenharia de excelência na construção pesada — reduz a quase nada a importância dos países litorâneos do Pacífico, em sua realidade interna. Os Estados Unidos os querem no Nafta, e é provável que consigam esse estatuto de vassalagem. Nós, no entanto, não podemos deixar os nossos vizinhos da América do Sul isolados, em troca de uma parceria com Washington que de nada nos serve.
É hora também de dar um chega pra lá com a Espanha de Juan Carlos, Rajoy e Emilio Botin, o atrevido presidente do Banco Santander, que consegue ser recebido no Planalto com mais frequência do que alguns ministros de Estado. O Brasil deve manter as melhores relações diplomáticas com os Estados Unidos, desde que as vantagens sejam recíprocas. Mas se, ao contrário deles, não levarmos o big steak, estaremos advertidos de que “os Estados Unidos não têm amigos: os Estados Unidos têm interesses”, conforme a frase atribuída a  Sumner Welles e repetida depois por Kissinger.
*MauroSantayana

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