Gente séria do meio jurídico condena a conduta do presidente do STF
Seja lá o que move Joaquim Barbosa, a magistratura está chocada com seus excessos
Hylda Cavalcanti, Paulo Donizetti e Vitor Nuzzi
Celso Bandeira de Mello
Assinala
dois fatos que poderiam motivar o afastamento de Barbosa: o
encaminhamento para o regime fechado de pessoas condenadas ao semiaberto
e a expedição de mandados de prisão em pleno feriado da Proclamação da
República sem as respectivas cartas de sentença
Ao
longo de todo o julgamento da Ação Penal 470, não faltaram decisões
espetaculares por parte de alguns ministros do Supremo Tribunal Federal
(STF), sobretudo de seu presidente, Joaquim Barbosa. Na mais recente,
ao determinar a prisão de 12 dos 25 réus do processo em pleno feriado da
República, o presidente da Corte Suprema provocou vários tipos de
reação: a dos deslumbrados com o espetáculo, estimulados pela cobertura
recorrente em meios tradicionais de comunicação, a dos que acreditam na
Justiça e a dos indignados com procedimentos adotados pelo magistrado.
Nesse caso, chama a atenção o incômodo no próprio meio jurídico com
algumas decisões.
Personalidades do Judiciário,
preocupadas com possíveis abusos de poder por parte do presidente do
STF, expressaram sua posição, em manifesto público distribuído no dia 19
de novembro. O texto foi assinado por dezenas de acadêmicos,
intelectuais, advogados e juristas com o nome historicamente associado à
defesa da democracia, entre eles Dalmo Dallari e Celso Bandeira de
Mello – este último disse considerar Barbosa “uma pessoa má”.
“Ele
é um homem mau, com pouco sentimento humano”, comentou Bandeira de
Mello. “Falo isso sem nenhum preconceito com a pessoa dele, pois já o
convidei para jantar na minha casa. Mas o que ele faz é simplesmente
maldade”, reiterou. O ex-governador de São Paulo Claudio Lembo chegou a
considerar num programa de TV que o “linchamento” praticado por Joaquim
Barbosa e as ilegalidades das prisões poderiam levar ao seu impeachment.
“Nunca houve impeachment de um presidente do STF. Mas pode haver, está
na Constituição. O poder Judiciário não pode ser instrumento de vendeta
(termo originalmente italiano para ‘vingança’)”, afirmou.
No
manifesto, os signatários afirmam que a decisão do presidente do
Supremo Tribunal Federal de mandar prender os réus da AP 470 no dia da
proclamação da República expõe “claro açodamento” e falam em
ilegalidade. “Sem qualquer razão meramente defensável, organizou-se um
desfile aéreo, custeado com dinheiro público e com forte apelo
midiático, para levar todos os réus a Brasília. Não faz sentido
transferir para o regime fechado, no presídio da Papuda, réus que
deveriam iniciar o cumprimento das penas já no semiaberto em seus
estados de origem”, diz o documento. “Só o desejo pelo espetáculo
justifica. Não escrevemos em nome dos réus, mas de uma significativa
parcela da sociedade que está perplexa com a exploração midiática das
prisões e temem não só pelo destino dos réus, mas também pelo futuro do
Estado Democrático de Direito no Brasil.”
O
texto alerta que o procedimento relativo à execução da pena constituiu
“erro inadmissível que compromete a imagem e a reputação do Supremo
Tribunal Federal e já provoca reações da sociedade e meio jurídico”.
Para Bandeira de Mello, o plenário do STF poderia inclusive fazer uma
censura pública a Barbosa.
Entidades
representativas da magistratura também expressaram críticas ao
comportamento de Barbosa. Casos da Associação dos Magistrados do Brasil
(AMB), da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), da
Associação Juízes para a Democracia (AJD) e da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB). O presidente da AMB, João Ricardo dos Santos Costa,
considerou um “canetaço” a decisão do presidente do STF de fazer pressão
para substituir o juiz da Vara de Execuções Penais responsável pelos
presos em Brasília. Em outra nota, a presidenta da AJD, Kenarik
Boujikian, afirma que “o povo não aceita mais o coronelismo no
Judiciário”.
Precipitação
As
confusões começaram quando Barbosa obrigou réus a tomar um avião e
seguir para o Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal,
quando vários deles esperavam ficar em penitenciárias nos seus estados. O
local não estava preparado para recebê-los e, num primeiro momento,
mesmo os condenados ao regime semiaberto – caso dos ex-dirigentes do PT –
tiveram de ficar numa ala específica para detentos do regime prisional
fechado. Além da forma como a prisão foi feita, do desconforto observado
entre ministros do STF com a decisão tomada de forma monocrática pelo
presidente, a situação passou a piorar com o agravamento do estado de
saúde do deputado José Genoino.
Operado em julho
e vítima de um acidente vascular cerebral em agosto, Genoino já tinha
sua situação clínica publicamente conhecida, antes mesmo do término do
julgamento. Ainda assim, somente depois que o deputado foi levado às
pressas para o Instituto Cardiológico do Distrito Federal com suspeita
de infarto, foi concedida – ainda de maneira provisória – autorização
para que ficasse num hospital ou na casa de algum parente. Genoino
precisa tomar anticoagulantes, tem picos elevados de pressão e seu
estado requer cuidados. No dia 24, ao sair do Incor, foi para a casa da
filha Mariana, que vive em Brasília. “Quando recebeu o mandado de prisão
ele tinha recebido alta hospitalar, não alta médica. Precisa tomar
vários remédios por dia e fazer uma rotina de exercícios de respiração e
fonoaudiológicos”, disse a outra filha, Miruna.
Celso
Bandeira de Mello assinalou ainda dois fatos que considerou graves e
que, por contrariar a legislação, poderiam motivar o afastamento de
Barbosa: o encaminhamento para o regime fechado de pessoas que haviam
sido condenadas ao semiaberto e a expedição de mandados de prisão em
pleno feriado da Proclamação da República sem as respectivas cartas de
sentença (emitidas 48 horas depois). No Congresso, alguns senadores
chegaram a discutir em reservado a possibilidade de iniciar um movimento
para, eles próprios, pedirem o impeachment de Barbosa. Foram, porém,
desestimulados pelo governo. O Palácio do Planalto não se pronuncia
oficialmente, mas teme uma crise institucional, o choque entre poderes, e
não descarta que, em meio a tantas reações, Barbosa seja transformado
em “vítima” pelos meios de comunicação que lhe dão guarida.
O
ministro já foi, de fato, acusado pelos colegas de tentar se vitimizar
quando seus atos não saem conforme o planejado. “Ele sempre gostou de
usar recursos para se fazer de vítima. Fez isso com sua doença na
coluna, tempos atrás, e agora segue no mesmo estilo”, comentou um
ministro aposentado. Até mesmo dentro de casa o clima era de
desconforto. “Foi uma atitude açodada. Não havia motivo (para a
decretação das prisões em pleno feriado)”, afirmou o ministro Marco
Aurélio de Mello.
Contatos e planos
Outra
trapalhada de Barbosa diz respeito à substituição do juiz da Vara de
Execuções Penais (VEP) do Distrito Federal. Apesar do titular da Vara
ser Ademar Silva de Vasconcelos, Barbosa pediu para que fosse designado,
para o caso dos réus da AP 470, o juiz substituto Bruno André da Silva
Ribeiro. Ribeiro é tido como um magistrado preparado e elogiado por
muitos. Leciona Direito Penal e Direito Processual Penal no Instituto
Brasileiro de Direito Público (IBDP), que tem como um dos sócios o
ministro Gilmar Mendes.
Bruno é filho de um
ex-deputado do Distrito Federal, Raimundo Ribeiro, que ocupou cargos no
governo Fernando Henrique Cardoso e tem participação atuante no PSDB
local. Além disso, é ligado ao ex governador José Roberto Arruda – preso
e cassado em 2009. Sua mãe, a servidora pública Luci Rosane Ribeiro,
constantemente posta nas redes sociais mensagens com críticas ao PT, e
chegou a publicar uma foto de Joaquim Barbosa, elogiando a condução do
ministro no julgamento. “A indicação do nome do meu filho não tem
qualquer conotação de ordem político-partidária”, sustentou o
ex-deputado.
Os contatos do presidente do STF
com o juiz Bruno Ribeiro foram mantidos desde antes da decretação da
prisão dos condenados. Foi para ele que Barbosa encaminhou documentos
referentes ao processo quando decretou a prisão. Como ele estava
entrando em férias, a incumbência ficou com o titular da Vara, Ademar
Vasconcelos. O presidente do STF chegou a afirmar que as informações que
vinha recebendo do juiz titular eram diferentes das que lhe foram
repassadas depois sobre a situação clínica de Genoino. A interpretação
de alguns ministros e juízes que defendem a postura do titular da Vara é
de que Barbosa poderia, assim, usar Vasconcelos como bode expiatório
caso Genoino viesse a ter um fim trágico por causa da sua prisão
intempestiva.
Em meio a essa trama, correm no
STF e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) especulações de que Barbosa
pedirá aposentadoria do cargo até abril do próximo ano, um sinal de que
seu “açodamento” seria calculado. Embora ele negue, comenta-se que
poderá disputar uma vaga ao Senado Federal pelo Rio de Janeiro – a
legenda provável seria o PSB de Eduardo Campos.
Outra
possibilidade, noticiada recentemente pelo jornalista Wilson Lima, do
portal IG em Brasília, é a aproximação com o senador mineiro Aécio
Neves, postulante do PSDB à Presidência da República. Poderia ser seu
vice, ou anunciado com provável ministro. “O tucanato, oficialmente,
nega qualquer tentativa de aproximação. Mas nos últimos dois meses,
conforme os próprios tucanos, os encontros entre Aécio e Barbosa têm
sido cada vez mais frequentes em jantares e eventos sociais em
Brasília”, anota o jornalista. Ele lembra que em abril o presidente do
STF, mineiro de Paracatu, foi homenageado com a Medalha da Inconfidência
pelo governo de Minas Gerais.
*GilsonSampaio